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Novas limitações aos direitos de uso e fruição em condomínios edilícios

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Atualizado em 3 de julho de 2019 14:47


Texto de autoria de Alexandre Junqueira Gomide

Introdução

Em sua obra clássica a respeito do direito das coisas, ao tratar das características fundamentais do direito de propriedade, Lafayette Pereira1, nos idos anos de 1943, asseverou que tal direito "é ilimitado e como tal inclue em si o direito de praticar sobre a coisa todos os atos que são compatíveis com as leis da natureza".

O caráter "ilimitado2" do direito de propriedade era conferido no art. 527, do Código Civil de 1916, ao determinar que "O domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário"3.

Contudo, com o passar dos anos, o exercício ilimitado da propriedade passou a sofrer restrições. Atente-se que o art. 1.231, do atual Código Civil, não mais estabelece que a propriedade se presume ilimitada, mas, sim, "plena e exclusiva".

Passo importante nesse sentido certamente foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que dispôs, expressamente no art. 5º, inciso XXIII, a determinação de a propriedade atender a sua função social4.

O Código Civil de 2002 (art. 1.228, § 1º), trilhando o mesmo caminho, estabeleceu que o direito de propriedade deve ser exercido em "consonância com as suas finalidades econômicas e sociais".

De todo modo, embora tenha sofrido restrições em sua forma de exercício, não se perca de vista que desde o Código Civil revogado5 até o vigente6, o proprietário continua tendo como principais atributos o direito de usar, gozar e dispor da coisa.

Contudo, a contemporaneidade impõe uma releitura de tais atributos, sob a ótica da função social da propriedade e boa-fé. Nesse sentido, Francisco Loureiro7 afirma que "o conceito contemporâneo de propriedade é o de relação jurídica complexa que tem por conteúdo as faculdades de uso, gozo e disposição da coisa por parte do proprietário, subordinadas à função social e com correlatos deveres, ônus e obrigações em relação a terceiros. Há centros de interesses proprietários e não-proprietários, geradores de direitos e deveres a ambas as categorias"8.

Os tempos modernos requerem análise atenta a respeito dos atributos do direito de propriedade e suas limitações, nomeadamente no exercício do direito de usar e gozar da coisa. Destaque-se que as limitações ao direito de propriedade podem ser ainda mais frequentes no âmbito do condomínio edilício, a considerar que a convenção condominial pode estabelecer certas limitações não previstas no texto legal.

O objetivo do presente artigo é justamente verificar as novas limitações ao exercício do direito de usar e gozar da coisa, no âmbito do condomínio edilício, em razão de restrições impostas na convenção condominial.

Confira a coluna na íntegra.

__________

1 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. 5ª ed. v. I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943. p. 99.

2 Segundo José de Oliveira Ascensão, a expressão 'propriedade absoluta' é equívoca, mas queria se referir à propriedade ilimitada. Criticando o caráter ilimitado, Ascensão afirma que "quando se fala de propriedade absoluta pensa-se normalmente no ius utendi, fruendi et abutendi, que se reporta o Direito Romano. A este atribui a paternidade de todas as manifestações que esta concepção viria a ter. Possivelmente com injustiça. Basta pensar que o direito inglês foi pouco influenciado pelo direito romano, e todavia em país algum a titularidade dos bens assumiu um aspecto tão acentuadamente egoísta. Por exemplo, ainda hoje existem na Inglaterra os 'muros da inveja': um sujeito pode fazer erguer um muro unicamente com a finalidade de privar o seu vizinho de visitas ou luz, em que a este assista qualquer recurso para se opor ao acto emulativo". ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. p. 139.

3 Em sentido próximo, o art. 2.170º, do Código Civil Português de 1867 declarava: "O direito de propriedade, e cada um dos direitos especiais que esse direito abrange não têm outros limites senão aqueles que lhe forem assinados pela natureza das coisas, por vontade do proprietário ou por disposição expressa da lei".

4 Parece-nos adequado o conceito de função social da propriedade conferido por Luciano Camargo Penteado. Para o autor, "a função social da propriedade é uma cláusula geral que onera as situações jurídicas de direito das coisas, impondo ao titular da mesma o dever de atuar: (i) de modo geral, sem ofender fins da comunidade política em que está estabelecido, determinando diferentes obrigações, sujeições e ônus, como situações jurídicas cujo conteúdo é o respeito ao meio ambiente sadio e equilibrado, o patrimônio histórico e cultural, bem como o atender a certos fins transindividuais, como a paz; (ii) de modo específico, quando titular de bens de produção, otimizando sua capacidade geradora, a fim de que compartilhe o benefício com a coletividade em que se insere. Em face disto, a função social da propriedade tem duas claras funções: 1) criar um espaço geral de licitude na atuação dos direitos sobre bens corpóreos e, ao mesmo tempo, programaticamente, 2) implementar políticas públicas no sentido de produtividade, para permitir um efeito redistributivo da propriedade para a comunidade em que o titular do direito se insere". (PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 222).

5 Código Civil de 1916: Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reave-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

6 Código Civil de 2002: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

7 LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 188 e 193.

8 Como bem advertido por Oliveira Ascensão, "a matéria enquadrada no tema das limitações é mais extensa que a que cabe examinar sob o ângulo da função social. Na verdade, entre as limitações, limites ou restrições dos direitos reais, incluem-se por vezes as que tem origem negocial". ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos Reais. 5ª ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. p. 205.