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Preservar a confiança no sistema das locações urbanas

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Atualizado às 08:05

Texto de autoria de Jaques Bushatsky

O planeta quase totalmente paralisado pela pandemia, é indiscutível a repercussão nas relações jurídicas, mostrando-se de fácil identificação os prejuízos resultantes. O cenário sensibilizou o parlamento, vindo o oportuno projeto de lei 1179/20, do senador Antonio Anastasia, prontamente relatado pela senadora Simone Tebet.

Foram trabalhos exigidos pelo momento (se não agora, quando? Era a pergunta do sábio Hilel, dois mil anos atrás), parecendo em geral bem recebidos pela sociedade e pela crítica jurídica, sendo somente pontuais as ideias levantadas para o aperfeiçoamento da legislação de emergência.

No que diz com as locações imobiliárias urbanas, o relatório suprimiu o original artigo 10 e, ao artigo 9º foi proposta a seguinte redação: "Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020"1.

Passou a ser permitida a liminar, por conseguinte, nas situações que o art. 59, da lei 8.245/91 contemplou nos seus incisos III (pertinente à desocupação do imóvel alugado por temporada), IV (situações de invasão do imóvel quando falecido o locatário), VI (necessidade de reparações urgentes no imóvel).

A manutenção da possibilidade de suspensão quanto às demais hipóteses há de ter decorrido do balanceamento que foi possível tentar entre o exercício do direito e o dano decorrente da sua postergação, a justificar que se mantivessem - nessa lógica - as previsões do Projeto original do senador Anastasia.

Entretanto, é exatamente diante do necessário balanceamento das vantagens e desvantagens da regra nova que cabe ponderar que seria de todo conveniente manter a possibilidade de liminar para a hipótese prevista no inciso IX do art. 58, da Lei das Locações: "- a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo".

As razões são extremamente relevantes, mas passíveis de breve síntese. Por primeiro deve ser recordado que a introdução dessa possibilidade ocorreu há 11 anos, através da lei 12.112, de 9/12/2009 que resultou de projeto aprovado à unanimidade pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, a demonstrar o acerto técnico da alteração legislativa então realizada; por segundo, foi inovação que se mostrou extremamente justa aos olhos do Poder competente: o Judiciário, que logo disseminou a utilização dessa consequência imediata do inadimplemento, certamente devido à terceira e maior razão: a sociedade prestigiou crescentemente a nova relação de confiança entre os contratantes, sem a participação de garantidores. Em suma, a supressão dessa liminar mais que abalar direito do credor locador, traria dano ao próprio sistema legal das locações urbanas.

Sim, o enorme avanço experimentado - graças à conjunção de legalidade, acolhimento pelo Judiciário e disseminação entre os interessados - serviu de laboratório, até, a quantos pensassem em legislações voltadas a outros setores da vida, pois foi restaurada a confiança, restabelecido o império da boa-fé - a guardar-se não somente na celebração, mas igualmente na execução do contrato, como querem Código Civil e os esperados costumes.

Outra não foi a conclusão popular: para que fiadores, seguros, cauções e demais constrangimentos ou custos, se bastava o apalavrar, garantido pela certeza de que o rompimento da promessa teria consequência imediata e suficiente?

Parece evidente que a liminar ora cuidada, sob o aspecto conceitual, sob o prisma da oportunidade e sob a visão da adequação e aceitação, se inseriu magnificamente na Lei de Locações, diploma que na sua integralidade vem se prestando muito bem à defesa não do locador ou do locatário, mas das locações propriamente ditas e da paridade contratual; a lei permitiu a substancial redução de ações judiciais; passou a existir - algo impensável há 30 anos - segurança em investir na construção de imóveis para locação - aí estão tantos novos prédios esteados em contratos de locação.

Pois bem e respeitados os parâmetros que a urgência impõe (a lei de emergência virá em prazo curtíssimo): essa aceitação pela Sociedade e cuja supressão apenaria os que acreditaram na lei (ao passo que aqueles incrédulos, que preferiram não confiar na lei e insistiram na obtenção de garantias do locatário, findariam confortados), esse grandioso passo com inequívoco espraiamento social, esse avanço do modo de contratar em direção à modernidade e à agilidade não podem ser enfraquecidos.

É quanto em síntese indica a necessidade de incluir-se dentre as possibilidades de concessão de liminar, a situação do inciso IX, do art. 59 da Lei das Locações, prestigiando-se a locação celebrada com base única na boa lei e na confiança de que os contratantes agirão com boa-fé. Afinal, se não preservarmos agora a boa-fé e o sistema tão bem construído, deixaremos isso para quando?

*Jaques Bushatsky é advogado, coordenador da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM.

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1 redação do PLS: "9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59 da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991 (locações de imóveis urbanos), até 31 de dezembro de 2020".