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A penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial é tema de novo julgamento pelo STF. Mas, por que não falar da justiça da decisão?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Atualizado às 09:29

No último dia 19  foi noticiado que o STF decidirá até 4 de março se a questão da penhorabilidade do único bem imóvel do fiador em contrato de locação comercial será novamente reapreciada em repercussão geral.

Aqui não se pretende abordar as teses jurídicas acerca do tema ou ainda relembrar que esta questão em 2010 já foi alvo de decisão proferida pelo pleno do mesmo órgão. Na ocasião se sedimentou os inúmeros julgados da Corte após a análise do RE 407.688/SP sob a batuta do Min. Cesar Peluzo. Pelo julgado inicial e a sua majoritária corrente, em 2010 o STF patrocinou o tema 295 norteando ainda mais a  interpretação quanto a viabilidade da penhora do bem único do fiador, por sua constitucionalidade, firmando tema sem qualquer distinção de ser sua origem derivada de locação comercial ou residencial.

Aliás, sempre vale registrar que o leading case do tema 295 junto ao RE 612.360/RS sob a relatoria da Min. Ellen Gracie, deu-se em sede de locação comercial.

Mas, repita-se,  aqui não será o palco para discussão técnica, mas, uma observação à vida real e os impactos que uma indesejada revisão irão impactar neste importante segmento econômico.

Veja-se que para viabilizar a reapreciação da matéria, foi eleito pelo Supremo Tribunal Federal, um leading case, o RE1307334 derivado de julgado realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo caso concreto de origem representa com exatidão a praxe e precisa ser resgatado.

Trata-se de uma locação comercial, na qual foram seus fiadores os seus respectivos sócios. A mesma pessoa que assinou o contrato como fiadora, assinou também como locatária, visto ser a administradora da empresa.

Isso não surpreende, visto que já se apurou em recente pesquisa do tipo "sondagem em nível Nacional"1, num universo de cerca de 20.000 mil contratos comerciais, verificou-se que dentre as de menor porte, com valor médio de R$ 3.377,00 (três mil trezentos e setenta e sete reais), 78% delas eram garantidas por fiadores e dentre essas  mais de 90% contam com os sócios na condição de garantes da relação locatícia. A constatação é simples e o lógico objetivo é minimizar os custos da jornada econômica da empresa e  maximizar o emprego dos recursos financeiros na própria atividade.

A fiança é a única modalidade gratuita prevista em lei. As demais modalidades, na seara comercial, irão impor um custo adicional médio de 1,5 a 2 aluguéis ao ano.

Pois bem, voltando ao caso concreto em discussão,  o contrato de locação fora firmado em dezembro de 2016, para ter vigência por pelo prazo de 36 meses,  que se encerraria apenas em 2019, sendo que em Fevereiro de 2018 a locatária deixou de pagar os alugueres, o que deu causa a respectiva ação de despejo por falta de pagamento.

O fato que merece destaque é que os fiadores do caso em tela, como sói acontecer em expressiva maioria de mercado, eram da mesma forma os comerciantes que vieram a inadimplir.

Na ação de despejo por falta de pagamento não apresentaram contestação, mas, no momento da execução trouxeram o tema da impenhorabilidade à tona.

Ou seja, no momento da contratação, estavam lá obtendo as vantagens de serem seus próprios garantes otimizando a locação,  mas, com a ciência do seu lastro patrimonial. No instante que não prosperaram na atividade se arvoram em não cumprir a obrigação pactuada e a lei, visto que a penhora do bem único do fiador está expressa claramente na lei inquilinária.

De outro norte, o locador que entrou "no jogo" com a certeza de que conheceria as regras definidas pelo STF em sede de repercussão geral e assentada no tema 295, agora se vê a beira de novo julgamento que revisitará a questão, podendo assim mudar o seu entendimento.

E note-se,  nem sequer o argumento retórico de que tal viabilidade de penhora usurparia o princípio da isonomia, pois ao fiador seria dado uma tratamento mais duro do que ao inquilino faz sentido nesse caso, afinal locatário e fiadores se confundem, que repisa-se é o mais corriqueiro no mercado.

Difícil explicar à qualquer um, a lógica deste raciocínio.

Tal possibilidade é um verdadeiro contrassenso ao princípio da segurança jurídica e à própria finalidade do instituto da repercussão geral, ainda mais quando se sabe que o caso que gerou tal tema também, o que se chama de leading case,  operou-se num caso de locação comercial.

Por fim, se bem sucedida a empreitada dos fiadores para afastar a penhorabilidade de seu bem, milhares de outros locatários e pretendentes à locação,  que preferem usar da fiança para garantir seus próprios negócios vez que a única modalidade gratuita, serão prejudicados. Esta modalidade certamente não mais será aceita e haverá uma corrida para se exigir a substituição por garantias onerosas em nefasto período ainda afetado pela pandemia em que muitos comerciantes lutam diuturnamente pela manutenção e equilíbrio de seus negócios.

Vale acrescentar que a perda da propriedade dos fiadores em hasta pública não atinge 0,2% de todas as execuções neste mercado. Com a segurança imposta pelo tema 295 as negociações fluem e a dívida é adimplida. Uma eventual mudança do entendimento, criando-se uma distinção da penhora de acordo com o objetivo da locação, não só criaria uma distinção (onde a lei não a prevê) como lançaria todo o mercado a impor outras garantias para a conquista da locação.

Assim, este julgamento não só abala o sistema jurídico e prejudica milhares de locatários que cumprem seus compromissos, mas afronta a "justiça do caso concreto". É preciso ter cuidado!   

*Leandro Ibagy é empresário e advogado formado em 1988 na UFSC - especializado no Direito Imobiliário, diretor jurídico da Ibagy Imóveis Ltda., ex-professor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, professor permanente da ESA - Escola Superior da Advocacia de Santa Catarina, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC e coordenador de Locação da CBCSI/CNC, Câmara Brasileira de Comércio e Serviços Imobiliários da Confederação Nacional de Comércio.

 

**Moira Regina de Toledo Bossolani é advogada, mestre em Direito Civil pela USP. É diretora executiva da vice-presidência de Administração de Imóveis e Condomínios do SECOVI-SP. Membro do Conselho Consultivo eleito da AABIC - Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo, das comissões de Locação e Condomínio do Ibradim e coordenadora adjunta da Comissão de Locação da OAB/SP.

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1 Fonte: Rede Avançada de Locações em setembro de 2020.