A proposta de reforma do Código Civil e seus impactos estruturais na realidade dos condomínios edilícios
quinta-feira, 13 de novembro de 2025
Atualizado em 12 de novembro de 2025 13:40
A proposta de reforma do CC (PL 4, de 2025), elaborada por comissão de juristas e apresentada ao Senado Federal em 2024, tem como objetivo atualizar institutos fundamentais do Direito Privado à luz das transformações sociais, tecnológicas e econômicas dos últimos vinte anos. Embora trate de diversos aspectos estruturais do Código vigente, um dos núcleos que mais despertou atenção - e controvérsia - foi o conjunto de alterações sugeridas para o regime jurídico dos condomínios edilícios.
A vivência em condomínio não se limita à administração de um bem imóvel coletivo: trata-se de uma forma particular de exercício do direito de propriedade, cuja eficiência depende de normas claras, de equilíbrio entre autonomia e regulação, e da constante adaptação aos desafios da convivência. A ausência de previsões legislativas específicas sobre temas recorrentes, como a destinação econômica das unidades, a disciplina de condutas antissociais ou a formalização da personalidade jurídica do condomínio, tem gerado insegurança jurídica e conflitos que desafiam a interpretação judicial.
Nesse cenário, as mudanças sugeridas pela proposta de reforma se propõem a preencher lacunas normativas, consolidar entendimentos jurisprudenciais e reforçar a autonomia da coletividade condominial, notadamente por meio do empoderamento da assembleia e do fortalecimento da atuação do síndico. Ao mesmo tempo, levantam debates relevantes sobre os limites da autorregulação, o risco de excessos deliberativos e a necessidade de técnica legislativa precisa e compatível com a complexidade da vida em condomínio.
O presente artigo, fruto de um grupo de trabalho formado por profissionais atuantes no Direito Imobiliário e Condominial, tem como objetivo analisar, de forma técnica e segmentada, os principais pontos da proposta legislativa que impactam diretamente os condomínios edilícios.
A seguir, serão analisados os principais eixos de impacto da proposta de reforma do CC na realidade condominial, com enfoque técnico e aplicação prática. Iniciamos pelo fundamento estrutural da personalidade jurídica, seguido das mudanças na governança interna, no uso dos espaços comuns e, por fim, na disciplina das condutas incompatíveis com a convivência.
Reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio edilício
O condomínio edilício, sob a égide do CC/02, apesar de possuir regramento específico em artigos próprios, não está incluído no rol do art. 441, que enumera as pessoas jurídicas de direito privado, conferindo-lhe, portanto, a natureza de ente despersonalizado do ponto de vista técnico.
Embora não seja reconhecido legalmente como pessoa jurídica de direito privado, na prática, os Tribunais pátrios, já reconhecem o condomínio como ente personalizado, constituindo a chamada personalidade judiciária, diante da necessidade, por exemplo, de ingressar com execuções contra condôminos inadimplentes. Da mesma forma, a jurisprudência do STJ já tem atribuído personalidade jurídica aos condomínios nas relações tributárias2.
Apesar do avanço jurisprudencial, a doutrina majoritária mantém a posição de que o condomínio edilício não detém personalidade jurídica, por atuar por representação, por meio de seu síndico ou administrador, na defesa dos interesses comuns da massa condominial. A própria inscrição no CNPJ - Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, embora obrigatória e essencial para a prática de atos administrativos - como a contratação de funcionários e a celebração de contratos, não tem o condão de conferir personalidade jurídica. Trata-se de uma formalidade de cunho fiscal e gerencial que não altera sua natureza de ente despersonalizado, embora sujeito de direitos e obrigações.
Com o objetivo de superar essas limitações, a reforma do novo CC propõe a alteração para possibilitar o reconhecimento legal dos condomínios com personalidade jurídica de Direito Privado. Mas, será que previsão trará adequação a norma à realidade prática já consolidada, e conferindo maior segurança jurídica e reduzindo os entraves da gestão cotidiana?
A proposta da reforma quanto a possibilidade de o condomínio adquirir a personalidade jurídica não visa equipará-lo a sociedade empresária. Até porque, a natureza jurídica do condomínio edilício é própria, com finalidade precípua de administrar a coisa comum e a manutenção do edifício, e não o equiparar a empresa ou a associação, pois não possuem fins lucrativos. Diante disso, sua constituição e seu registro devem permanecer atrelados ao Cartório de Registro de Imóveis, não havendo que se falar em registro na Junta Comercial, que é destinado aos entes com atividade empresarial.
A previsão da reforma do CC é dar ao condomínio poderes para praticar atos de seus interesses e melhorar a gestão condominial. Mas, essa previsibilidade é concedida como uma faculdade, pois o texto legal vem em seu texto com a expressão "pode" condicionando a deliberação dos condôminos. Neste ponto, alguns juristas fazem a crítica por acreditarem que não deveria ser uma opção aos gestores dos condomínios, mas sim, uma obrigação de se tornarem entes personalizados o que traria maior segurança jurídica e uniformidade nas relações com terceiros, evitando a coexistência de dois regimes distintos para os condomínios.
É nesse contexto que a proposta de reforma do CC traz relevante inovação ao prever, expressamente, a possibilidade de o condomínio edilício adquirir personalidade jurídica de Direito Privado, por deliberação dos condôminos. A medida visa adequar o texto legal à realidade consolidada na prática, oferecendo maior segurança jurídica à gestão condominial. Contudo, ao condicionar tal aquisição à deliberação da assembleia, a reforma mantém o caráter facultativo da personalidade jurídica, o que tem gerado críticas doutrinárias.
Parte da crítica reside no risco de dualidade normativa: coexistirem, no mesmo ordenamento, condomínios com e sem personalidade jurídica, criando insegurança para terceiros contratantes e dificuldade de uniformização das relações jurídicas. Assim, questiona-se: por que a lei apenas faculta, e não impõe, a aquisição da personalidade jurídica? A quem caberá a iniciativa? Qual quórum seria necessário para essa deliberação? E mais: a ausência de personalidade jurídica continuaria a limitar a legitimidade ativa e passiva do condomínio em determinadas ações judiciais?
Embora o texto atual da proposta reconheça a personalidade como faculdade, é inegável que a atuação cotidiana dos condomínios já reflete comportamentos típicos de entes personalizados. Tal realidade, inclusive, tem levado à crítica de que a reforma, ao manter a facultatividade, pouco inova, e ainda preserva a ambiguidade normativa que se pretendia superar. Conforme pontuado por parte da doutrina, seria mais coerente que a personalidade jurídica fosse atribuição legal obrigatória, e não uma opção a ser deliberada, justamente para evitar a perpetuação de regimes híbridos que confundem administradores, condôminos e terceiros.
De toda forma, reconhece-se que, uma vez deliberada a adoção da personalidade jurídica, os condomínios passarão a contar com instrumentos mais eficazes de atuação, como a possibilidade de adjudicar unidades em leilões em seu próprio nome e a realização de atos negociais com maior autonomia patrimonial, mitigando a responsabilidade direta dos condôminos.
Assim, embora o texto proposto represente um avanço necessário ao reconhecer uma realidade já consolidada na prática condominial, entende-se que a reforma poderia ir além ao tratar a personalidade jurídica como regra, e não como exceção, alinhando o direito à realidade cotidiana e eliminando incertezas que há anos permeiam a gestão condominial no Brasil.
Hospedagem atípica: Limites de uso das unidades autônomas
A prática da hospedagem atípica, especialmente por meio de plataformas digitais, tem se tornado cada vez mais recorrente nas relações condominiais, intensificando os conflitos sobre sua restrição ou permissão, diante da necessidade de resguardar a segurança, o sossego e a destinação originária dos condomínios edilícios. Essa modalidade de ocupação, marcada por alta rotatividade e curta permanência, diverge do modelo convencional de locação, gerando tensões entre os direitos individuais de uso da propriedade e os interesses coletivos da convivência condominial.
Diante dessa realidade, a proposta de reforma do CC traz importante inovação ao prever, de forma expressa, que a Convenção Condominial ou o Regimento Interno poderão proibir ou restringir a hospedagem atípica nas unidades autônomas. Diferentemente do regime atual - em que se admite a prática sempre que não houver proibição expressa - a nova redação inverte a lógica interpretativa: na omissão da convenção, presume-se vedada a prática. A mudança visa conferir maior segurança jurídica aos condomínios, permitindo o exercício da autorregulação diante das dificuldades geradas por esse tipo de ocupação transitória.
Importa ressaltar, no entanto, que o projeto de reforma não define, de forma objetiva, o que se compreende por hospedagem atípica. Essa lacuna conceitual pode gerar dúvidas quanto à aplicabilidade da norma e dar margem a divergências interpretativas: seria aplicável apenas às locações por aplicativos digitais? Estaria abrangida a cessão de uso temporária por vínculos contratuais distintos da locação tradicional? A ausência de clareza pode provocar litígios e insegurança justamente no campo que se pretende regulamentar.
Além disso, a proposta levanta debates relevantes quanto à função social da propriedade. Para adquirentes que compraram imóveis como investimento com base na rentabilidade decorrente da locação por temporada, a vedação poderá gerar impactos econômicos significativos. Por outro lado, a positivação da regra trará maior previsibilidade para novos compradores, que poderão considerar expressamente, no momento da aquisição, os limites legais e convencionais quanto ao uso das unidades. Nesse contexto, torna-se ainda mais relevante a prática da due diligence prévia à compra, a fim de que o adquirente avalie os riscos jurídicos e econômicos inerentes à destinação do imóvel no contexto condominial.
Assim, a regulamentação da hospedagem atípica, embora represente um avanço no ordenamento, exigirá interpretações cautelosas e adequações criteriosas das convenções condominiais, para que não haja violação à autonomia dos condôminos nem comprometimento da harmonia coletiva.
Uso exclusivo de áreas comuns: Regulação e impactos da reforma
O uso exclusivo de partes das áreas comuns por determinados condôminos é prática recorrente nos condomínios edilícios, sobretudo em unidades térreas ou de cobertura, cujos moradores frequentemente se beneficiam de porções adjacentes do espaço coletivo, sem que haja, em muitos casos, oposição por parte do condomínio. Apesar de essas áreas estarem, por definição legal (art. 1.331 do CC), vinculadas ao uso comum de todos os condôminos, a tolerância prolongada e pacífica do uso exclusivo pode gerar uma situação de aparente legitimidade, muitas vezes acompanhada de investimentos em manutenção e melhorias pelo usuário exclusivo.3
O art. 1.340 do CC4 estabelece que o condômino que se beneficia com exclusividade de parte da área comum é responsável pelos encargos decorrentes de sua conservação, dispensando os demais condôminos desse ônus. Essa previsão busca garantir a proporcionalidade dos encargos, conforme o princípio da equidade, mas não avança sobre a permissibilidade ou forma de autorização para esse tipo de uso.
A legislação civil vigente, ao tratar das áreas comuns, limita-se a classificá-las juridicamente, sem proibir ou autorizar expressamente a cessão de uso exclusivo a determinados condôminos. Essa omissão normativa tem gerado interpretações divergentes e, na prática, forçado gestores e assembleias a recorrerem a princípios como a boa-fé objetiva, a função social da propriedade e à figura da suppressio, instituto vinculado à teoria do venire contra factum proprium, que impede o exercício de um direito quando, por tempo prolongado, seu titular deixa de exercê-lo, gerando legítima expectativa de renúncia.
A proposta de reforma do CC visa suprir essa lacuna ao incluir, no §5º do art. 1.331, a possibilidade de cessão precária do uso exclusivo de pequenos espaços comuns a condôminos, desde que aprovada em assembleia especialmente convocada para esse fim, por maioria dos votos dos presentes. A cessão poderá ocorrer de forma onerosa ou gratuita, e deve respeitar os fins condominiais. Trata-se, portanto, da positivação de uma prática já amplamente aceita na jurisprudência e na experiência cotidiana, agora formalizada com critérios legais que buscam assegurar maior segurança jurídica.
A alteração proposta representa um avanço importante para a consolidação da autonomia condominial, conferindo maior previsibilidade às decisões e permitindo que situações toleradas - ou mesmo judicializadas - sejam tratadas previamente pela via da convenção ou da deliberação assemblear. No entanto, o texto da proposta deve ser redigido com cautela, sob pena de permitir distorções que afetem a isonomia entre os condôminos, gerem conflitos sobre a destinação das áreas comuns ou provoquem prejuízos patrimoniais e estéticos ao conjunto.
Assim, embora a proposta represente uma adequação normativa à realidade prática, é fundamental que as convenções condominiais e os regimentos internos prevejam critérios objetivos para essa cessão, evitando abusos e assegurando que a fruição exclusiva de partes comuns ocorra de forma transparente, proporcional e compatível com o interesse coletivo.
Assembleias condominiais: Novas regras de deliberação e participação
A proposta do novo CC visa conceder mais poderes para as assembleias condominiais, reforçando o poder das deliberações e fortalecendo a autonomia privada dos condôminos.
Nesse cenário, no que se refere às Assembleias Gerais - ordinárias ou extraordinárias, a proposta legislativa reforça o poder de autorregulação dos condomínios. Embora a soberania das decisões assembleares seja relativa, por estar subordinada à legislação, à convenção condominial e aos princípios e direitos fundamentais, a reforma confere maior autonomia à coletividade. Busca-se, com isso, assegurar que as deliberações assembleares reflitam, de forma legítima, os interesses da maioria dos condôminos.
Desde logo, destaca-se que a proposta do novo CC, em seu art. 1.3355, inciso IV, confere à convenção condominial a atribuição de estabelecer a competência das assembleias, a forma de convocação e os quóruns necessários para deliberação. Caberá, portanto, a dois terços dos condôminos deliberar sobre essas normas organizacionais, disciplinando o funcionamento interno do condomínio, inclusive quanto aos parâmetros para realização e validade das assembleias.
A proposta do novo CC inova ao tratar da participação dos inadimplentes nas assembleias condominiais. Diferente da legislação vigente, que veda expressamente a participação e o voto, o novo texto apenas mantém a vedação ao direito de votar, sem proibir a presença do condômino inadimplente. Na prática, tal omissão exige cautela da gestão condominial, sobretudo nas assembleias presenciais, a fim de evitar constrangimentos ou exclusões indevidas.
Outro ponto relevante é a ampliação do conceito de inadimplência, que passa a abranger não apenas o descumprimento de obrigações financeiras, mas também o desrespeito aos deveres de convivência previstos no art. 1.336 do CC. Dessa forma, condutas antissociais reiteradas podem, conforme previsto em convenção, ensejar a restrição à participação do condômino nas deliberações, fortalecendo a autorregulação condominial e a harmonia coletiva.
Importante ressaltar que, embora a proposta do art. 1.335, inciso III, permita a participação do condômino inadimplente nas assembleias, o art. 1.335-A6 reforça o fortalecimento da autorregulação condominial, ao prever que a convenção poderá restringir não apenas o direito de voto, mas também o de participação nas deliberações.
Assim, pela redação do projeto, o inadimplente pode participar das assembleias - ainda que impedido de votar, salvo disposição em sentido contrário na convenção condominial. Ou seja, a norma permite que os próprios condôminos estabeleçam, por meio da convenção, regras mais restritivas quanto à presença de inadimplentes nas reuniões, inclusive vedando sua participação integral.
No mais, visando evitar que um condômino detenha poder desproporcional por meio de procurações apresentadas em assembleia, a proposta também regulamenta prática já recorrente, permitindo que a convenção limite a quantidade de procurações para representação de condôminos nas deliberações assembleares7.
A proposta também busca legitimar práticas já consolidadas na realidade condominial e reconhecidas pelo Judiciário, como a limitação de procurações para representação em assembleias e a cessão onerosa ou gratuita de pequenos espaços comuns, conforme previsto no art. 1.331, §5º do projeto8.
Nesse contexto, destaca-se o reconhecimento das chamadas práticas consuetudinárias - normas de conduta oriundas da vivência cotidiana da coletividade condominial, que, embora não formalizadas legalmente, vinham sendo admitidas com base na autonomia privada e no princípio da boa-fé. Ao positivá-las, o legislador confere maior segurança jurídica, valorizando a autorregulação interna dos condomínios e reduzindo a margem de controvérsia interpretativa.
Por outro lado, o papel do síndico, seja morador ou profissional, é imprescindível para que o protagonismo dos condôminos nas assembleias - intenção manifesta do legislador - seja efetivamente concretizado. Sua atuação contribui para tornar as assembleias mais organizadas, estimulando a participação segura dos condôminos e assegurando o cumprimento das decisões tomadas pela maioria, desde que observados os quóruns legais e convencionais exigidos, e que tais deliberações ocorram de forma democrática e em conformidade com a legalidade.
Em síntese, a proposta de reforma do CC, ao tratar das assembleias condominiais, busca fortalecer a vontade da maioria, valorizando a autorregulação e a deliberação coletiva como pilares da governança interna. Tal aprimoramento normativo é benéfico não apenas para a estrutura administrativa dos condomínios, mas também para a sociedade como um todo, na medida em que estimula a participação ativa dos condôminos e o respeito às normas legais e convencionais. Ao conferir maior segurança jurídica às decisões assembleares e consolidar a democracia interna, o legislador visa otimizar a gestão condominial e, sobretudo, reduzir a judicialização de conflitos que poderiam ser solucionados no próprio âmbito comunitário.
Exclusão do condômino antissocial: Novas regras e limites jurídicos
Sob a ótica da legislação vigente, conforme o parágrafo único do artigo 1.3379 do CC, considera-se condômino antissocial aquele que, por sua conduta, compromete a convivência com os demais moradores. Como forma de sanção, poderá ser aplicada multa de até dez vezes o valor da contribuição devida às despesas condominiais
No entanto, a aplicação da referida penalidade, muitas vezes, revela-se insuficiente para resolver o problema, resultando na judicialização da controvérsia e na eventual necessidade de exclusão do condômino antissocial. Essa medida extrema encontra amparo na conjugação dos princípios do abuso de direito (art. 187 do CC10) e da função social da propriedade (art. 5º, XXIII11 da CF/88).
Com o intuito de trazer maior clareza e segurança jurídica à matéria, a proposta de reforma do CC (PL 4, de 2025) promove a inovação relevante ao inserir o § 3º ao art. 1.33712. O dispositivo prevê que, constatada a ineficácia da sanção pecuniária, poderá ser deliberada, em assembleia, a exclusão do condômino antissocial, devendo tal decisão ser submetida à apreciação judicial, mantendo o Poder Judiciário como árbitro dessa matéria. Na prática, a exclusão consistirá na proibição de acesso à unidade autônoma e as áreas comuns do condomínio, sem implicar perda do direito de propriedade, mas sim restrição ao exercício da posse direta.
Quanto ao quórum deliberativo, a proposta fixa expressamente o percentual de 2/3 dos condôminos presentes em assembleia, formalizando por meio de legislação infraconstitucional o entendimento que já vinha sendo consolidado pela jurisprudência ao longo dos anos.
Ressalte-se, ainda, que a proposta de reforma estabelece ajustes no § 2º do art. 1.336, relativos à aplicação de juros moratórios convencionados e da majoração da multa de até 10% (dez por cento) sobre o débito, em casos de não pagamento do rateio das despesas ordinárias e extraordinárias condominiais13.
No que diz respeito aos "juros moratórios convencionados ou não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código" fica uma aparente lacuna quanto ao percentual estabelecido e caso a convenção se mantenha silente, a tendência é que surjam diversos questionamentos quanto aos juros a serem aplicados, o que resultaria em mais insegurança jurídica sobre o tema.
Um outro ponto relevante a ser considerado é que, em muitas situações, o condômino antissocial também se apresenta como inadimplente contumaz. O ciclo inicia-se com a imposição de sanções pecuniárias, gera multas elevadas - que não são quitadas - e, frequentemente, culmina na inadimplência. Nesse cenário, a expulsão, embora medida drástica, pode configurar a única alternativa para romper esse ciclo, resguardando a saúde financeira do condomínio ao afastar a fonte do desequilíbrio social.
Ademais, ao regulamentar expressamente a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, a proposta de reforma do CC tende a conferir maior segurança jurídica e respaldo à atuação dos condomínios, permitindo que suas decisões se sustentem diante de condutas reiteradamente incompatíveis com a vida em comunidade.
Por fim, destaca-se a relevância de que as Convenções e os Regimentos Internos estejam adequadamente adaptados às novas disposições legais, estabelecendo critérios objetivos para a caracterização do comportamento antissocial. Isso contribuirá para mitigar litígios desnecessários e garantir que a legislação seja aplicada como ferramenta efetiva para a promoção da ordem, da convivência pacífica e da harmonia condominial.
Conclusão
A proposta de reforma do CC apresenta um conjunto de alterações que, embora pontuais no aspecto normativo, são capazes de produzir transformações estruturais profundas no regime jurídico dos condomínios edilícios. O reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio, a limitação ao uso atípico das unidades autônomas, o fortalecimento do poder deliberativo da assembleia e a regulamentação da exclusão do condômino antissocial refletem uma tentativa clara de dar maior previsibilidade, segurança e eficácia à vida em comunidade.
Ainda que se trate de uma proposta em trâmite, os debates já evidenciam a necessidade de revisão de institutos que, na prática, têm se mostrado insuficientes ou ultrapassados frente à complexidade da convivência condominial contemporânea. A reforma busca não apenas consolidar entendimentos jurisprudenciais, mas também oferecer novos instrumentos à coletividade para gerir, com autonomia e responsabilidade, as tensões inerentes ao uso compartilhado da propriedade.
Nesse sentido, o aprimoramento legislativo deve caminhar ao lado da técnica interpretativa e da atuação profissional qualificada. O desafio que se impõe à doutrina, à jurisprudência e aos operadores do Direito é o de garantir que as mudanças legislativas sirvam à pacificação das relações condominiais, promovendo equilíbrio entre a proteção da propriedade privada e a valorização do interesse coletivo, sem abrir margem para arbitrariedades nem para omissões.
Em um cenário de transformação normativa, cabe à comunidade jurídica acompanhar criticamente os desdobramentos da proposta, contribuindo para que a modernização legislativa se traduza em efetiva melhoria da convivência condominial.
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1 Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
VI - (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022)
VII - os empreendimentos de economia solidária. (Redação dada pela Lei nº 15.068, de 2024)
2 TRIBUTÁRIO. CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS. PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINSDE ADESÃO À PROGRAMA DE PARCELAMENTO. REFIS . POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se condomínio edilício éconsiderado pessoa jurídica para fins de adesão ao REFIS. 2 . Consoante o art. 11 da Instrução Normativa RFB 568/2005, oscondomínios estão obrigados a inscrever-se no CNPJ. A seu turno, aInstrução Normativa RFB 971, de 13 de novembro de 2009, prevê, emseu art. 3º, § 4º, III, que os condomínios são considerados empresas- para fins de cumprimento de obrigações previdenciárias . 3. Se os condomínios são considerados pessoas jurídicas para finstributários, não há como negar-lhes o direito de aderir ao programade parcelamento instituído pela Receita Federal. 4. Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao condomínio a formade pessoa jurídica, a jurisprudência do STJ tem-lhe imputadoreferida personalidade jurídica, para fins tributários . Essaconclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito Público: REsp411832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em18/10/2005, DJ 19/12/2005; REsp 1064455/SP, Rel. Ministro CastroMeira, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 11/09/2008 .Recurso especial improvido.
(STJ - REsp: 1256912 AL 2011/0122978-6, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/02/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/02/2012)
3 Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
4 Art. 1.340. As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.
5 Art. 1.335-A. A convenção poderá limitar o direito de participação e de voto nas assembleias de condôminos que: I - estiverem inadimplentes para com o dever de contribuir para as despesas, ordinárias ou extraordinárias, do condomínio ou de rateio extraordinário aprovado em assembleia, qualquer que seja a sua finalidade; II - estiverem inadimplentes quanto aos valores do reembolso de reparos ou de indenizações a que eles próprios tenham sido condenados a pagar; III - tiverem sido apenados na forma do art. 1.337 deste Código; IV - descumprirem quaisquer dos deveres elencados no art. 1.336 deste Código.
6 Art. 1.335-A. A convenção poderá limitar o direito de participação e de voto nas assembleias de condôminos que: I - estiverem inadimplentes para com o dever de contribuir para as despesas, ordinárias ou extraordinárias, do condomínio ou de rateio extraordinário aprovado em assembleia, qualquer que seja a sua finalidade; II - estiverem inadimplentes quanto aos valores do reembolso de reparos ou de indenizações a que eles próprios tenham sido condenados a pagar; III - tiverem sido apenados na forma do art. 1.337 deste Código; IV - descumprirem quaisquer dos deveres elencados no art. 1.336 deste Código.
7 Art. 1335-A, Parágrafo único. A convenção poderá, também, limitar a possibilidade de representação convencional dos condôminos nas assembleias.
8 Art. 1.331, § 5º No caso do § 4º, a assembleia, especialmente convocada para tanto, pode ceder, por maioria dos votos dos condôminos, a um ou mais condôminos, em caráter precário, oneroso ou gratuito, o exercício exclusivo de posse sobre pequenos espaços comuns.
9 Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.
10 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
11 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
12 § 3º Verificando-se que a sanção pecuniária se mostrou ineficaz, ulterior assembleia poderá deliberar, por 2/3 dos condôminos presentes, pela exclusão do condômino antissocial, a ser efetivada mediante decisão judicial, que proíba o seu acesso à unidade autônoma e às dependências do condomínio.
13 § 2º O condômino que não pagar os valores do rateio ordinário ou extraordinário de despesas, ou aquele que não fizer o reembolso de valores a que foi condenado a pagar ao condomínio, a qualquer título, ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código, bem como à multa de até dez por cento sobre o débito, sendo vedada a estipulação de cláusula de desconto em razão da antecipação de pagamento.
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CÓCOLO, Victoria. Repercute expulsão de condôminos; direito à propriedade não é absoluto, dizem advogados. Consultor Jurídico (ConJur), [S.l.], 6 mar. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 01 out. 2025.
COMISSÃO DE JURISTAS PARA A REFORMA DO CÓDIGO CIVIL (2023-2024). Anteprojeto de Reforma do Código Civil Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2024.
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USP. Professor repercute proposta do novo Código Civil, que prevê a expulsão de morador antissocial. Jornal da USP, São Paulo, 28 set. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 7 out. 2025.
MACEDO, Fausto. A reforma do Código Civil e o Direito das Coisas. Estadão, São Paulo, 15 abr. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 7 out. 2025.
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