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Reuniões e assembleias de sócios: posso levar alguém comigo?

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Atualizado às 07:36

É sempre melhor quando as coisas começam de forma clara: evitam-se os enganos e, com eles, as frustrações, raivas e mágoas. E o esclarecimento inicial necessário é: este não é um texto acadêmico. Não em sentido estrito. Não tem a estrutura, nem o viés, nem a forma e a estilística dos textos acadêmicos. Dispensa sua pompa e, mesmo, a profundidade com que teóricos tratam de questões científicas. Este é um texto para a comunidade mercantil, vale dizer, um texto que serve a empresários, investidores, auxiliares comerciais e profissionais diversos, designadamente advogados, contadores, administradores de empresa. Embora não seja acadêmico, não é desimportante. É útil e se esforça por tornar compreensíveis algumas questões que giram em torno aos concílios societários. É um ensaio ou, preferindo-se, uma prosa técnico-mercantil.

Aliás, o melhor Direito é dialogado, não é brigado. Embora haja por aí bacharéis que se entregam a teses de discordância - sempre de olho em demandas ou, pretendendo-se juristas, arrumar um lugarzinho na indústria dos pareceres -, o Direito não serve à briga, mas busca a funcionalidade das relações: seu fim é a harmonia social e, justo por isso, define normas: são balizas de comportamento e parâmetros para a convivência. Claro que são possíveis posições diversas, seja de lege lata (e, por aí, caminharemos nos campos minados da política que, no Brasil, é mais interesseira e casuística do que técnica, mesmo em face de assuntos técnicos - ah! pobre de nós!), seja de lege ferenda, ou seja, nos sítios da interpretação, reino da hermenêutica. E posições diversas podem ser controversas, quiçá diametralmente opostas. Esse parágrafo de inauguração - quase uma pedalada sobre a bola, sem lhe dar sentido ou direção alguma: não mais que uma firula de estilo - dá sustentação à resposta formulada para um sócio de uma pessoa jurídica:

- Posso levar alguém comigo à assembleia de sócios?

Será preciso dar tratos à bola - mantendo o mote futebolístico já principiado - antes de responder. Falamos em sócio e, nesta, vamos acertar vários coelhos com uma cajadada só (se é que há cajado tão grande): sociedades de natureza simples e empresária (artigo 982 do Código Civil); sociedades contratuais1 (cujo ato constitutivo é um contrato social, regidas pelo Código Civil) e sociedades estatutárias (cujo ato constitutivo é um estatuto social, regidas pela Lei 6.404/76, se por ações, ou pela Lei 5764/71, se cooperativas), não importando o tipo societário adotado. E, para todos esses casos, será preciso ajeitar a jogada; como este ensaio se constrói a partir de uma conversa com um interessado (um empresário? um sócio? minoritário ou controlador? o administrador societário? o contador?), melhor será devolver a pergunta:

- Alguém? Quem?

- Sei lá! Meu advogado, por exemplo. Posso levar? Mesmo se o ato constitutivo disser que não?

Sim. O direito de se fazer acompanhar de advogado tem raízes constitucionais e floração legal. No plano constitucional, compreende-se como um acessório das garantias de cidadania, de dignidade, de defesa de seus direitos, de propriedade, dentre outros (artigos 1º, II e III, 5º, e 133), ainda que por uma interpretação não-literal: estariam esvaziadas as faculdades constitucionais se a pessoa (natural ou jurídica) não pudesse se assessorar de profissional hábil a lhe explicar seus direitos e deveres, explicando seu conteúdo e orientando-a no seu exercício, mesmo nos casos em que tal vedação adviesse de uma manifestação de sua própria vontade (estamos, afinal, falando de uma cláusula em um contrato ao qual todos os signatários anuíram em pleno gozo de suas aptidões mentais). Essa interpretação é abalizada pela Lei 8.906/94, em seu artigo 7º, VI, d: É direito do advogado "ingressar livremente [...] em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais". Não pode o ato constitutivo, seja o contrato social, seja o estatuto social, privar o sócio de uma assessoria jurídica. Basta recordar que essa assessoria é essencial mesmo em ambientes de maior gravidade e ainda quando haja previsão legal de sigilo e limitação de presença.

- Só um advogado ou mais de um?

Não há regra para isso e, então, será a razoabilidade que o decidirá. Essencialmente, é preciso garantir a assessoria jurídica adequada à pessoa e, sim, isso pode se realizar com um ou dois advogados. Um ou dois - mesmo que um advogado e o seu estagiário - é, em si, razoável. Mais do que isso, demanda atenção ao caso concreto: número de sócios (quotistas ou acionistas), complexidade das questões a serem tratadas ou, mesmo, da situação verificada. Obviamente, o grande desafio é: é assustadoramente comum que as pessoas não sejam razoáveis. E aí? Se não há acordo, há um litígio: uma disputa. E, daí, os caminhos são a conciliação, a mediação ou o processo arbitral (se há cláusula compromissória no ato constitutivo ou pacto parassocial) ou judiciário. Em suma, estabelecida a rinha, a empresa perde e, enfim, todos perdem. É temerário, é lamentável; mas, infelizmente, é comum. Não é caminho de bom destino, mas pode ser palmilhado.

Nem se diga que o melhor seria quantificar o razoável, ou seja, definir um número. Se um número de advogados por sócio é definido, já não há falar em razoabilidade, senão em limitação2 pré-definida em contrato. De cara, adiantamos: não há lei que o faça. Mas o ato constitutivo - contrato ou estatuto social - pode fazê-lo, desde que não proíba a assessoria do advogado; um, dois, três. E será válido e eficaz... desde que seja razoável, considerado o caso concreto.

- Como assim?

O Direito não é a Física, nem qualquer outra ciência exata. Cuida-se de uma ciência humana ou, como se tornou mais contemporâneo, uma ciência social aplicada. Serve a um fim que, segundo Ulpiano, seria dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Não é coisa de caixa registradora, calculadora e computador. É coisa de gente - e nisso há muito e, aliás, há muita beleza. Dá até para fazer citação: o Direito é coisa de gente (Mamede, Arake: 2023). A Constituição da República, os Princípios Jurídicos, as leis... um organismo de preceitos e parâmetros que se amolda para procurar a melhor solução para cada caso. Por exemplo: o ato constitutivo falando em apenas um advogado por sócio na assembleia e a situação revelando que são muitas matérias, muitas disciplinas, muitas especialidades, os controladores previamente preparados por seus múltiplos especialistas (para todas as áreas envolvidas), o(s) outro (demais) sócio(s) tendo que encontrar um profissional enciclopédico que saiba de tudo, em contornos não razoáveis, ou seja, em moldes que desrespeitem as garantias e os princípios jurídicos societários. Lascou-se: litígio; aquele caminho de mal destino do qual já falamos.

Mas há quem goste, não duvide. Há quem se apraze em caminhar pelos vales das sombras. A gente aprende isso na vida, não sem um incômodo, para alguns, não sem alguma fascinação, para outros (e deles queremos distância). "The more I learn about people, the more I like my dog" - dizem que disse Mark Twain: quanto mais aprendo sobre as pessoas, mais eu gosto do meu cachorro. Estudiosos e trabalhadores do Direito Societário, contudo, não podem optar pelos cachorros; restam-lhes as pessoas. Inexorável e inevitavelmente.

Detalhe: muitas corporações tomam o cuidado de regular a assessoria jurídica e o fazem de forma lícita e razoável. O exemplo de norma mais comum é aquele que exige que a procuração para o advogado seja entregue, na sede da sociedade, com certo período (tem que ser razoável) de antecedência. Até 24 ou 48 horas antes da reunião/assembleia é o usual. O parâmetro é o seguinte: é possível disciplinar, mas sempre de forma razoável, que não atende contra a faculdade societária nem dificulte o seu exercício regular. Se não há regulamentação do direito à presença do advogado, aplica-se a regra genérica: basta chegar com o profissional, havendo ele de apresentar procuração com poderes suficientes para participar do evento.

- E aí? As dúvidas acabaram?

- Não! Posso levar um contador ou auditor?

Já estamos avançando nos sítios da razoabilidade. E a resposta é simples: você pode levar especialistas em temas que não domine e que estejam na pauta. Noutras palavras, se o que está em jogo são contas, escriturações contábeis e afins, a presença de um especialista que o ajude a compreender o que está sendo apresentado e, assim, permitir ao sócio formar sua convicção e exercer seus direitos corporativos. Basta lembrar que o Código Civil permite a anulação do ato jurídico por erro ou por dolo (artigos 138 a 150) e, no caso, está se impedindo à pessoa compreender o que se passa para, então, decidir. Assim, não é correto proibir o sócio de ter acompanhamento técnico necessário para a deliberação. Nem haveria invocar liberdade contratual para prever o contrato (no ato constitutivo, em acordo de sócios ou regulamento de reuniões/assembleias): a previsão simplesmente atentaria contra o efetivo exercício da faculdade societária.

Como facilmente se extrai dos argumentos acima expendidos, a mesma base jurídica sustenta a possibilidade de se levar qualquer outro especialista, em conformidade com o que se vá debater e decidir. Geólogos, engenheiros de Minas, engenheiros ambientais, biólogos; havendo matéria que demande conhecimento técnico que o sócio não tem, é seu direito fazer-se assessorar para, então, compreender adequadamente o que está posto, quais são as alternativas, formar sua convicção e manifestar seu voto consciente.

- E posso levar minha namorada ou pai ou mãe ou marido ou amigo?

Se não estão lá como especialistas técnicos necessários (a namorada é advogada; papai é contador e vão discutir as contas; mamãe é engenheira de Minas e vão deliberar sobre uma nova lavra de musgravita), a resposta é não. Reuniões e assembleias de sócios não são festas, nem eventos públicos. Não são como reuniões de condomínio edilício das quais participam não apenas os proprietários e/ou locatários das unidades habitacionais, mas qualquer morados e, não-raro, mesmo animais de estimação. São eventos privados de interesse restrito, limitando-se aos sócios e, conforme o caso, ao administrador societário não-sócio (e é lícito reunir-se sem a presença dele, vale dizer, é lícito impedir que o administrador não-sócio participe) e convidados pela coletividade social: contador, pareceristas, técnicos, gerentes, especialistas. A esses somam-se, se necessário, assessores das partes, como visto: advogados, contadores etc.

- E meu animal de estimação? Não me sinto bem sem ele? Posso levar?

Fora das hipóteses legais em que a presença do animal é obrigatória (e.g. cão guia - Lei nº 11.126/05), apenas em caso de autorização dos demais, uma vez que não há justificativa técnica para tanto. O mais interessante de tudo o que falamos, no entanto, é que a maioria das sociedades corre o risco de simplesmente não cuidar de nada disso em normas prévias; prefere cuidar do assunto quando o problema aparece. E, quando o problema aparece, ele já é um desafio. Isso não é sábio. Em Estruturação Jurídica de Empresas (Gladston e Eduarda Cotta Mamede, Editora Atlas, 2024) a questão é trata de outra forma: advogados que atuam na assessoria jurídica a empresas deveriam ter esse produto para oferecer a seus clientes: regimentos internos ou regulamentos de reuniões ou assembleias de sócios, cuidando antecipadamente desses e de outros aspectos sensíveis, deixando claras as regras aplicáveis e evitando conflitos: funciona assim e assado.

Em fato, a melhor regulamentação de uma sociedade empresária não é a mais genérica, a que estabeleça menos regras: isso implica aceitar o parâmetro legal e, na ausência dele, que a lacuna seja resolvida pelo Judiciário ou por arbitragem. O melhor advogado chama atenção para conflitos possíveis e oferecem alternativas jurídicas, vale dizer, oferece a possiblidade de autorregulamentação. E é possível estabelecer regras as mais diversas para a reunião ou assembleia de sócios, atendendo aos interesses dos sócios. Há regulamentos que vedam reuniões em sábados, que regram horários, que disciplinam requisitos (envio de documentação prévia, como exemplo), entre outros aspectos. Também isso é estruturação jurídica de empresas. E boas empresas são aquelas que têm boa estruturação.

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1 Chamando atenção para o fato de que a expressão sociedade contratual , embora de uso corrente, demanda uma evolução jurídica. Afinal, desde que o ordenamento jurídico brasileiro acatou a possibilidade de se criar sociedades unipessoais, criou-se um desafio. Alguns falam, nesses casos, em contrato consigo mesmo; talvez fosse melhor falar em declaração unilateral de sociedade, pois é o que ocorre: o único sócio declara as cláusulas para a sociedade, por meio do registro público.

2 Mas que também não vemos problemas em que seja rediscutida diante do caso concreto. Vale dizer, os sócios tinham um contexto, um cenário, em mente ao pré-definirem numericamente o quantitativo máximo de assessores que cada um poderia tê-los acompanhando em um conclave. Se acaso esse contexto se modificar, o sócio interessado poderia pedir a revisão dessa cláusula (rebus sic stantibus). A limitação, por exemplo, poderia advir de uma questão física: não haveria assentos para todos os sócios e seus assessores nas dependências da sociedade. Entretanto, havendo a possibilidade de realização de assembleia de sócios virtual, ou seja, por videoconferência, essa limitação, por razões meramente físicas, já não faria mais tanto sentido.