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Dever de revelação do árbitro: lições do "caso Abengoa"

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Atualizado às 09:28

STJ: SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº 9.412 - US

EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CREDOR/DEVEDOR ENTRE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA DO ÁRBITRO PRESIDENTE E O GRUPO ECONÔMICO INTEGRADO POR UMA DAS PARTES. HIPÓTESE OBJETIVA PASSÍVEL DE COMPROMETER A ISENÇÃO DO ÁRBITRO. RELAÇÃO DE NEGÓCIOS, SEJA ANTERIOR, FUTURA OU EM CURSO, DIRETA OU INDIRETA, ENTRE ÁRBITRO E UMA DAS PARTES. DEVER DE REVELAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. QUEBRA DA CONFIANÇA FIDUCIAL. SUSPEIÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PREVISÃO DA APLICAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO. JULGAMENTO FORA DOS LIMITES DA CONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

É muito provável que essa decisão do STJ tenha se tornado um dos mais conhecido precedentes em termos de arbitragem, não só pela autoridade de seus argumentos, mas também por envolver cifras milionárias e nomes muito conhecidos no meio acadêmico.

Em breve resumo, o fato é que o STJ deixou de homologar duas decisões arbitrais estrangeiras, proferida nos Estados Unidos, por entender que, embora não lhe caiba a análise do mérito desse tipo de decisão, o exame da compatibilidade dessas decisões com a ordem jurídica nacional é sua missão constitucional.

Nessa perspectiva, o STJ entendeu que seria "matéria de ordem pública" a ausência de isenção de um dos árbitros (o presidente do painel) por quebra do dever de revelar que ele, através de seu escritório, possuía relações comerciais com grupo econômico integrado por uma das partes da arbitragem.

Não se trata, aqui, de aplicação de disposições do CPC a respeito de suspeição ou impedimento do árbitro, mas sim de observar uma diretriz muito mais ampla, que é peculiar à esfera da arbitragem, segundo a qual o árbitro tem o dever de revelar "qualquer fato" que possa influir, razoavelmente, em seu convencimento.

E se o árbitro oculta esse tipo de informação, mesmo em relação a fato que ocorreu após o início da arbitragem, esse seu comportamento1 robustece a suspeita de ausência de imparcialidade e, na linha do "caso Abengoa", pode levar à desconstituição da decisão arbitral perante o Poder Judiciário ou, se se tratar de decisão estrangeira, à negativa de homologação perante o STJ.

Daí por que, ao aceitar atuar como árbitro, o indicado deve revelar toda informação que tiver, como, por exemplo, se já atuou como advogado de qualquer das partes ou se é credor ou devedor, pessoalmente ou através de pessoas jurídicas, de qualquer uma delas, dentre outras tantas hipóteses. Até mesmo opiniões externadas em artigos ou livros, que digam respeito ao tema que será colocado em discussão na arbitragem, é recomendável que o árbitro revele. Aliás, na dúvida sobre ser necessário revelar ou não, é melhor que o indicado revele tudo, justamente para não colocar em risco a decisão arbitral que será proferida.

É importante destacar que essa necessidade de isenção (absoluta) do árbitro não tem relação com sua aptidão técnica para atuar na arbitragem. Esse aspecto somente ensejaria algum controle judicial se a falha na condução da arbitragem violasse fortemente alguma garantia constitucional, como a do contraditório, e causasse efetivo prejuízo a qualquer das partes que viesse a se derrotada (errore in procedendo).

Por último, vale ressaltar que a decisão do STJ ora em análise não aceitou homologar a decisão estrangeira também porque a condenação extrapolava o que havia sido submetido à arbitragem através da convenção assinada entre as partes.

Dessa forma, não seria exagero afirmar que os parâmetros fixados pelo STJ no conhecido "caso Abengoa" sempre estarão presentes em qualquer discussão sobre o dever de revelação dos árbitros que vier a ocorrer no meio acadêmico nacional.

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1 Conforme já tive oportunidade de abordar na obra Fundamentos da prova civil (Revista dos Tribunais, 2017), o comportamento das partes é meio atípico de prova e pode influir decisivamente na decisão final de um processo judicial ou, vale acrescentar, na análise da imparcialidade dos árbitros.