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Previdencialhas

Artigos de direito previdenciário.

Fábio Zambitte Ibrahim
segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O relatório final da CPI da Previdência e a reforma

Como divulgado pelo Senado Federal, a CPI da Previdência produziu seu relatório final1. Após meses de debates e pesquisas, com o confronto de números oficiais e opiniões de diversos especialistas, concluiu-se que o modelo protetivo brasileiro é superavitário. Na visão da CPI, o discurso governamental do déficit é repleto de erros contábeis e conceituais. Em apertada síntese, o relatório produz diversas páginas discorrendo sobre a dilapidação do patrimônio pretérito da previdência social, ausência de recolhimentos devidos pela União, sonegação, dívidas bilionárias inadimplidas, contabilização equivocada de receitas e despesas, indevida desvinculação das receitas da União - DRU, além das diversas renúncias fiscais existentes na legislação brasileira. O seguinte parágrafo é emblemático: "Com todo esse complexo cenário, falar simplesmente de déficit da Previdência, a partir do comportamento das receitas e despesas atuais da seguridade social como um todo, é mitigar a realidade. Ao desconsiderar as práticas do Estado, que durante todo o período de existência da previdência retirou recursos, esvaziou suas receitas, protegeu inadimplentes e ainda financiou projetos de construção e mesmo, mais recentemente, políticas rentistas de pagamento de juros, o debate meramente atuarial sobre déficit ou superávit da previdência perde essência e conteúdo, e a discussão sobre o tema deve se constituir em outros parâmetros, como procuraremos demonstrar neste relatório". (pp. 41 e 42) A crítica é dura e, em grande medida, verdadeira. É indiscutível que o governo Federal, desde a criação dos institutos de aposentadorias e pensões, a partir de 1930, vem sistematicamente aviltando o patrimônio do sistema previdenciário, com investimentos variados, alguns até relevantes, mas sem compromisso com a cobertura de segurados e dependentes. Igualmente acertada a crítica quanto às contraditórias sinalizações governamentais, até os dias de hoje, bradando a necessidade de reforma e, ao mesmo tempo, ampliando renúncias fiscais e benesses variadas a determinados setores. Não reproduzo os valores - detalhadamente retratados no Relatório Final - mas as quantias são indiscutivelmente vultosas e, se realizadas, seriam fonte de equilíbrio do sistema previdenciário durante muitos anos. Essa questão está fora de dúvida. Todavia, concluir, com isso, pela desnecessidade de qualquer reforma previdenciária, em minha opinião, é grave equívoco. O desvio de receitas do sistema previdenciário é apontado desde longa data, retratando o descaso estatal com o equilíbrio financeiro de nosso modelo protetivo. O mesmo vale para as omissões estatais quanto a suas contribuições irrealizadas. No entanto, como solucionar isso? Tais percepções, hoje, possuem, no máximo, interesse histórico e mesmo pedagógico, impondo aos gestores públicos maior responsabilidade na gestão previdenciária. Nada mais. Temos de perceber que qualquer encargo do Estado é, na verdade, ônus da sociedade, pois no Estado de Direito contemporâneo a principal fonte de receita é oriunda dos tributos. Não por outro motivo a Constituição de 1988, didaticamente, afirma que a seguridade social é financiada pela sociedade, de forma direta ou indireta (art. 195, caput). Da mesma forma, muitas renúncias fiscais decorrem de opções da Assembleia Nacional Constituinte, dificilmente modificáveis na atualidade. O mesmo se diga sobre o passivo bilionário de empresas falidas; créditos previdenciários de papel que nunca serão realizados. Não se ignora que o Relatório Final traz alguma luz à discussão, opinando sobre questões que podem, sem sombra de dúvida, passar por revisão legislativa e respectivo incremento de receita. O combate à DRU, desonerações da folha e privilégios de determinados segmentos econômicos são corretamente apresentados e desenvolvidos. Tais correções seguramente propiciariam melhoras no equilíbrio financeiro do sistema, potencialmente tornando-o superavitário, mas, ainda assim, desprovido do equilíbrio atuarial desejado pela CF/88. Como tenho dito nos últimos anos, o sistema brasileiro é desprovido de equilíbrio atuarial, o qual somente foi efetivamente quantificado, em parâmetros adequados, por ocasião da edição da extinta Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, em 1960. Desde então, a discussão limita-se a parâmetros financeiros, exclusivamente. A situação demográfica brasileira é preocupante, pois conjuga acelerado envelhecimento com retração de natalidade severa - receita para o desastre em modelos de repartição. Ademais, vivemos hoje o chamado "bônus demográfico", no qual a maior parte da população é composta por jovens e adultos, que são as pessoas que financiam o sistema e, em regra, não o utilizam. Em tal contexto, o apontado superávit financeiro deveria ser muito maior. Essa realidade será alterada em poucos decênios, impondo carga tributária cada vez maior sobre a geração ativa. A necessidade de revisão do modelo é imperativa. Por outro lado, acerta novamente o Relatório Final ao afirmar que a reforma proposta possui finalidade estritamente econômica, descurando de seu objetivo final, que é a proteção da clientela coberta. Nesse sentido, faço referência ao seguinte parágrafo: "Em várias exposições e falas, reverberadas em diversos documentos, é possível inferir de forma categórica que a grande vontade por parte da União em frequentemente promover reformas no sistema previdenciário brasileiro, vai além do cuidado com as gerações futuras, mas muito mais em garantir margens cada vez maiores de recursos financeiros para a sua gestão, com destinação distinta a que a contribuição está vinculada. Tal linha de raciocínio é muito singela: o governo federal tem interesse nos recursos da seguridade social, pois são recursos que constitucionalmente a União não é obrigada a repartir com os outros Entes da Federação (p. 139)". A crítica, novamente, é verdadeira. Nota-se, pelo próprio discurso governamental, que a reforma atua quase que exclusivamente voltada a objetivos macroeconômicos, sem observar a realidade da clientela protegida. A proposta vigente possui vários exemplos nesse sentido, como o aumento desproporcional do tempo mínimo de contribuição para fins de aposentadoria, o que inviabilizaria a prestação para boa parte da clientela protegida. Essa forma de "utilitarismo previdenciário" não pode ser tolerada. A previdência social é um dos instrumentos mais relevantes na garantia da existência digna. Ignorar tal aspecto implica incorrer em retrocesso inadmissível, tendo em vista a exaltação da dignidade humana como fundamento do Estado brasileiro. Independente da ideologia de cada um, todos desejam que o Estado seja capaz de fazer mais com menos, mas isso deve ser alcançado em estrita observância aos direitos fundamentais. Não se trata de adotar discursos panfletários e descompromissados com a realidade. Muito menos combater a economia de mercado, mas, simplesmente, a percepção de que ambos os objetivos devem ser conjugados: a busca perene do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário e, também, a manutenção da vida digna. Formado tal consenso, quem sabe, seremos capazes de construir um modelo previdenciário equilibrado e justo. __________ 1 CPI da Previdência.
De acordo com o art. 24, XII da Constituição de 1988, compete à União, Estados e DF legislar concorrentemente sobre previdência social. Municípios, por sua vez, têm a prerrogativa de instituir regimes próprios com base nos arts. 30, I e 40 da Constituição. Sendo a matéria de competência concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais, preservando a autonomia dos demais entes federados (art. 24, § 1º, CF/88). Sobre tais questões, não há dúvida. A controvérsia é quanto ao grau, isto é, em que medida pode a União impor determinadas condutas e limites na organização e criação de regimes próprios de previdência para servidores públicos estaduais e municipais. Este é o objeto de análise do RE 1.007.271, de relatoria do ministro Edson Fachin, cuja repercussão geral foi recentemente reconhecida. O federalismo brasileiro, como se sabe, é dotado de características próprias, oriundo de um país unitário, o qual, artificialmente, criou e atribuiu competências e prerrogativas a entes até então completamente subordinados ao poder central. Outros países formaram uma federação centrípeta, o que implica dizer que eram províncias soberanas ou de elevada autonomia que, após consenso, renunciaram à parte de suas prerrogativas e competências em prol de um poder central. No caso brasileiro, há uma tendência de maior concentração de poder no governo Federal. Já no segundo, as províncias tendem a preservar maior parcela de competência. Aqui, ainda há o impacto do Welfare State, o qual, devido às elevadas atribuições na área protetiva, traz maior controle central, como forma de melhor distribuir esforços e uniformizar a cobertura da população. A federação brasileira, então, acaba por transmitir muitos poderes à União, tanto pela sua formação histórica como pelos objetivos abrangentes da Constituição de 1988. Sem embargo, a tensão entre a autonomia local e a unidade nacional não poderá ser resolvida pela preponderância quase absoluta da segunda. É certo que maior ingerência federal nos RPPS é justificável, em parte, pela ascendência do interesse nacional na matéria, pois não há razão para parâmetros diferentes na concessão de aposentadorias, por exemplo. Todavia, limites são necessários. Estados e municípios não são meras descentralizações administrativas, autarquias territoriais, na expressão de Renato Alessi, mas pessoas jurídicas dotadas de autonomia, nos termos da organização fixada pela Constituição. As ideias tradicionais sobre a organização estatal, no sentido da limitada atuação dos entes federados, devem ser reavaliadas dentro do novo regramento constitucional. A Constituição de 1988 é extremamente dirigente em matéria previdenciária - incluindo os RPPS - e, aliada a uma forte regulamentação federal, pouco sobraria para os demais membros da federação brasileira. Se foi intenção do Poder Constituinte preservar e mesmo incentivar os regimes próprios de previdência, não faria sentido lógico ou jurídico impor restrições absolutas aos mesmos. Do contrário, seria melhor adotar, de uma vez, a unificação previdenciária no Brasil. A regulamentação vigente deve ser interpretada em conformidade com a Constituição, o que impõe, de um lado, a redução teleológica de alguns dispositivos, como o art. 15 da lei 10.887/04, que somente poderia estabelecer determinado critério de correção à União e, por outro lado, a inconstitucionalidade de outros dispositivos, com o art. 5º da lei 9.717/98, o qual veda aos RPPS concessão de novos benefícios, mesmo com fundamento atuarial consistente. Outros temas, como a emissão de certificados de regularização previdenciária, especialmente quando atuam como impeditivos a transferências federais voluntárias, podem impactar de forma severa na gestão local, estabelecendo um estrangulamento na autonomia local, com insatisfação da clientela protegida e comprometimento do pacto federativo estabelecido pela Constituição de 1988. A atuação federal, em suma, deve primar pela autocontenção e, nas hipóteses de dúvida, priorizar as autonomias locais.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Intervenção no POSTALIS

Como se observa nos noticiários, uma das principais entidades fechadas de previdência complementar do Brasil, o Postalis Instituto de Previdência Complementar, sofreu intervenção pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC. A referida entidade administra planos de previdência complementar voltados a empregados dos Correios. A decisão, sem fundamento explícito nas portarias da PREVIC, nos permite inferir falhas na gestão dos recursos garantidores dos respectivos planos de benefício. A questão não é propriamente novidade, tendo em vista a coleção de escândalos envolvendo investimentos dos fundos de pensão das estatais. Em tal situação é possível, mesmo sem maiores elementos, antecipar a realidade vindoura: imposição de contribuições extraordinárias, revisão dos requisitos de elegibilidade dos planos e, ainda, responsabilização de dirigentes. No final, o prejuízo nas expectativas de direito dos empregados dos Correios é praticamente certo. Em tese, havendo desequilíbrio atuarial em planos de benefícios, as soluções, inexoravelmente, perpassam pela revisão dos planos de benefícios, pois qualquer estratégia adotará uma combinação de incremento de receita, diminuição de benefícios (ainda que indiretamente pelas contribuições) e majoração dos requisitos de elegibilidade das prestações. Nesse contexto, pouco pode ser questionado, pois se demonstrada a necessidade atuarial, a solução será intramuros, cabendo aos interessados - participantes e assistidos - a adoção das medidas necessárias, sob pena de extinção da cobertura protetiva. À semelhança de um condomínio, não há responsabilidade do restante da sociedade por escolhas equivocadas e má gestão de um fundo de pensão. Sem embargo, nem sempre as coisas são tão simples na previdência complementar brasileira, especialmente frente a entidades previdenciárias de empresas estatais. Aqui, os desenlaces já conhecidos da política brasileira dos últimos anos nos mostram, com triste crueza, a ingerência ilegal na gestão de tais entidades, impondo escolhas sabidamente prejudiciais aos participantes, com objetivos nem um pouco republicanos. Em boa parte, a responsabilidade por tal situação é da própria legislação, pois a LC 108/2001 estabelece que o patrocinador estatal será o responsável pela gestão da entidade, tendo em vista sua prevalência no conselho deliberativo (art. 10). Muito embora o desnível tente ser compensado pela primazia dos participantes no conselho fiscal (art. 15), tal construção mostrou-se insuficiente. Afinal, o conselho deliberativo é o órgão máximo da entidade, "responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios", além de direcionar a atuação da diretoria executiva (arts. 10 e 19). Nesse contexto de quase absoluta primazia do Estado, o dever fiduciário do patrocinador é ainda maior. É certo que, nas hipóteses de desequilíbrio atuarial ordinárias, as responsabilidades são conjugadas, não somente por mandamento constitucional, mas por expressa previsão legal (art. 202, CF/88 e art. 21, LC 109/01). Todavia, na hipótese de desequilíbrio decorrente de fraudes variadas na gestão dos recursos garantidores, o mesmo art. 21 da LC 109/01 prevê a necessidade de "ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar". No caso concreto das entidades de previdência complementar patrocinadas pelo governo Federal, demonstrada a má gestão e o direcionamento fraudulento de investimentos, há embasamento legal para a indenização estatal superior aos parâmetros regulares de recomposição de reservas, especialmente quando comprovada a impossibilidade de participantes de rever estratégias ilegais e equivocadas. Indenização e contribuição extraordinária são conceitos diversos. A paridade vale somente para a última. Ainda no contexto particular dos fundos de pensão das estatais, nos cabe indagar por que a PREVIC levou tanto tempo para agir. Não é novidade mesmo para o público leigo que o POSTALIS adotou políticas de investimento questionáveis, incluindo títulos públicos de duvidosa qualidade da República Bolivariana da Venezuela, como amplamente noticiado. Além da uma organização normativa deficiente, a fiscalização estatal foi, no mínimo, incompetente. Não é razoável ou mesmo justo que participantes e assistidos sofram as consequências dos desmandos e omissões estatais em proporção maior que o restante da população. A própria percepção de culpa aquiliana, em conjunto com a LC 109/01, já fundamenta a necessidade de recomposição das reservas exauridas por desvios permitidos pelo patrocinador, usando de suas prerrogativas na formação de políticas de investimento da entidade.
segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Pedaladas Legislativas - O caso do FUNRURAL

O tema das "pedaladas fiscais" ganhou o Brasil desde o impedimento da presidente Dilma. A questão tornou-se tão popular que, não raramente, o termo é utilizado para designar procedimentos heterodoxos na gestão da coisa pública e na disciplina normativa de temas variados. Aqui, tomo a liberdade de retratar uma norma oriunda do processo legislativo Federal - a resolução do Senado nº 15 de 2017 - que, em minha opinião, representa uma autêntica 'pedalada legislativa'. Para tanto, temos de discorrer, ainda que brevemente, sobre esta figura inusitada que é o FUNRURAL. O Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - FUNRURAL, instituído pela lei 4.214, de 2/3/1963, inaugurou a proteção social na área rural brasileira. O fundo constituía-se de 1% do valor dos produtos comercializados e era recolhido pelo produtor, quando da primeira operação, ao extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI. Apesar de o trabalhador urbano já contar com proteção previdenciária desde 1923, ainda que limitada a determinadas carreiras, é interessante notar como o mesmo objetivo demorou alguns decênios até alcançar o trabalhador rural. A proteção originária do FUNRURAL foi ampliada pela LC 11, de 25/5/1971, a qual instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), de natureza assistencial, cujo principal benefício era a aposentadoria por idade, após 65 anos, equivalente a 50% do salário mínimo de maior valor no país. Esta mesma lei complementar deu natureza autárquica ao FUNRURAL, sendo subordinado ao então Ministério do Trabalho e Previdência Social, até sua extinção, em 1977. Em suma, nota-se que o trabalhador rural possuía regime particular de aposentadoria e, em virtude da autarquia que os patrocinava, o FUNRURAL acabou sendo referência aos planos de custeio e benefício destes trabalhadores. Todavia, especialmente com a Constituição de 1988, a dicotomia entre previdência urbana e rural foi superada, com as exceções previstas na própria Carta de 1988. Atualmente o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS atende tanto a trabalhadores urbanos e rurais, em sua totalidade, concedendo prestações previdenciárias a segurados e dependentes, independente da natureza da atividade, com exceção restrita a militares e servidores públicos vinculados a regimes próprios. Sendo assim, a terminologia relativa ao FUNRURAL tornou-se normativamente errada e historicamente anacrônica. Ironicamente, ainda que abandonada pela legislação e mesmo pela burocracia estatal, a alcunha FUNRURAL ainda permeia as instâncias judiciais, especialmente quando se refere ao custeio previdenciário dos produtores rurais. Seguindo o modelo historicamente referido, a lei 8.212/91, no art. 25, estabeleceu o financiamento de produtores individuais sobre a receita da produção, modelo idealmente mais eficaz para a atividade agrícola, especialmente pela sazonalidade da produção rural. Sem embargo, tal admissão foi feita, na visão do STF, sem suporte constitucional, pois a CF/88, no que tange a contribuições previdenciárias, havia delimitado as mesmas à folha de salários. Esse foi o fundamento do RE 363.852. O decisório, em atípico caso apresentado pelo adquirente da produção rural (substituto tributário), sem segmentação clara sobre as contribuições do produtor rural em economia familiar (segurado especial) e o produtor pessoa física com empregados, acabou por declarar a inconstitucionalidade da referida imposição. Tendo em vista tal precedente do STF, o setor agrícola agitou-se diante da possibilidade de redução dos encargos sociais e, em especial, ganho vultoso e imediato da recuperação dos valores recolhidos a maior. Imediatamente, o tema foi novamente levado aos Tribunais, pois, a Lei nº 10.256/01, ao repetir a redação do art. 25, caput da lei 8.212/91, pareceu insistir na inconstitucional imposição tributária sobre a produção rural. No entanto, o STF, agora no RE 718.874, em apertada votação (6 a 5), entendeu que a alteração teria sido constitucional, pois posterior à EC 20/98, que admitia a mudança de bases-de-cálculo previdenciária e, ainda, superou o Tribunal a dificuldade de a nova lei ter alterado somente o caput do art. 25 da lei 8.212/91, sem mudança nos incisos que, assim como o resto do artigo, teriam sido objeto de declaração de inconstitucionalidade. Muito embora o referido RE 718.874 não tenha ainda transitado em julgado, não pretendo aqui remoer os fundamentos da decisão, com seus erros e acertos. A questão, como disse, é a Resolução do Senado nº 15 de 2017. A referida norma dispõe que: "É suspensa, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a execução do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao art. 12, inciso V, ao art. 25, incisos I e II, e ao art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852". Ora, após tantos anos da decisão exarada no RE 363.852, por qual motivo o Senado Federal teria a preocupação de emitir tal resolução, especialmente após a consolidação, no STJ, de que a mesma é irrelevante para fins de repetição de indébito? Infelizmente, o motivo não parece ser legítimo. Em minha opinião, trata-se de estratagema visando tornar ineficaz a decisão da Corte Constitucional. Tendo em vista o precedente do STF no RE 363.852, muitas empresas e produtores deixaram suas contribuições de lado, ignorando o preceito legal vigente e, não raramente, buscando os valores recolhidos no passado, mediante compensações indevidas. De forma a ajudar todos aqueles que mandaram às favas seus encargos tributários, o Poder Executivo editou a recente MP 793 de 2017, viabilizando favorecido parcelamento justamente da aludida contribuição. Para melhorar, ainda é reduzida a contribuição de produtores individuais de 2,0% para 1,2%. Estranhamente, após tantas benesses a quem apostou em uma tese tributária que se mostrou sem sucesso, surge a Resolução n. 15, logo após a decisão do STF no RE 718.874. Como dito, a lei 10.256/01, ao dar nova redação ao art. 25 da lei 8.212/91, somente alterou o caput do artigo, tratando da mal chamada contribuição ao FUNRURAL. A tese dos contribuintes - bastante razoável - seria pela impossibilidade de tributação mesmo após a lei 10.256/01, tendo em vista a insubsistência dos incisos. Como o STF superou tal dificuldade, parece que nosso Senado Federal busca, intempestivamente, editar resolução com o único intuito de suspender a eficácia do art. 25 da lei 8.212/91 e, com isso, impedir a tributação desejada lei 10.256/01, sob a nova alegação de que os incisos teriam sua eficácia suspensa, não podendo subsidiar a imposição desejada pelo novo caput, inserido, como dito, lei 10.256/01. A decisão do STF no RE 718.874 pode ser objeto de muitas críticas. Todavia, o expediente que se forma é, data venia, retrato do que se tem de pior no Brasil. Em tempos de Lava-Jato, quando desejamos, ao menos, algum comedimento das instâncias decisórias do país em temas de interesse nacional, o que se nota é a manutenção da triste realidade voltada à defesa intransigente e imoral de setores particulares. Caso haja manifesto interesse no perdão de dívidas que, a depender do caso, possa ser justificado, o ordenamento jurídico já prevê a possibilidade de remissão, mediante lei específica e com previsão de recomposição da receita. Qualquer outra forma representa mero expediente inconstitucional e imoral. Que esta ou qualquer outra pedalada seja infrutífera, e possamos, em algum momento, discutir temas previdenciários e tributários em ambiente moralmente adequado, com o interesse da sociedade em primeiro plano.
Na coluna desta quinzena, aproveito para tratar de um tema do custeio previdenciário ainda pouco explorado. Trata-se do adicional de contribuição previdenciária devido pelos empregadores que possuem atividades especiais (insalubres), que permitem a aposentadoria antecipada, após 15, 20 ou 25 anos de contribuição. Nos termos do art. 57, § 6º da lei 8.213/91, na redação dada pela lei 9.732/98, a previsão normativa impõe ao empregador, como forma de financiar tal prestação, o acréscimo proporcional de contribuição, nos percentuais de 6, 9 ou 12%, de acordo com o tempo de aposentadoria especial aplicável ao caso, 25, 20 ou 15 anos, respectivamente. A constitucionalidade do adicional é facilmente defensável, tendo em vista a correta imposição tributária, de forma mais onerosa, sobre as empresas que geram a exposição, sem transferir o custo a toda a sociedade. Ademais, serve como potencial inibidor a atividades insalubres e, também, viabiliza uma melhor percepção do meio-ambiente do trabalho como um todo, ao agir como complemento dos clássicos percentuais de 1, 2 ou 3% sobre a folha, referentes ao antigo seguro de acidentes do trabalho. Todavia, temos de reconhecer que, de todas as aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social, a aposentadoria especial, como é normativamente denominada pela lei 8.213/91, é seguramente a mais complexa. As dificuldades de avaliação do ambiente de trabalho, as particularidades da atividade de cada empregado, a mensuração do grau de exposição e até mesmo as vacilações administrativas sobre o regramento jurídico do benefício em pouco ajudam na construção de um consenso. Neste último ponto, em particular, nota-se um descasamento de interpretações das instâncias administrativas na matéria. No plano de benefícios, há a atuação do Governo Federal em restringir o benefício; movimento que tem sido internalizado na legislação previdenciária desde o advento da lei 9.032/95, impedindo o reconhecimento de atividade especial pela categoria profissional. A mudança, como já opinei anteriormente, possui coerência, tendo em vista a proliferação de aposentadorias especiais a determinados segmentos em prejuízo dos demais segurados. Neste ponto, no entanto, há controvérsias na própria previdência social, especialmente em alguns temas, como a exposição a agentes potencialmente cancerígenos. Todavia, desde 2007, há ainda outro ator na questão, que é a Secretaria de Receita Federal do Brasil. Aqui, nos últimos anos, tem se formado um compreensível e necessário esforço de fiscalização dos encargos previdenciários derivados da atividade especial, mas, em frequente descompromisso com as próprias regulações previdenciárias do tema, admite-se como tempo especial - e com a consequente imposição de contribuição - atividades e situações que seguramente nunca seriam reconhecidas nas instâncias administrativas da previdência social brasileira. Em suma, como se não bastasse a dificuldade inerente à concessão do benefício previdenciário de aposentadoria especial, veremos, nos próximos anos, maior embate entre as esferas administrativas, mas, agora, com a participação da RFB, em torno da contribuição adicional de 6, 9 e 12%. Tal aspecto retrata a previsível consequência da separação administrativa das esferas do custeio e benefício previdenciários, impondo a cada qual a percepção que se assemelha mais adequada. O resultado é péssimo para todos. Empregadores não conseguem, atualmente, certeza plena quanto à necessidade do pagamento de adicionais. Empregados não entendem se possuem ou não direito ao tempo especial, devido às interpretações divergentes dentro do próprio INSS e, agora, junto à RFB. E o Poder Público acaba assoberbado de demandas judiciais buscando concessão de benefícios e, em breve, ações anulatórias de autos-de-infração relativos a adicionais de contribuição em atividades de nocividade duvidosa. Acredito ser urgente uma revisão cautelosa da disciplina administrativa da matéria, mediante reaproximação necessária das instâncias administrativas responsáveis pela concessão de benefícios e cobrança das contribuições adicionais. Sem tal "freio de arrumação" na realidade atual da aposentadoria especial, teremos de esperar alguns anos até a matéria ser consolidada nos Tribunais Superiores e, oxalá, servir de guia para empresas, segurados e a própria Administração Pública.
segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Stock Options e contribuição previdenciária

Nos últimos anos, alguns temas relevantes têm ingressado no longevo debate sobre a base imponível das contribuições previdenciárias. Dentre eles, os programas de opções de ações, fornecidos a empregados, assumiram proeminência no debate, da mesma forma que as conhecidas discussões sobre a tributação previdenciária dos lucros e resultados. Aqui, como sempre, exsurge a dificuldade quanto ao alcance do art. 28 da lei 8.212/91, ao disciplinar a base de cálculo previdenciária, como decorrência do aspecto material do fato gerador da contribuição, que é a prestação de serviços remunerados. Haveria a incidência sobre toda e qualquer vantagem fornecida a empregados? Tais discussões, como não poderia deixar de ser, devem ter avaliação inicial na Constituição de 1988. O art. 195, I, "a" da Carta, de forma cristalina, delimita a competência impositiva estatal aos rendimentos do trabalho, somente. Devemos observar que, mesmo com as modificações da EC 20/98, ao viabilizar a incidência sobre valores pagos a pessoas sem vínculo empregatício - autônomos - não houve mudança quanto à natureza da verba tributada. Tal aspecto é relevante, pois, não raramente, confundem-se as bases previdenciárias e do imposto de renda. Esta, ao contrário da primeira, alcança toda sorte de rendimentos, do trabalho ou do capital, desde que viabilizem incremento patrimonial (renda líquida). A contribuição previdenciária, por sua vez, como instrumento de financiamento de prestações previdenciárias, substituidoras do rendimento do trabalho de segurados, não possui qualquer liame com rendimentos do capital, haja vista a irrelevância dos mesmos para a proteção social. Tal aspecto, na realidade brasileira, tem sido ignorado no debate dos planos de ações. As instâncias administrativas, nas últimas decisões exaradas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, têm adotado premissa de que os planos de ações são dotados de natureza salarial e, portanto, devem ser tributados como tal. Apesar de alguma celeuma quanto ao momento de ocorrência do fato gerador e da base tributável, a incidência tem sido a tese dominante. Antes, tal conclusão era limitada a programas claramente falhos, os quais, de forma geral, visavam unicamente premiar empregados. Agora, pelos precedentes mais atuais, o quadro parece mudar. Não podemos estabelecer uma sinonímia entre rendimentos do trabalho e pagamentos derivados do contrato de trabalho. Somente os primeiros, por possuírem natureza contraprestacional, podem ser objeto de incidência previdenciária. Nem toda vantagem fornecida a empregados terá, como finalidade, remunerá-los pela prestação do serviço. Tal aspecto é ainda mais relevante em planos de ações, quando empregados são estimulados a aderir como forma de fidelização da mão-de-obra, comprometimento profissional e alinhamento com acionistas. A lei 8.212/91 não destoa de tais premissas, ao expor que, independente da denominação, somente parcelas remuneratórias devem ser tributadas. A remuneração, em sua acepção jurídica - e não econômica ou contábil - possui delimitação tradicionalmente reconhecida, seja pela doutrina ou jurisprudência. O alargamento artificial de tais fronteiras em nada ajudará o combalido sistema protetivo brasileiro. Naturalmente, modelos fraudulentos que visem, unicamente, remunerar empregados de forma habitual sem a devida incidência previdenciária, devem ser rechaçados, tendo em vista o aviltamento de receitas previdenciárias e benefícios do sistema, mediante redução do salário-de-contribuição com a consequente minoração do salário-de-benefício. Não sendo o caso, a posição deve ser pela deferência das escolhas razoáveis dos empregadores frente aos objetivos das empresas.
A desaposentação, nos últimos vinte anos, tornou-se um dos temas de maior relevância no Direito Previdenciário nacional. Durante muito tempo, dominou as principais discussões e foi central em diversos eventos especializados. Nem sempre foi assim. Quando escrevi a primeira obra sobre o assunto no Brasil, a discussão era bastante limitada e circunscrita a alguns círculos acadêmicos. Para minha surpresa, a recepção foi estupenda e, em pouco tempo, o tema espalhou-se país afora, tumultuando os tribunais com diversos pedidos. Não pretendo, novamente, apontar as dificuldades e impedimentos que, em geral, a Administração apresenta como obstáculos à obtenção de novo benefício mediante a renúncia de prestação anterior, os quais, de forma geral, foram admitidos pelo STF. O que ainda me motiva a tratar do tema é a premissa interpretativa equivocada que é sempre utilizada nessa e em outras discussões. O modelo previdenciário brasileiro - assim como todo o restante da América Latina - adota, em seus fundamentos, a dinâmica do seguro social, ainda que com certos temperamentos. Em resumo, tais modelos de previdência social têm, como características básicas, a contributividade do regime, a ausência de universalidade real, o financiamento por contribuições sociais e, por fim, a correlação entre a contribuição e o respectivo benefício. Ou seja, a solidariedade, que é elemento inerente a qualquer modelo protetivo, existe, aqui, em grau menor, seja pela abrangência restrita - cobertura limitada a segurados e dependentes - seja pela necessária correlação custeio versus benefício, como exteriorizado no art. 195, § 5º da Constituição de 1988. O modelo de financiamento, por contribuições sociais, ao invés de impostos, possui justamente a finalidade de restringir os encargos à clientela protegida, e não toda a sociedade. Ao revés, em modelos universalistas de proteção, a cobertura é verdadeiramente ampla, não demandando atributos do seguro social, como filiação, qualidade de segurado e carência. Nesses sistemas, tendo em vista a solidariedade em grau máximo, o instrumento tributário adequado é o imposto. Pois bem, com esses aspectos conceituais em mente, nota-se, com facilidade, o erro da jurisprudência nacional. Tendo o segurado efetuado novas contribuições, após a aposentadoria, a premissa do sistema é a necessidade do recálculo, sob pena de atribuir, em contrariedade à Constituição, um modelo desconexo de proteção social, no qual se misturam elementos de modelos previdenciários diversos. Infelizmente, é justamente o que ocorre hoje. Sempre que surgem demandas legítimas, de segurados e dependentes, visando incrementos e correções de benefícios, em contrariedade à interpretação estatal, o inevitável argumento oficial é, justamente, a natureza contributiva do sistema, com a estreita vinculação ao equilíbrio financeiro e atuarial, no qual a prestação somente existe com a rigorosa correlação com o custeio. Por outro lado, quando surge nova imposição estatal, travestida de contribuição social, sem qualquer contraprestação estatal, o argumento onipresente, por parte do governo Federal, é sempre a solidariedade, a qual, nessa concepção parcial e tendenciosa, permitiria a redução patrimonial de segurados e dependentes mesmo sem qualquer contraprestação protetiva. Ou seja, adota-se o fundamento que mais se adequa às finalidades desejadas. Ao incrementar receita sem contraprestação, os fundamentos de modelos universalistas são apresentados. Já no momento de negar pretensões legítimas, as premissas são do seguro social, objetivando restrições a direitos legítimos e, também, sinalizar ao Judiciário a necessidade de submissão ao aspecto atuarial. Dois pesos, duas medidas. É equivocada e desleal tal conduta, pois desvirtua as premissas do sistema de acordo com os objetivos desejados. É certo que o modelo previdenciário carece de ajustes, mas não será vulnerando o alicerce do sistema e expropriando o patrimônio dos segurados que isso se resolverá.
O modelo previdenciário brasileiro, originário dos antigos sistemas de seguro social, demanda, para fins de concessão de prestações previdenciárias, um requisito prévio que é a qualidade de segurado. Ou seja, não basta a ocorrência do sinistro para o pagamento do benefício. A pessoa deve possuir cobertura, ou melhor, deve ser segurada. Além deste quesito, alguns benefícios exigem, também, um período prévio de contribuições mensais mínimas, a chamada carência. Tais atributos do sistema, com muita clareza, retratam a ausência de universalidade de nosso modelo protetivo, o qual, mesmo após o advento da Constituição de 1988, ainda peca pela limitada cobertura. Tal aspecto já foi objeto de questionamento em textos anteriores. Aqui, o objetivo é tão somente explicitar as mudanças relevantes da lei 13.457/17. Em um seguro privado típico, o fato de o interessado participar e pagar o prêmio do seguro durante anos, sem qualquer sinistro, não assegura a cobertura gratuita no futuro, tendo em vista a lógica do negócio, que é a divisão do risco dentro do grupo coberto. Sendo assim, se uma pessoa paga o seguro de seu veículo por dez anos e nada ocorre, caso não haja renovação do mesmo no ano seguinte e subsequente sinistro, não haverá indenização devida pela seguradora, pois a vítima não mais ostenta a qualidade de segurada. No modelo previdenciário nacional, ainda que construído nos moldes do seguro social, há alguns temperamentos. Afinal, a previdência brasileira atende riscos previstos e imprevistos. Sendo assim, na hipótese de necessidades sociais previsíveis, como idade avançada, não seria razoável admitir que todas as contribuições pretéritas sejam perdidas, pois os recolhimentos não foram unicamente voltados a benefícios de risco. Por essas e outras razões, a legislação previdenciária admite não só a manutenção temporária da qualidade de segurado, após a cessação da atividade remunerada, mesmo sem recolhimentos - momento conhecido como período de graça - como, também, a possibilidade de recuperação dos recolhimentos pretéritos à perda da qualidade, mediante o reingresso no sistema e pagamento de período mínimo. A regra geral do modelo, desde 1991, era no sentido de exigir pagamento equivalente a um terço das contribuições necessárias para fins de carência, permitindo, assim, o resgate das contribuições do passado. Mais recentemente, tal regra limitou-se a auxílios-doença, aposentadorias por invalidez e salários maternidade, pois as demais aposentadorias foram excluídas da sistemática pela lei 10.666/03. Assim, por exemplo, caso um segurado tenha 30 meses de contribuição prévios a perda da qualidade de segurado, quando do seu reingresso, teria de contribuir com no mínimo quatro meses (1/3 de 12) para, então, resgatar as 30 anteriores e, no caso, obter auxílio-doença para incapacidades posteriores. Basicamente, este pagamento funcionaria como uma forma de "pedágio" ao segurado que perdeu a qualidade e voltou ao sistema protetivo. Com a lei 13.457/17, a situação muda. Em condição menos gravosa frente à pretendida pelo Governo Federal - que deseja impedir tal expediente e exigir o alcance da carência plena - adotou-se solução intermediária, aumentando o gravame do segurado após seu reingresso no sistema, mas em menor escala. Ao invés de um terço da carência, passa a ser necessária a metade. No exemplo citado, ao invés de quatro contribuições, seriam necessárias seis contribuições após o reingresso e prévias à incapacidade. Mediante análise isolada da lei 13.457/17, seria possível vislumbrar um severo endurecimento nas regras das demais aposentadorias, pois, para estas, tem-se a impressão que não há previsão de adimplemento da metade da carência, mas, em verdade, a exclusão total do tempo anterior à perda da qualidade de segurado (Art. 27-A da lei 8.213/91: "No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de que trata esta lei, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25 desta lei"). No entanto, a impressão é somente aparente. Deve-se ter em mente que o art. 3º da lei 10.666/03 continua válido, prevendo regramento específico sobre as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial. Sendo assim, para estas, nada muda com a lei 13.457/17. Como se sabe, a principal razão da mudança foi, justamente, a alegada necessidade de maior rigor nos benefícios por incapacidade. Justamente neste aspecto, relacionado à gestão dos benefícios por incapacidade, há outra mudança relevante na legislação previdenciária, ao inserir o art. 60, § 8º na lei 8.213/91, dispondo que "sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício". Pelo que se nota, pretende a lei 13.457/17 alargar a técnica conhecida como alta programada, ou seja, a dinâmica de concessão do benefício que, desde já, estipula a duração do mesmo, de acordo com a evolução esperada da patologia e cura do segurado. A motivação de sua extensão aos benefícios decorrentes de decisão judicial é calcada na incapacidade da Administração em controlá-los, o que tem permitido, não raramente, a manutenção de prestações indevidas por anos. No entanto, como já havia me manifestado sobre a alta programada em si, não é correto transferir aos segurados o ônus da ineficiência do sistema. Como não se consegue superar o gargalo do atendimento previdenciário, especialmente quanto à perícia médica, adota-se premissa normativa que transfere ao segurado o encargo de observar e avaliar sua condição clínica, para, se for o caso, postular prorrogações ou revisões. Incrivelmente, já se antecipando ao provável descaso das instâncias judiciais a este preceito, a própria lei 13.457/17 discorre que "na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8º deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta lei" (art. 60, § 9º, lei 8.213/91). Ou seja, ainda que a decisão judicial seja omissa, o prazo será aplicado. Caberá aos advogados, em suas demandas, expressamente pleitear o afastamento de tal medida. Sabe-se que a situação do INSS, atualmente, é dramática. A aposentadoria de parte relevante de seus quadros, o aumento expressivo dos requerimentos administrativos, em conjunto com a retração da economia têm colocado em xeque a capacidade administrativa de atendimento. É natural e mesmo desejável que, em tais situações, a Administração Pública e o Poder Legislativo tentem buscar soluções inovadoras, como forma de produzir melhores resultados com menor custo. Todavia, tal desiderato deve ser alcançado sem transferir à clientela protegida o encargo que é do sistema.
De acordo com o Dicionário Houaiss, prioridade significa a condição do que é o primeiro em tempo, ordem, dignidade, ou, ainda, possibilidade legal de passar à frente dos outros; preferência, primazia. Como se nota, prioridade é a admissão de uma ordem no atendimento de demandas ou anseios em geral, como forma de prestigiar algum tipo de valor ou comando. Já a ideia de absoluta prioridade traduz possível pleonasmo, salvo a admissão de graus de preferência no atendimento de demandas, o que seria de complexa disciplina. De toda forma, na Constituição de 1988, a previsão de absoluta prioridade surge uma única vez, no caput do art. 227, ao prever ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A previsão original da Constituição somente estabelecia a indigitada precedência para crianças e adolescentes, conforme consta do Estatuto da Criança e do Adolescente (at. 4º, lei 8.069/90). A Emenda Constitucional 65/2010 a estendeu para os jovens, os quais, nos termos da lei 12.852/2013, são as pessoas de quinze a vinte e nove anos (art. 1º, § 1º). Sendo assim, estariam os brasileiros albergados pela priorização absoluta no trato social do nascimento até os 29 anos. Todavia, a precedência incondicional não se encerra aqui. O Estatuto do Idoso, aprovado pela lei 10.741/03, em preceito normativo quase idêntico aos anteriores, externa que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (art. 3º). A mesma lei estabelece o marco etário de sessenta anos como referência a idosos de qualquer gênero. Sendo assim, nossa conclusão inicial deve ser alterada: todos os brasileiros, de zero a 29 anos, e após os 60 anos de idade, terão absoluta prioridade. Adotando uma expectativa de vida média do brasileiro de 75 anos, podemos afirmar que teremos total primazia frente aos nossos compatriotas durante, aproximadamente, 60% de nossas existências terrenas. Não acredito que seja necessária formação econômica ou matemática para inferir o absurdo de tal realidade. É certo afirmar que a Constituição de 1988 deseja, na melhor medida, que todos os brasileiros sejam capazes de alcançar patamar de vida digno, mas, também, que tais demandas sejam atendidas no contexto dos recursos disponíveis, em parâmetros de seletividade, haja vista a inexorável teoria da escassez. Alguma prioridade pode e deve ser estabelecida, o que, convenhamos, já foi feito pela Assembleia Nacional Constituinte. Sem qualquer sombra de dúvida - e de forma absolutamente correta - nossos constituintes elegeram crianças e adolescentes como prioridade no gasto estatal. Seres humanos em formação não são capazes de lutar por seus direitos e interesses e, portanto, o cuidado e investimento do Estado devem a eles ser dirigido. Tal perspectiva encontra elevado consenso em quase todas as correntes de pensamento. A proteção de crianças e adolescentes deve ser a meta primeira. Tal percepção é possivelmente instintiva, tendo em vista que quase todos os animais buscam, com elevado esforço, a proteção de sua prole e seu desenvolvimento saudável. O mais racional dos animais não poderia agir de forma distinta. Ou poderia? No caso brasileiro, temos presenciado uma absoluta irracionalidade no plano normativo. Buscando atender interesses de segmentos da sociedade e, principalmente, assegurar apoio nas urnas, nossos congressistas têm aprovado alargamentos da prioridade protetiva a pessoas que não foram albergadas no plano original da Constituição de 1988. A discussão aqui desenvolvida não implica desconsiderar direitos e garantias constitucionais de jovens, adultos e idosos. Não se trata de descortinar teses que qualifiquem idosos como privilegiados ou mesquinhos beneficiários do sistema protetivo, como se fez em passado recente. Aqui busco, unicamente, expor a inviabilidade do sistema vigente. Acredito que qualquer jovem ou idoso daria preferência a seus parentes em tenra idade. Como pode o Estado tentar igualar o que a própria natureza reconhece como diferente? Crianças e adolescentes não possuem condições fisiológicas ou maturidade para demandar seus direitos e questionar a sociedade sobre o tratamento adequado. Quando são deixados sem proteção mínima, ao alcançar idade suficiente a garantir força física para lutar por sua sobrevivência, finalmente chamam a atenção da sociedade e são encarcerados ou mortos. Aposentados e pensionistas, em regra, recebem seus benefícios rigorosamente em dia e contam com suporte administrativo e judicial para resolução de suas querelas. Crianças e adolescentes contam com instituições depreciadas, recursos escassos e unidades de internação indignas. Não é difícil perceber que as previsões alargadas de absoluta prioridade estabelecidas por Emenda Constitucional e leis são inconstitucionais, por desrespeitar a ordem já estabelecida. Além do plano normativo, é intuitivo que investimentos maciços e prioritários na educação e saúde de crianças e adolescentes terão a condição de mudar o Brasil em alguns anos. Neste contexto, devemos rever nossas percepções de como a proteção social deve funcionar, o que inclui a previdência brasileira. Nossa leitura atual do sistema protetivo é voltada, em regra, a idosos e trabalhadores incapacitados, mas deixamos de lado as pessoas em formação, como se fosse problema alheio ao sistema. A prioridade de crianças e adolescentes exige revisão do plano de benefícios, incluindo serviços especializados, como creches e pré-escolas em horário integral, com alimentação, pessoal e equipamentos capazes de subsidiar a formação plena. Tal perspectiva deve ser levada em consideração em uma reforma previdenciária. O foco unicamente econômico, com redução de gastos do sistema, não atende aos anseios constitucionais. O endurecimento nas regras de benefício, desde que acompanhadas de uma revisão das reais prioridades da Constituição de 1988, é o caminho correto e necessário, como forma de mudarmos o Brasil. Para melhor.
O alcance da base-de-cálculo previdenciária, delimitado constitucionalmente pelo art. 195, I, "a" da CF/88, sempre encerrou divergências das mais variadas. Tendo em vista o aspecto material da hipótese de incidência implicitamente previsto - prestar serviços remunerados - a questão até parece simples, pois bastaria excluir da imposição fiscal qualquer verba indenizatória. Somente a retribuição pecuniária pelo trabalho seria tributada. Todavia, a segurança se dissipa em pouco tempo. Além de não restar claro, em todas as situações, o que pode ser considerado como verba propriamente salarial, é também sabido que parcelas ditas "indenizatórias", no contexto laboral e previdenciário, possuem sentido mais amplo que a clássica conceituação do direito privado, decorrente de sanção de ato ilícito ou de recomposição de patrimônio de outrem. Enfim, há uma razoável zona de penumbra na identificação das rubricas tributáveis. A lei 8.212/91, na tentativa de lançar luzes sobre a questão, apresentou descrição abstrata da base imponível e, também, excluiu determinadas parcelas, de forma expressa (art. 22 e seguintes). Tudo isso não impediu os embates entre o fisco e contribuintes. Por exemplo, não há certeza se as exclusões de incidência do art. 28, § 9º da lei 8.212/91 são taxativas ou exemplificativas, se possuem natureza de isenção ou meramente expletivas e, ainda, se devem ser interpretadas restritivamente ou não. Em um contexto no qual as empresas bonificam empregados e dirigentes por lucros e resultados, programa de ações e ganhos eventuais, a questão assume relevância brutal. No âmbito da Administração Pública, nota-se a acolhida de teses favoráveis ao fisco, com interpretações de clara índole arrecadatória, viabilizando a incidência sobre qualquer parcela paga, devida ou credita a pessoas físicas, salvo se expressamente excluída pela lei. Confundem-se, aqui, os valores decorrentes do trabalho - passiveis de tributação previdenciária - com os valores decorrentes do contrato de trabalho, que abarcam parcelas remuneratórias, indenizatórias e ressarcimentos em geral. Tal medida reflete, em algum grau, a tentativa do Estado em usar a lógica da "tipicidade fechada" em seu favor, adotando premissa no sentido da tributação de todas as parcelas, salvo as expressamente excluídas em lei. A pré-compreensão é interessante, mas contraria frontalmente o texto constitucional, o qual, mesmo após a edição da Emenda Constitucional 20/98, ainda delimita a incidência a valores decorrentes do trabalho, unicamente. A referida Emenda, elaborada no Governo FHC visando aprimorar nosso modelo previdenciário, somente buscou alargar as fontes de custeio quanto a trabalhadores sem vínculo empregatício, tendo em vista o entendimento pretérito do STF de que a incidência seria restrita a empregados, pois somente estes receberiam salário (ADIN 1.102-2/DF). Na sequência, surgiram novas teses de exclusão do salário-de-contribuição (terminologia adotada pela lei 8.212/91 para qualificar a base-de-cálculo previdenciária) das parcelas sem natureza salarial direta. Com bastante exagero, tentou-se esvaziar a incidência quase que à retribuição com liame direto e evidente ao trabalho, em posição diametralmente oposta àquela defendida pelo fisco. Aqui, além de novo erro quanto à apreciação da competência constitucionalmente estabelecida, havia o esquecimento da base tributável conectada com a base de quantificação da renda mensal de benefícios previdenciários. Quanto menor aquela, menor esta. Após algumas idas e vindas, o STJ acabou por fixar entendimento quanto a não incidência da contribuição previdenciária somente sobre a gratificação de férias (1/3 de férias), aviso prévio indenizado e os primeiros 15 dias que antecedem o auxílio-doença (acidentário ou não)1. Todavia, os problemas estavam longe de serem resolvidos. A jurisprudência consolidada sobre as rubricas citadas, na imensa maioria, somente exclui a cota patronal previdenciária, prevista no art. 22, I da lei 8.212/91. Restaram as demais incidências, como o seguro de acidentes, o Sistema S e o FGTS. Aproveitando-se das falhas de controle do fisco, muitas empresas simplesmente optaram por deixar de recolher todas as imposições sobre tais parcelas e, ainda, recuperar os valores pagos nos últimos cinco anos, em procedimento eufemisticamente rotulado de "compensação administrativa". Tal conduta apresenta certo grau de risco, pois ainda não é plenamente admitida pelo fisco e, mesmo quando acolhida, como o aviso prévio indenizado (SC COSIT 249/17), não implica admissão da exclusão das demais exações. No caso particular do FGTS, a questão é ainda mais intrincada, pois o STJ tem se manifestado pela incidência em todas as rubricas questionadas, ignorando a alteração legislativa provocada pela lei 9.711/98, ao incluir o art. 15, § 6º na lei 8.036/90, no contexto da desejada unificação das bases previdenciárias e fundiárias, proporcionando a criação de documento único de informação (GFIP) e permitindo a melhor incorporação das informações de vínculos e remunerações ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Ou seja, em contrariedade à interpretação dada pelo próprio Poder Executivo, tem decidido o STJ pela incidência do FGTS sobre as mesmas rubricas admitidas como indenizatórias no REsp 1.230.957-RS2. Neste imbróglio, surge o precedente do STF no RE 565.160, submetido ao rito da repercussão geral. O caso concreto, abordando rubricas diferentes daquelas fixadas no REsp 1.230.957-RS, acabou propiciando a seguinte tese, ainda pendente de publicação: "A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998". O precedente, data venia, pouco ajuda. Além da evidente complexidade de delimitar-se o alcance da habitualidade, parece a decisão excluir parcelas que, mesmo eventuais, tenham claro conteúdo remuneratório, como um prêmio pago uma única vez pelo alcance de meta de vendas. Mesmo quando confrontada com outras decisões emanadas da Corte, e.g. pagamento de lucros e resultados, a depender da configuração do habitual, seria possível vislumbramos até uma possível mudança jurisprudencial. O que me parece é que tal julgamento foi possivelmente resultado de uma Corte assoberbada de encargos e sem o tempo necessário à reflexão de temas complexos. Talvez a habitualidade até possa, no limite, ser entendida como capaz de incluir toda e qualquer verba remuneratória, pois potencialmente habituais, desde que razoavelmente demonstrada sua conexão com a retribuição pelo trabalho prestado ou pelo tempo despendido. De toda forma, é forçoso reconhecer que o tão esperado precedente pouco ajudou na fixação de premissas interpretativas para as demandas ainda em andamento. Tal debate assumirá importância ímpar em 2018, quando, finalmente, entrará em operação o eSocial para as empresas. Tal obrigação, ao fixar a necessidade de transmissão eletrônica de todas as parcelas pagas a pessoas físicas, com ou sem natureza salarial, irá expor de forma clara as empresas que já se beneficiam de forma ampliada dos precedentes judiciais. Em suma, os debates jurídicos sobre o alcance do salário-de-contribuição ainda terão forte presença nos próximos anos. __________ 1 REsp 1.230.957-RS. 2 REsp 1.448.294/RS, entre outros.
segunda-feira, 12 de junho de 2017

Royalties do petróleo e reforma da Previdência

Ao vislumbrar o título, indagamos: qual a relação entre os temas? Seria uma tentativa de usar royalties do petróleo para pagar benefícios previdenciários? Nada disso. A intenção, somente, é demonstrar a repetição de um mesmo erro, tão comum em nosso país, que é ignorar os necessários controles no gasto estatal. Como vimos nos últimos quinze anos, o boom do preço do petróleo teve relevante impacto em países produtores, como a Venezuela, que foram capazes de manter governos descompromissados com o equilíbrio financeiro mediante receitas abundantes. No caso brasileiro, notamos alguns Estados, como o Rio de Janeiro, que, obtendo valores vultosos dos royalties do petróleo, conseguiram, ao mesmo tempo, atender demandas sociais relevantes e ignorar as boas práticas de gestão financeira. Diante de uma fonte aparentemente segura e robusta de receita, capaz de durar muitos decênios, sentiu-se o governante compelido a ignorar as poucas advertências sobre a necessidade de adequações financeiras e, como o dito popular, gastou-se como se não houvesse amanhã. Infelizmente - e previsivelmente - o boom das commodities se foi. No caso particular do Rio de Janeiro, a violenta queda do preço do barril de petróleo, ao lado da retração econômica que a acompanhou, arrasou as fontes de receita estaduais. Servidores públicos, na maioria, sequer recebem seus salários. O que deu errado? O erro, como de hábito, foi optar pelo ganho político imediato - além da corrupção - em detrimento de modelo economicamente austero de gestão. Naqueles anos, qualquer discussão governamental sobre controle de gastos públicos esbarrava em obstáculo instransponível: a avassaladora quantidade de dinheiro oriunda dos royalties. Poderiam acabar? Sim, mas até lá... E onde se encaixa a previdência social? Vivemos na proteção social brasileira situação similar. Do ponto de vista populacional, passamos, hoje, pelo chamado bônus demográfico, o que significa, resumidamente, um predomínio de adultos, em detrimento de idosos e crianças. Ou seja, a maior parte da população brasileira é hoje formada por pessoas que trabalham, pagam seus impostos, mantêm o sistema funcionando e, ainda, não o utilizam. Nos próximos quinze anos, o quadro se inverterá: teremos um crescimento acelerado de idosos, com uma retração de jovens financiando o modelo protetivo. Em tais circunstâncias, a previdência social será insolvente em pouco tempo. O bônus demográfico brasileiro é, em termos previdenciários, o que foi o boom dos royalties para alguns Estados. Apesar de algumas análises apontarem que a previdência brasileira como superavitária, a depender das premissas contábeis adotadas, o fato é que, mesmo sendo isso verdade, nosso modelo é inviável no longo prazo. Fosse a previdência brasileira equilibrada neste momento, nosso sistema deveria possuir superávit de vários trilhões de reais, de forma a se preparar para as dificuldades vindouras. Novamente, gastamos hoje como se não houvesse amanhã. E talvez não haja.