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Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das relações de consumo: a interpretação sistemática do artigo 28, CDC

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Atualizado às 14:10

  1. Introdução: premissas conceituais. 

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem por objetivo afastar a separação patrimonial da empresa e de seus sócios, nos casos de abuso e fraude. Nas palavras de Marçal Justen Filho, "A desconsideração não é remédio para um defeito na criação ou manutenção da sociedade personificada. Bem por isso, seus pressupostos devem-se vincular à desnaturação funcional. O fundamento da desconsideração é o abuso funcional na utilização da pessoa jurídica, de molde a provocar um resultado incompatível, no caso concreto, com a previsão abstrata visualizada pelo ordenamento".1 2

Em situações em que a personalidade jurídica é utilizada como "véu" para o comportamento abusivo ou irregular de seus sócios e acionistas, a ordem jurídica admite alcançar o patrimônio destes, por dívida contraída em nome da sociedade, mediante a devida comprovação e o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Trata-se de medida excepcional, autorizada somente em hipóteses previstas taxativamente em lei. Em outras palavras, as hipóteses de aplicação do instituto não comportam interpretação analógica nem extensiva, devendo os elementos fraude e abuso estar presentes em todas as hipóteses de incidência, sejam elas regidas pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor.3

  1. O art. 28, CDC.

Ao longo de mais de três décadas de vigência do CDC, o art. 28, CDC, esteve no foco de debates e controvérsias. De acordo com a doutrina, esse dispositivo consagra a "teoria menor" da desconsideração da personalidade jurídica, enquanto o art.50, CC a "teoria maior".

O art. 28, caput, do CDC, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo quando "houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social". Na parte final do caput, foram acrescidas as hipóteses de "falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica", desde que provocadas "por má administração".

Quanto à primeira parte, a interpretação meramente literal do dispositivo deixa evidente ser imprescindível o abuso de direito, fraude, dolo, ou de qualquer atitude contrária às disposições legais e estatutárias. Nesse ponto, o Código de Defesa do Consumidor converge com a regra do art. 50 do CC, que prevê a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que, oportunamente, será objeto de um outro artigo nesta coluna.

Some-se a isso, a parte final do caput do art. 28, CDC, que dispõe sobre a desconsideração fundada na (i) falência, (ii) estado de insolvência, (iii) encerramento ou (iv) inatividade da pessoa jurídica. Todas essas hipóteses devem estar, necessariamente, relacionadas à "má administração da empresa". Como bem observou o Min. Moura Ribeiro, no voto proferido no AREsp nº 2.116.191/SP, "má administração da empresa" não significa falta de expertise, mas, sim, a má utilização da pessoa jurídica, com dolo negocial, má-fé, na tentativa de obter vantagem ilícita. Ou seja, imprescindível a comprovação de fraude ou má-fé4.

Isso, porque em uma economia de mercado, regida pela livre iniciativa, "inúmeros são os desafios enfrentados pelo empresário, sendo que o sucesso ou insucesso de seu negócio não dependerá, exclusivamente, de sua capacidade de administração".5

Essa conclusão decorre, além de uma interpretação jurídica-teleológica, de interpretação lógico-gramatical. Isso, porque a expressão "provocados por má administração" emprega a expressão "provocados" no plural, de modo a abranger todas as situações listadas no período. Por evidente, se a má administração estivesse vinculada somente à inatividade, o verbo estaria no singular, não restando quaisquer dúvidas.

Nesse sentido, leciona a doutrina que a "correta interpretação [do art. 28 do CDC] é no sentido de se exigir a inadequada gestão dos administradores para todas as hipóteses arroladas nesta segunda parte do dispositivo (...), até porque a desconsideração é medida excepcional".6 Isto é, "a simples insolvência da pessoa jurídica não é suficiente para caracterizar a má administração".7

Concluindo esse raciocínio, afirma Bruno Miragem que "as hipóteses de falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica não importam na desconsideração de per se. Ao contrário, apenas importam na desconsideração quando tais circunstâncias decorrem diretamente de má-administração".8

É de rigor, pois, a coexistência de (i) "má administração", sob a perspectiva apontada acima, e de (ii) algum estado de fato previsto na parte final do art. 28, entre eles, o estado de insolvência.

  1. O parágrafo 5º do art. 28.

Tem-se difundido - de forma equivocada, em nossa percepção - o entendimento de que basta o consumidor comprovar o inadimplemento do fornecedor ou a ausência de bens suficientes à quitação do débito, para se permitir, com base no §5º do art. 28 do CDC, a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente imputação de responsabilidade pessoal, usualmente direcionada ao sócio.

Porém, a aplicação irrestrita do § 5º do art. 28 dessa forma simplificada implicará, inevitavelmente, a "revogação da autonomia patrimonial no âmbito do direito do consumidor".9 Não é o simples prejuízo ou a situação de inadimplência que faz incidir a regra do § 5º - o dispositivo não pode ser interpretado em completa dissociação ao caput do mesmo art. 28.

O § 5º deve ser interpretado de forma teleológica e sistemática, em consonância com as demais disposições do artigo em que se insere, sob pena de tornar "letra morta o caput do mesmo art. 28 do CDC, que circunscreve algumas hipóteses autorizadoras do superamento da personalidade jurídica"10, justamente porque a desconsideração é uma exceção à autonomia patrimonial da empresa.  

Trata-se de regra básica de hermenêutica jurídica, no sentido de "que o parágrafo deve ser interpretado com base em seu caput, e não ampliar os seus termos ou contradizê-lo".11 Só cabe a desconsideração, pois, quando a personalidade jurídica da empresa for utilizada, como dito no item anterior, em fraude e má-fé.

Evidentemente, a mera existência de inadimplemento não significa que a personalidade jurídica constitui um "obstáculo" ao recebimento do ressarcimento pelo consumidor. Ao revés, as sociedades empresárias enfrentam crises econômicas, podendo, sim, chegar a uma situação de desequilíbrio financeiro. Mas isso não quer dizer que os sócios, acionistas ou membros de órgãos deliberativos criaram, deliberadamente, "obstáculos" à satisfação do crédito.

Interpretar o § 5º dessa forma equivaleria a eliminar o instituto da pessoa jurídica e o princípio da autonomia patrimonial no âmbito consumerista, pois, bastaria ignorar todos os critérios adotados pela legislação civil e pelo próprio CDC, sob um argumento genérico de que existem "obstáculos" ao crédito, mesmo que a conduta da empresa tenha sido sempre legítima e transparente.

Em outros termos, a prevalecer referido entendimento, "ter-se-ia que reconhecer que, no Direito brasileiro, não haveria autonomia patrimonial das pessoas jurídicas nas relações de consumo", e a função promocional do ordenamento, "que fomenta a associação de pessoas e recursos para consecução de fins superiores às forças de cada uma delas", seria simplesmente desconsiderada.12

Não por outro motivo, leciona Fábio Ulhoa Coelho, ao comentar o § 5º do art. 28, que "a simples insatisfação do credor não autoriza, por si só, a desconsideração". Qualquer interpretação em contrário, destaca o autor, "contraria os fundamentos técnicos da desconsideração". Isso, porque o instituto da desconsideração representa um aperfeiçoamento da teoria da personalidade jurídica da empresa e não sua negação, razão pela qual "ela só pode ter a sua autonomia patrimonial desprezada para a coibição de fraudes ou abuso de direito".13

O verdadeiro sentido da norma expressa no art. 28, em momento algum, autoriza a desconsideração da personalidade, sob o único fundamento de inadimplência. O CDC, em respeito à autonomia patrimonial e ao próprio instituto da desconsideração, exige mais: mostra-se imprescindível a existência de atos abusivos ou fraudulentos, não sendo suficiente a mera alegação de inadimplência.

Em outras palavras, não é suficiente que o consumidor invoque a insolvência da pessoa jurídica e a existência de bens no patrimônio dos sócios. Mostra-se imprescindível, também, que haja a demonstração de uma situação de anormalidade14, pois, à evidência, o expediente da desconsideração tem a função de corrigir desvios, que acontecem em casos excepcionais, autorizando o afastamento da regra geral da autonomia patrimonial, que é um desdobramento dos princípios constitucionais da livre iniciativa, previsto no art. 1º, IV, da CF, e da propriedade privada (arts. 170, II, e 5º, XXII, da CF).

 Os efeitos jurídicos do princípio da autonomia patrimonial se irradiam, também, no âmbito social e econômico, uma vez que incentivam o surgimento das empresas, permitindo, assim, o desenvolvimento das relações produtivas e de consumo. Afinal, a não separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios poderia implicar desestímulo à assunção de riscos negociais e, com isso, refletir no próprio desenvolvimento da economia nacional15.

A possibilidade de se afastar a regra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, intrinsecamente ligada à perspectiva de desenvolvimento do país, tem que ser entendida como uma exceção, e como acontece com toda exceção, deve ser objeto de interpretação cuidadosa e seu reconhecimento pelo judiciário deve ser cercado de todas as cautelas desejáveis. Na verdade, imprescindíveis.

Por isso, desconsiderar a personalidade jurídica exclusivamente com base no inadimplemento ou na insuficiência de bens para quitar suas obrigações implica, em nossa perspectiva, no desvirtuamento total do instituto da personalidade jurídica da empresa e de seu papel na sociedade. Atingir o patrimônio pessoal dos sócios, sem evidências mínimas de má utilização da pessoa jurídica, não é a solução.

Não por outra razão, observa-se uma tendência, ainda incipiente, na jurisprudência de afastar a responsabilidade pessoal do sócio que desempenha atos de gestão, a menos que haja prova de sua contribuição, ainda que culposa, em atos de administração16. Ou seja, além do mero inadimplemento ou insuficiência de bens do devedor, exige-se a comprovação da contribuição do sócio para aquele resultado.

No Direito norte-americano, por exemplo, há a regra do business judgment rule17, que consiste, em síntese, na proteção à autonomia decisória de administradores de sociedades que exerçam seu mister dentro dos parâmetros de lealdade e boa-fé, objetivando, assim, protegê-los de eventuais responsabilidades decorrentes de prejuízos apurados ou gerados para a companhia a partir de suas decisões.

Incumbe ao administrador da sociedade praticar todos os atos de gestão pertinentes à busca do objeto social da sociedade. Assim, os atos praticados no regular exercício da função, visando ao interesse da companhia e acima de tudo, praticados de boa-fé (observados os deveres dos administradores), não podem ensejar a responsabilização pessoal do administrador.

Uma correta compreensão do business judgment rule e sua aplicabilidade no direito brasileiro passa pela avaliação de aspectos como a boa-fé e pela comprovação de infração, pelo administrador, dos deveres que devem nortear sua posição, sem criar um cenário em que seja possível, de maneira quase imediata, a responsabilização por todo e qualquer prejuízo que a companhia venha a experimentar.

Em nosso sentir, tal raciocínio se revela capaz de equacionar os interesses, resguardando, por um lado, as relações de consumo, enquanto promove a proteção patrimonial de sócios e administradores da pessoa jurídica por atos hígidos e pertinentes de gestão na busca da realização do objeto social, conferindo maior segurança, o que, sabidamente, incentiva o exercício de atividade econômica, fundamental para o desenvolvimento do país.

  1. Necessária instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

 O CPC/2015 previu o procedimento para instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), nos arts. 133 a 137, para garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa. Esse capítulo refletiu o posicionamento jurisprudencial e doutrinário sobre a matéria18.

A desconsideração, como visto, consiste em exceção ao princípio da autonomia entre o patrimônio da sociedade e as pessoas que a integram na condição de sócios, acionistas, administradores, etc.

Tendo em vista a excepcionalidade19 das hipóteses em que é aplicável a teoria da desconsideração da personalidade, não se pode admitir - em qualquer relação jurídica que seja, consumo, cível, ambiental, etc. - que a sua ocorrência se dê sem o prévio contraditório.

A instauração do IDPJ, possível de ser suscitado em todas as fases do processo de conhecimento e execução20 (art. 134, caput, do CPC), visa a possibilitar às pessoas que integram a pessoa jurídica o exercício do contraditório pleno, inclusive com ampla produção de provas. Além disso, como a desconsideração da personalidade implica na expansão da responsabilidade patrimonial decorrente da obrigação discutida em juízo ao patrimônio de terceiros que, originariamente, não compunham a relação processual, essa medida não pode ocorrer sem o prévio contraditório, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.

Em verdade, é por intermédio do IDPJ que a parte interessada deverá "demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração da personalidade jurídica" (art. 134, § 4º, CPC).

O intuito do IDPJ é assegurar, a terceiros, o devido processo legal e a segurança jurídica, evitando-se, com isso, os excessos outrora cometidos. Não são poucas as decisões do STJ no sentido de que a instauração do IDPJ é obrigatória, o que não poderia ser diferente, tendo em vista a dicção da lei21.

Nesse mesmo sentido, observa-se que os Tribunais Estaduais de Justiça entendem como imprescindível a instauração do IDPJ, sob pena de violação ao contraditório22.

Tem-se, portanto, que em hipótese alguma poderá, o juiz, privar qualquer pessoa, física ou jurídica, de seus bens, por meio da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sem antes: i) instaurar incidente próprio de desconsideração, seja em ação de conhecimento, execução ou cumprimento de sentença (art. 134 do CPC); ii) informar à parte demandada (alheia à relação processual) a respeito do pedido formulado pela parte contrária;  iii) abrir vistas à parte para se manifestar a respeito dos elementos (fáticos e jurídicos) constantes no processo; e iv) levar em consideração os argumentos e provas apresentados pela pessoa que se pretenda atingir os bens, antes de se decidir pela desconsideração, ou não, da personalidade jurídica23.

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1 FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 135.

2 Não se trata, portanto, de fenômeno relacionado à existência ou validade dos atos jurídicos, nem mesmo com a eficácia dos atos em si. FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 155.

3 "A desconsideração não é remédio para um defeito na criação ou manutenção da sociedade personificada. (...). O fundamento da desconsideração é o abuso funcional na utilização da pessoa jurídica, de molde a provocar um resultado incompatível, no caso concreto, com a previsão abstrata visualizada pelo ordenamento". (JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 135).3

4 SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC e a efetiva proteção dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor, vol. 113, RT online, set./out. 2017.

5 BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Dissertação (Mestrado em Direito). 2009.

6 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002. Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, vol. 5, RT online, abr. 2011. No mesmo sentido: SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC e a efetiva proteção dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor, vol. 113, RT online, set./out. 2017.

7 BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Dissertação (Mestrado em Direito). 2009.

8 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 687.

9 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa, v. 2, p. 52-53.

11 BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Dissertação (Mestrado em Direito). 2009.

12 BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Dissertação (Mestrado em Direito). 2009.

13 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa, v. 2, p. 52-53.

14 FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 129.

15 Paulo Ricardo Pozzolo; Maria Angela Szpak Swiech; Lana Matienzo Gomes Pedrosa. Temas em Direito e Economia do Trabalho. Capitulo 6, A interação entre direito e economia na desconsideração da personalidade jurídica. FGV, Direito, Rio. 2021. Pp. 127-232. Disponível em: < https://dej.fgv.br/sites/default/files/arquivos/temas_direito_economia_trabalho_cap6.pdf> Acesso em: 20.11.2023.

16 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. INCIDENTE. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. TEORIA MENOR. SÓCIO. ATOS DE GESTÃO. PRÁTICA. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA. MULTA. AFASTAMENTO. 1. Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor e o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. 2. A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem, embora ostentando a condição de sócio, não desempenha atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração. 3. Na hipótese em que os embargos de declaração objetivam prequestionar a tese para fins de interposição de recurso especial, deve ser afastada a multa do art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973. Súmula nº 98/STJ. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.900.843/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 30/5/2023.)

17 Acerca da business judgment rule, há, ao menos, dois artigos já publicados na Coluna do Migalhas, a saber: 1º) A Business Judment Rule na responsabilidade civil. Disponível em: 2º) A aplicação da business judgment rule no direito brasileiro. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/339861/a-business-judment-rule-na-responsabilidade-civil>

18 Conforme apontam Marinoni, Arenhart e Mitidiero: "Em todos os casos de desconsideração (...) o terceiro só poderá ser alcançado pela eficácia da decisão judicial se regularmente desconsiderada a personalidade jurídica mediante incidente de desconsideração, que demanda contraditório específico e prova igualmente específica sobre a ocorrência dos pressupostos legais que a autorizam. A única hipótese em que o terceiro pode ser alcançado sem o incidente específico é aquela em que a desconsideração já vem desde logo requerida com a petição inicial, hipótese em que o sócio (desconsideração) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) será desde logo citada (art. 134, § 2º). Isso não quer dizer, porém, que o contraditório e a prova dos pressupostos legais da desconsideração estejam dispensados: de modo nenhum. Num e noutro caso é imprescindível o respeito ao direito ao contraditório e ao direito à prova do terceiro". Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 6. ed. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020. v. 2, p. 116.

19 "A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio de terceiros, é medida excepcional, sendo admitida apenas quando comprovados os seus requisitos, o que não ocorreu no caso". (STJ, AgInt no REsp 1337956/SP. 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.02.2017).

20 "O novo código inova ao prever um incidente específico e obrigatório para permitir a desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133/137). No passado, à falta de regulação própria, era decretada a desconsideração da personalidade jurídica sem a observância das garantias processuais ao terceiro requerido, como o contraditório amplo e, ainda, sem fundamentação adequada e, até mesmo, de ofício pelo juiz, desestimulando a atividade empresarial séria." (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 178).

21 "(...). Para que uma empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não sendo suficiente mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não integrou a lide na fase de conhecimento, nos termos dos arts. 28, § 2º, do CDC e 133 a 137 do CPC/2015. 2. Recurso especial provido para julgar procedentes os embargos de terceiro, a fim de decretar a nulidade da penhora sobre o patrimônio da recorrente. (STJ, REsp n. 1.864.620/SP, 4ª T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 19.09.2023). 

"(...). Por outro lado, segundo o entendimento jurisprudencial adotado por esta Colenda Corte, "é imprescindível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de que tratam os arts. 133 e seguintes do CPC/2015, de modo a permitir a inclusão do novo sujeito no processo (...)". (STJ, AgInt no REsp 1962045/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., DJe 16.12.2021). 

"(...). 6. Na hipótese de indícios de abuso da autonomia patrimonial, a personalidade jurídica da EIRELI pode ser desconsiderada, de modo a atingir os bens particulares do empresário individual para a satisfação de dívidas contraídas pela pessoa jurídica. Também se admite a desconsideração da personalidade jurídica de maneira inversa (...). 7. Em uma ou em outra situação, todavia, é imprescindível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de que tratam os arts. 133 e seguintes do CPC/2015, de modo a permitir a inclusão do novo sujeito no processo - o empresário individual ou a EIRELI -, atingido em seu patrimônio em decorrência da medida". (STJ, REsp 1874256/SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.08.2021). 

22 "(...). PLEITO DE DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU O PEDIDO, DETERMINANDO QUE SE INSTAURASSE PREVIAMENTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECISÃO ACERTADA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 133 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SOB PENA DE VULNERAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA". (TJSP, AI 2121788-78.2022.8.26.0000, rel. Des. Vito Guglielmi, 6ª C.D.P., DJe 25.11.2022). 

"(...). Independentemente de se estar caracterizado eventual grupo econômico ou mesmo sucessão empresarial, a jurisprudência deste Tribunal de Justiça entende que, para a consequente inclusão de empresa que não atuou como parte no processo, faz-se necessária a instauração de incidente próprio, nos moldes do art. 133 do Código de Processo Civil, com o fim de garantir o contraditório e a ampla defesa". (TJDF, AI 07187437920228070000, rel. Des. João Egmont, 2ª T., DJe 05.12.2022). 

"(...). Pedido de redirecionamento da cobrança fiscal às empresas do mesmo grupo econômico. Decisão interlocutória indeferindo o redirecionamento requerido, tendo em vista a necessidade de prévia instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, nos moldes do art. 133 do CPC. (...). Necessidade de submissão dos envolvidos ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, para fins de garantir o contraditório e a ampla defesa. (...)". (TJRJ, AI 0053839-66.2022.8.16.0000, Rel. Des. Cláudio Luiz Braga Dell'Orto, 18ª C.C., DJe 29.09.2022). 

23 A esse respeito, veja-se a lição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JOSÉ COELHO DIERLE NUNES: "Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da CF, contém os seguintes direitos: 1) direito de informação ..., que obriga o órgão julgador a informar a parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; 2) direito de manifestação..., que assegura ao defendente a possibilidade a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; 3) direito de ver seus argumentos considerados..., que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo... para contemplas as razões apresentadas...". (Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. RePro, v. 34, n. 168, fev./2009, p.135).