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O federalismo por cooperação no novo Marco Regulatório do Saneamento Básico: Saudades do que ainda não vivemos

A complexidade intercurricular do tema está diretamente imbrincada a diversos pontos polêmicos que se encontram referenciados nos novos diplomas legislativos.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Atualizado em 12 de janeiro de 2021 11:24

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O saneamento básico no Brasil é dívida histórica que pretende ser prioridade de pagamento pelo atual Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tal ideário levou o Executivo a estudar novas formas de atuação do Estado como agente propulsor do setor. Em diversas localidades, conclui-se que a sua execução por meio de empresas estatais não seria mais a modelagem adequada para a realidade atual.

Diante desta inequívoca realidade, desde 2017, o BNDES passou a elaborar projetos de desestatizações. Mais recentemente, houve a promulgação de nova lei federal do setor, qual seja, a lei 14.026/20, posteriormente, regulamentada por meio do decreto 10.588/20. Conhecida como o "Novo Marco Legal", trouxe inovações, como a regulação referencial da Agência Nacional de Águas (ANA) e a submissão das companhias estaduais ao regime de competição. Mas, acima de tudo, o Novo Marco aposta na prestação regionalizada e na cooperação federativa com mais ênfase do que o fazia o marco promulgado em 2007.

A complexidade intercurricular do tema está diretamente imbrincada a diversos pontos polêmicos que se encontram referenciados nos novos diplomas legislativos referidos. Um tópico que merece grande destaque diz respeito exatamente à distribuição das competências federativas. Em síntese, consolidou-se o entendimento de que a competência em matéria de saneamento básico seria da municipalidade, salvo em caso de Região Metropolitana, nos termos do art. 25, § 3º, do Texto Constitucional. Ungido dessa ideia, o Novo Marco Legal do Saneamento entendeu por instituir mecanismos de indução à adoção de práticas uniformes em matéria regulatória, tendo como paradigma primário os regulamentos editados pela União Federal.

Em interessante texto, Rodrigo Mascarenhas1 questiona se o legislador federal não estaria extrapolando seus poderes regulamentares e esvaziando, por via transversa, a autonomia federativa ao condicionar o repasse de recursos à adoção dos diplomas federais, ao adotar postura ampliativa do que seriam as diretrizes gerais sobre a matéria. Igualmente instigante a avaliação de André Cyrino2 ao afirmar que as normas de referência informam o que convencionou designar de padrões nacionais de regulação com vistas, em síntese, a instituir aparato normativo para viabilizar a meta de universalização de saneamento básico em uma espécie de soft law federativa.

Aqui, propõe-se adoção daquela que se apresenta como a forma nuclear de investigação de qualquer proposta jurídica vigorosa: a interpretação conforme à Constituição Federal. Por essa ótica, deve-se preservar a autonomia federativa, de forma que as diretrizes impostas na nova lei de saneamento devem ser lidas como instrumento de concretização do federalismo cooperativo.

Logo, sempre que a peculiaridade regional ou local impuser razões de ordem prática para a impossibilidade de cumprimento das normas de referência, descabe à União Federal limitar o repasse de verba à obediência destas. Ou seja: a regra geral é que, em prol da segurança jurídica, a premissa seja de cumprimento da regulação federal, militando em face daquele ente que pretende o distinguishing de sua situação concreta o ônus probatório da comprovação de suas alegações.

Impõe-se, neste contexto, que haja deferência judicial à análise da Agência Reguladora sobre a casuística da excepcionalidade, tendo em vista ser a titular de capacidade técnica para exercer tal desiderato. Por essa razão, que o olhar deve se focar na fundamental importância de opções técnicas dos dirigentes de agências reguladoras, pois somente assim lhe será legitimada a deferência que lhe deve ser tão cara ao cumprimento da missão institucional que lhe foi atribuída. O discrímen da escolha do agente público que integrará o órgão regulador, o fortalecimento institucional das agências e a edição de atos reguladores é que lhe garantirão a deferência dos atores sociais regulados, bem como daqueles que sofrem os efeitos indiretos da regulação.

Tais cometimentos serão fundamentais para granjear-se a tão esperada universalização do serviço, que depende, justamente, de atuação pautada pela técnica e pela limitação de interferências políticas desacertadas. Mais do que isso, é preciso avançar e favorecer o vanguardismo da gestão regionalizada, sem fechar os olhos para os casos em que a titularidade continuará a ser exercida pelos municípios. Seja como for, é chegada a hora de se apostar em instrumentos como os consórcios públicos, e nos novos mecanismos, como as microrregiões, os blocos de referência e as unidades de saneamento, como forma de impulsionar o saneamento em escala compatível com o infeliz atraso do país em entregar saneamento de qualidade aos seus cidadãos, de maneira a suprir o desastroso déficit de infraestrutura social do país, atingindo-se, assim, o pleno desenvolvimento nacional.

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1 MASCARENHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. A Ana e a Federação por Água Abaixo: notas sobre o novo marco legal do saneamento. Disponível clicando aqui. Acesso em 4/1/21

2 CYRINO, André. A nova Agência Nacional de Águas e as normas de referência: soft law federativo? Acesso em 4/1/21.

Augusto Neves Dal Pozzo

Augusto Neves Dal Pozzo

Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

Thaís Marçal

Thaís Marçal

Mestre em Direito pela UERJ. Advogada e árbitra listada no CBMA, CAMES e CAMESC. Coordenadora acadêmica da ESA OAB/RJ.

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