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Expectativa a partir da manutenção dos vetos ao novo Marco do Saneamento Básico

Com a manutenção do veto ao aludido dispositivo, em regra, será obrigatória a realização de licitação para assinatura de contrato de concessão, sendo proibida a celebração de contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Atualizado às 12:35

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 17 de março, o Congresso Nacional decidiu pela manutenção dos vetos da presidência da República à lei 14.026, de 15 de julho de 2020 (lei 14.026). A lei 14.026 introduziu o novo Marco do Saneamento Básico, com a promessa de fomentar maior participação de players que demonstrem capacidade de investir no setor, de forma a viabilizar a meta histórica de universalização de acesso da população a serviços de saneamento básico.

A notícia gerou surpresa positiva no mercado, especialmente quanto à manutenção do veto ao art. 16 da lei 14.026, o qual previa a possibilidade de renovação de contrato de programa cujo prazo tivesse expirado, ou mesmo a regularização de "situações de fato", isto é, a prestação de serviços de saneamento por empresa estatal sem a assinatura de contrato formal - realidade que infelizmente ainda se mostra presente em diversas unidades federativas. O parágrafo único do dispositivo vetado ia além, ao permitir a celebração de novos contratos de programa com prazo máximo de 30 anos, desde que devidamente adaptados à realidade do novo Marco - ou seja, mediante a adoção de metas e comprovação da capacidade econômico-financeira do respectivo operador com vistas à universalização dos serviços até o final do ano de 2033 (art. 10-B da lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007 - lei 11.445).

Com a manutenção do veto ao aludido dispositivo, em regra, será obrigatória a realização de licitação para assinatura de contrato de concessão, sendo proibida a celebração de contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária, de acordo com a redação atual do art. 10 da lei 11.445.

O justificado otimismo decorrente da manutenção dos vetos presidenciais vem na esteira de importantes avanços conquistados a partir da aprovação do novo Marco, a exemplo do maior protagonismo da União no setor, tanto a partir da atribuição de competência regulatória à Agência Nacional de Águas (ANA) como da estruturação de projetos pela experiente equipe do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Além de ampliar a segurança jurídica, o novo Marco prevê a alocação prioritária de recursos a blocos regionais, modelo esse que permite ampliação de escala considerável dos projetos, o que tende a atrair grandes players locais e internacionais. Portanto, a proibição à celebração de novos contratos de programa representa mais um avanço, pois torna obrigatória a realização de licitação quando do encerramento de contratos de programa (ou em casos de prestação informal de serviços), permitindo ingresso nas respectivas localidades de players capazes de operar com maior nível de eficiência e de efetivamente investir na ampliação dos níveis de serviço visando à universalização.

Como sempre, a realidade setorial se revela mais complexa que o campo normativo. Em primeiro lugar, há que se considerar que a prestação dos serviços é com alguma frequência realizada por ente estatal controlado pelo respectivo titular dos serviços, hipótese em que passa a ser controversa a obrigatoriedade de licitação, por força do citado art. 10 da lei 11.445. É o que ocorre, por exemplo, quando serviços prestados em nível local são assumidos por empresa municipal de saneamento. Há quem defenda, ainda, a possibilidade de contratação de empresa estadual pela respectiva região metropolitana, cuja governança (a depender da respectiva lei estadual de regência) pode compreender poderes para escolha de prestador único de serviços de saneamento.

Outro aspecto desafiador reside nas limitações dos entes públicos (especialmente municípios) para lidar com eventual regime de transição entre operadores de saneamento - matéria essa que até o momento não foi disciplinada por norma específica. Além das complexidades envolvidas na estruturação de licitações, há que se considerar que os operadores que se veem mais ameaçados pelo novo Marco tendem a pressionar pela extensão de contratos de programa como medida de reequilíbrio por possíveis investimentos não amortizados. Essa tese se filiaria à suposta diferença entre renovação e mera extensão, e ganharia contornos mais complexos com referência a contratos contendo cláusulas expressas permitindo extensão de prazo. Seria importante que os reguladores - a ANA em particular - se posicionassem sobre o tema, de forma a impedir a renovação ou extensão de prazo de contratos de programa nesses moldes, sob pena de restar ameaçado um dos principais pilares do novo Marco: obrigar a realização de licitações para escolha de operadores comprovadamente mais eficientes.

Tão relevante quanto o veto ao art. 16 da lei 14.026 é a necessidade de adaptação de contratos em vigor ao novo Marco do Saneamento Básico até 31 de março de 2022. Tal obrigatoriedade decorre do art. 11-B da lei 11.445. De acordo com tal norma, os contratos deverão prever metas a serem atingidas até 31 de dezembro de 2033, compreendendo: (a) fornecimento de água potável a 99% da população abrangida e (b) índice de coleta e tratamento de água de 90%1.

O novo Marco do Saneamento atrela a adoção de metas de expansão à mensuração da capacidade econômico-financeira dos prestadores (art. 10-B). De acordo com o art. 10-B, parágrafo único, da lei 11.445, o Poder Executivo editaria decreto para regulamentar o tema no prazo de 90 dias a partir da entrada em vigor do novo Marco, o qual venceu em outubro de 2020. Apesar da consulta pública realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional em agosto do ano passado, até o momento não foi editado o referido decreto, o que ameaça comprometer a adaptação dos contratos em vigor preconizada pela lei 14.026.

O setor considera urgente a edição do decreto que regulamentará a demonstração de capacidade econômico-financeira dos prestadores, já que o prazo introduzido pela lei 14.026 para adaptação de contratos vigentes vencerá em um ano. Há certo receio de que a demora do governo seja utilizada como argumento para inviabilizar a adaptação dos contratos até 31 março de 2022. Historicamente, o adiamento de meta prevista em lei não seria uma novidade no setor (basta lembrar que as metas de universalização que haviam sido introduzidas pela lei 11.445 foram postergadas).

Espera-se que o decreto em questão estabeleça parâmetros objetivos para mensuração da capacidade econômico-financeira, de forma a permitir a adaptação dos contratos existentes e a eventual transição entre operadores na hipótese de não serem demonstradas condições mínimas para atingimento de metas de universalização impostas por lei. Tal definição - que parece ser o principal caminho normativo para substituição de prestadores ineficientes - se sobreporia a eventual divergência sobre os efeitos do veto ao art. 16: afinal, o prestador que não comprovasse capacidade econômico-financeira para investir seria substituído, independentemente do prazo de vigência do respectivo contrato.

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1 A norma também prevê a necessidade de estabelecimento de metas qualitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhorias dos processos de tratamento.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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Roberto Zilsch Lambauer

Roberto Zilsch Lambauer

Advogado do Pinheiro Neto Advogados.

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