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Audiências virtuais - O legado da covid-19 ao Poder Judiciário

Entre erros e acertos, as audiciências virtuais devem ser consideradas como o grande legado da covid-19 ao Poder Judicário, haja vista os impactos sociais que produzem.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Atualizado às 08:52

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia da covid-19 ocasionou impactos no Poder Judiciário, pois repentinamente necessitou substituir as audiências presenciais arraigadas em nosso sistema, por virtuais, para manter a adequada prestação jurisdicional.

A pandemia representa uma imprevisão, situação atípica, que hoje perdura não só no Brasil, mas no mundo, por mais de um ano, motivo pelo qual, por bom senso e por questão de saúde pública, o rigor do Judiciário, passou a ser substituído, com naturalidade, por cooperação, desenvolvimento e tecnologia.

Entre erros e acertos, as audiciências virtuais devem ser consideradas como o grande legado da covid-19 ao Poder Judicário, haja vista os impactos sociais que produzem.

Inobstante a previsão legal contida no artigo 286, § 3º¹ do Código de Processo Civil, desde março de 2015, anteriormente à pandemia da covid-19, poucas eram as audiências realizadas no formato virtual, uma vez que nem todos os tribunais estavam equipados e preparados para tal mudança.

No entanto, em pouco tempo houve a disponibilização e o uso das mais diversas ferramentas e plataformas para a realização das audiências como: Whatsapp, Google, Hangouts, Zoom, Cisco Webex, entre outras. Contudo, apesar da rápida disponibilização e uso, observa-se a necessidade de adequações e regulamentações urgentes para a máxima efetividade da prestação jurisdicional.

O Conselho Nacional de Justiça, em 19 de novembro de 2020, publicou a Resolução 354/20, que dispõe sobre o cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial. A medida abrange atos das unidades jurisdicionais de primeira e segunda instâncias dos Estados, Federal, do Trabalho, Militar e Eleitoral, bem como os Tribunais Superiores com exceção do Supremo Tribunal Federal.

Além de tecer regramentos para a realização de audiências, o artigo 8º, da Resolução 354, estabelece os casos em que a citação ou intimação poderão ser cumpridas por meio eletrônico desde que assegure o conhecimento do destinatário.

Seguindo a sistemática adotada pelo do Código de Processo Civil de 2015, a Resolução também traz conceitos teóricos, inicialmente esclarecendo em seu artigo 2º, que videoconferência é a comunicação à distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; telepresenciais são as audiências ou sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias.

Na sequência, a Resolução 354 estipula as situações em que as audiências telepresenciais poderão ser determinadas, como por exemplo: nos casos de urgência, substituição ou designação de magistrado com sede funcional diversa; mutirão ou projeto específico; conciliação ou mediação; e indisponibilidade temporária do foro, calamidade pública ou força maior.

A referida Resolução também prevê que salvo nos casos de apresentação espontânea, o ofendido, as testemunhas e o perito residentes fora da sede do Juízo serão inquiridos e prestarão esclarecimentos por videoconferencia², do mesmo modo, poderão fazer os advogados, públicos e privados, e os membros do Ministério Público, no que tange a sua própria participação e de seus representados (artigo 5º, Resolução 354/20), tudo a depender da viabilidade técnica e do Juízo de conveniência do magistrado.

No que se refere às regras para a realização das audiências telepresenciais e as participações por videoconferência em audiências ou sessões, o artigo 7º, da Resolução 354/20 prevê que: (i) as oitivas telepresenciais ou por videoconferência serão equiparadas às presenciais para todos os fins legais, asseguradas a publicidade dos atos e as prerrogativas processuais; (ii) as testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos umas das outras; (iii) quando o ofendido ou testemunha manifestar desejo de depor sem a presença de uma das partes do processo,  a imagem poderá ser desfocada, desviada ou inabilitada, sem prejuízo da possibilidade de transferência para lobby ou ambiente virtual similar; (iv)  as oitivas telepresenciais ou por videoconferência serão gravadas, devendo o arquivo audiovisual ser juntado aos autos ou disponibilizado em repositório oficial de mídias indicado pelo CNJ; (v) a publicidade será assegurada, ressalvados os casos de segredo de justiça, (vi) a participação em audiência telepresencial ou por videoconferência exige que as partes a mesma liturgia dos atos processuais presenciais, inclusive quanto às vestimentas; (vii)  a critério do juiz, poderão ser repetidos os atos processuais dos quais as partes, as testemunhas ou os advogados não tenham conseguido participar em virtude de obstáculos de natureza técnica, desde que devidamente justificados.

Nessa linha, vale destacar também o conceito de Audiência que segundo Fredie Didier Jr., Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira³ é a sessão pública, presidida por órgão jurisdicional, com a presença e participação das partes, advogados, testemunhas e auxiliares da justiça, que tem por escopo tentar a conciliação das partes, produzir prova oral, debater e decidir a causa4.

Nas audiências virtuais a sessão ocorre em um ambiente virtual com o mesmo objetivo, ou seja, o de conciliar ou julgar a causa ouvindo as partes, testemunhas e interessados na resolução do litígio.

Importante destacar que ocorrendo no tribunal ou no ambiente virtual, a observância das normas processuais constitucionais não podem ser renegadas ou relegadas a um segundo plano, e não o foram, porque muitas delas constam expressamente da Resolução 354/20.

Com efeito, é sabido que as normas revelam, no campo do comportamento humano, a diretriz de um comportamento socialmente estabelecido. Por outro lado, as normas constitucionais são aquelas previstas na Constituição Federal e, que, dá a diretriz às normas processuais, garantido às partes envolvidas um adequado modelo de processo jurisdicional, em consonância com os direitos e garantias constitucionais.

Importante ressaltar cada um dos direitos constitucionais processuais:

(a) Direito à igualdade e à paridade de armas: (artigo 5º, caput, da Constituição Federal), cujo proposito primordial é assegurar às partes o tratamento igualitário durante todo o iter processual;

(b) Direito ao contraditório e à ampla defesa: (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal), que assegura às partes, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

(c) Direito à duração razoável do processo: (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), garante a todos a razoável duração do processo e os meios de celeridade de sua tramitação;

(d) Direito à publicidade: (artigo , inciso LX, da Constituição Federal): estabelece que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

(e) Direito à segurança jurídica e à proteção da confiança: (artigo , caput e inciso XXXVI, da Constituição Federal) - garante igualdade de tratamento perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

(f) Direito ao juiz natural: (artigo , incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal), dispõe que ninguém será processado nem sentenciado, senão pela autoridade competente e que não haverá juízo ou tribunal de exceção;

(g) Direito à motivação das decisões judiciais: (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal) todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

(h) Direito à produção de prova lícita: (artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal) estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

(i) Direito à assistência jurídica integral e gratuita: (artigo , incisos XXXV e LXXIV, da Constituição Federal) este direito significa que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito e garante que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos para a defesa de direito.

Os direitos e garantias assegurados constitucionalmente devem sempre ser invocados pelas partes, quando da realização da audiência e da sua inobservância pelo magistrado, com a interposição dos recursos cabíveis, sob pena, de violação da lei Maior.

Passado mais de um ano desse balão de ensaio de audiências telepresenciais e por videoconferência, este, ainda carece de algumas adequações e regulamentações para a manutenção e a obtenção do impacto social pretendido, ou seja, da efetiva e célere prestação jurisdicional, do que parecer ser o futuro do processo judicial.

Note-se que, inicialmente, a Portaria 61/20 do Conselho Nacional de Justiça datada de 31/3/20, instituiu plataforma emergencial de videoconferência (Cisco Webex) para a realização de audiências e sessões de julgamentos no Poder Judiciário, disponível a todos os segmentos de Justiça, Juízos de Primeiro e Segundo Graus de jurisdição, bem como os Tribunais Superiores. No entanto, o uso da plataforma foi instituído de modo facultativo e não excluiu a utilização de outras ferramentas tecnológicas para o alcance desse objetivo.

Posteriormente, a Resolução 337, do Conselho Nacional de Justiça, de setembro de 2020, permitiu que cada Tribunal adotasse o sistema de videoconferência para as audiências de sua conveniência, desde que compatível com o sistema processual eletrônico. Além disso, referida Resolução estabeleceu a necessidade da plataforma permitir: (a) transmissão de áudio e vídeo entre dois ou mais participantes, de forma simultânea e em tempo real; (b) o agendamento de reuniões, sessões e audiências, com possibilidade de envio de convites para os participantes por e-mail; (c) participação/conexão de convidados pelo uso de navegadores de internet, aplicativo ou programa próprio do fabricante, com segurança de controle de acesso por meio de senha e/ou link gerado pelo organizador; compartilhamento de telas, arquivos de conteúdo multimídia entre os participantes; (e) controle de ativação das funções áudio e vídeo pelos participantes; (f) bloqueio das salas para o ingresso de integrantes mediante aprovação do organizador das audiências, sessões e reuniões; (g) o envio de mensagens de texto pelos participantes; (h) gravação das reuniões, audiências e sessões em formato MP4 e outros formatos abertos de arquivos de áudio/vídeo, no dispositivo (computador) de origem do organizador da reunião e/ou em local centralizado disponibilizado pela solução de videoconferência.

Verifica-se, portanto, que o próprio Conselho Nacional de Justiça permitiu a diversidade de plataformas, o que gera insegurança às partes e aos seus procuradores e, inobstante a tentativa de regulamentação descrita nas inúmeras Resoluções, a falta de um procedimento claro e específico para as audiências de instrução e julgamento, muitas vezes levam as partes a insistirem na realização do ato de forma presencial, como forma de assegurar a prestação jurisdicional mais adequada a esta importante fase processual, qual seja, a produção de provas.

No entanto, é certo que as audiências virtuais vieram para ficar, com a possibilidade de evidente impacto positivo no decorrer dos anos, especialmente, no que se refere a celeridade e efetividade processual. Para tanto, importante esse alinhamento, a fim de que as audiências virtuais garantam às partes envolvidas a adequada prestação jurisdicional.

Importante também ressaltar que o principio da cooperação (artigo 6º, do Código de Processo Civil) e da boa-fé processual (artigo 5º, do Código de Processo Civil) devem se fortalecer e podem servir de grande aliado para a solução de pequenas controvérsias.

Além disso, as audiências virtuais devem ser consideradas como uma ferramenta tecnológica de impacto social que se encaixa no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 16, da Agenda 2030, proposta pela ONU aos seus países membros, no qual o Brasil como Parte Signatária se inclui.

Destaque-se que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 16, está justamente relacionado à promoção de sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionando o acesso à justiça para todos e a construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

Com isso, pode-se concluir que observando os principios constituicionais processuais e regulamentando as questões neste artigo apontadas, utilizando plataformas seguras e regras claras e adequadas, a expectiva é de que as audiências virtuais deem um salto que, ao final, represente uma sociedade mais inclusiva, com a maxima efetividade jurisdicional e segurança jurídica para os jurisdicionados.

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1. Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial. (...)

§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

2. Art. 4º Salvo requerimento de apresentação espontânea, o ofendido, a testemunha e o perito residentes fora da sede do juízo serão inquiridos e prestarão esclarecimentos por videoconferência, na sede do foro de seu domicílio ou no estabelecimento prisional ao qual estiverem recolhidos.

§ 1º No interesse da parte que residir distante da sede do juízo, o depoimento pessoal ou interrogatório será realizado por videoconferência, na sede do foro de seu domicílio.

§ 2º Salvo impossibilidade técnica ou dificuldade de comunicação, devese evitar a expedição de carta precatória inquiritória.

3.  DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula S. e DE OLIVEIRA, Rafael A., Curso de Direito Processual Civil, Volume 2, Editora Jus Podivim, 16ª Edição, 2021, pag. 34.

4. A Resolução 345, de 09/10/20, do Conselho Nacional de Justiça, autorizou a adoção, pelos tribunais, das medidas necessárias à implementação do "Juízo 100% Digital" no Poder Judiciário (art. 1º), modelo em que todos os atos processuais devem ser praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto, por intermédio da rede mundial de computadores (art. 1º, par. único). A escolha pelo "Juízo 100% Digital" é facultativa e consensual; cabe às partes fazer essa opção na peça inicial e na defesa (art. 3º, caput e §1º). Havendo opção pelo "Juízo 100% Digital", as audiências e sessões devem ocorrer exclusivamente por videoconferência (art. 5º). A audiência diz-se de "instrução e julgamento", porquanto sejam esses seus objetos centrais: instruir (produzir provas) e julgar (decidir) oralmente - não obstante também contenha uma tentativa de conciliação e um momento de debate (alegações finais). É designação tradicional na linguagem processual brasileira.

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ARAGÃO, Alexandre. Audiências públicas virtuais: possibilidade e limites durante a pandemia da covid-19. Disponível aqui. Acesso em: 03 mar. 2021.

BANDEIRA, Regina. Plataforma emergencial viabiliza atos processuais por videoconferência. Agência Nacional de Justiça. Disponível aqui. Acesso em:01 fev. 2021 

BOAS práticas de trabalho remoto Webex. Cisco Webex. Disponível aqui. Acesso em 01 jul. 2020

CNJ. Uso de WhatsApp para intimação é regulado na Justiça Federal de PE. Conselho Nacional de Justiça. Disponível aqui. JFPE> Acesso em: 01 mar. 2021.

DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula S. e DE OLIVEIRA, Rafael A., Curso de Direito Processual Civil, Volume 2, Editora Jus Podivim, 16ª Edição, 2021, pag. 34.

FERRAMENTAS para advogados: como usar as tecnologias que você já conhece de maneira inovadora. Disponível aqui. Acesso em: 03 fev. 2021.

FERREIRA, Rafael Tomaz. CPC de 2015 faz uso quase metafórico de conceitos teóricos do Direito. Disponível aqui. Acesso em 21 abr 2021

MELO, Jeferson. Agência CNJ de Notícias. Disponível em: <  https://www.cnj.jus.br/recomendacao-incentiva-regras-locais-para-atendimento-virtual-na-justica/> . Acesso em: 01 fev. 2021

MELO. Jeferson. CNJ detalha regras para a realização de sessões e audiências por meio digital. Disponível aqui. Acesso em 21 abr. 2021

OLIVEIRA. Elton. A história da profissão. Disponível aqui . Aacesso em: 30 jul. 2020.

ORIENTAÇÕES para a realização de audiências virtuais. Associação de Advogados de São Paulo. 06 maio 2020.  Disponível aqui. Acesso em 01 de jul. 2020.

PODCAST: AMC: magistrados acreditam que as audiências virtuais vieram para ficar. Disponível aqui. Acesso em 01 mar. 2021.

REGIS. Erick S. Considerações sobre a citação por meio eletrônico no novo código de processo civil brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 03 fev. 2021.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Decreto Judiciário 172/20 - Poder Judiciário -. Disponível aqui. Acesso em: 01 jul. 2020.

VIANA Anne K. Disponível aqui. Acesso em 03 mar. 2021.

Maria Amelia Mastrorosa Vianna

Maria Amelia Mastrorosa Vianna

Sócia do Pereira Gionédis Advogados, especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (Ibej), Diretora Institucional do Cesa-PR, Presidente da Comissão de Sociedades de Advogados da OAB-PR, conselheira estadual da OAB-PR.

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