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Amor e preconceito: A família de Paulo Gustavo foi legitimada pelo STF

Por que o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas é tão importante? Por segurança jurídica!

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Atualizado às 14:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 4 o país perdeu um grande artista que, com talento e sua história familiar, conquistou o país. Paulo Gustavo representou inúmeros personagens, atuou politicamente, mas, principalmente, foi militante dos direitos das mulheres e da comunidade LGTBQI+ ao narrar a trajetória de sua mãe e sua história pessoal

Paulo fez comédia com inteligência ímpar, bateu recorde de bilheteria em um filme que tem como desfecho um casamento entre dois homens. Ao lado de seu marido, Thales, protagonizou uma linda história de amor - de dois homens com um objetivo comum: constituir família. Paulo e Thales realizaram, também, o sonho da paternidade, tiveram dois filhos.

Mas, a legitimação da história de amor de Paulo, que permeava sua arte, só foi possível pois há 10 anos (em 5/5/11) o Supremo Tribunal Federal reconheceu as uniões homoafetivas como família, no julgamento da ADPF 132 em conjunto com a ADIn 4.277. O julgamento em questão significou muito para o ordenamento jurídico nacional e, sobretudo, aos casais homossexuais. 

A definição de família utilizada pelo Ministro Relator da decisão traduz a história do casal e, também, embasa o acolhimento que Paulo teve de sua mãe e demais parentes quando assumiu sua orientação sexual:

O que faz uma família é, sobretudo, o amor - não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade.

A decisão do STF ainda consignou que a família é um fato social e cultural que detém conceito amplo e mutável.   

Três anos após a nossa Suprema Corte definir que as uniões estáveis entre homossexuais têm exatamente os mesmos direitos que as heterossexuais, o Conselho Nacional de Justiça (resolução 175/13) proibiu que as autoridades competentes se recusassem a habilitar e celebrar casamento civil ou converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Não há, portanto, legislação específica em nosso país que legitime as relações familiares entre pessoas do mesmo sexo, mas, uma decisão do Supremo Tribunal Federal e uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça. 

Como dito, o julgamento ocorreu em 5/5/11, contudo, ante o conservadorismo da Câmara e do Senado e das evidentes influências religiosas nas pautas políticas no país, persiste a insegurança jurídica aos homossexuais e demais famílias diversas do casamento heterossexual. 

Tramita hoje, em evidente retrocesso, o PL 6.583/13, que pretende definir como entidades familiares somente casamento e união estável formados exclusivamente a partir da união entre homem e mulher.

Por outro lado, tramita, em paralelo, o Estatuto das Famílias do século XXI, PL 3.369/15, que objetiva o reconhecimento das famílias plurais: "todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas."

E por que o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas é tão importante? Por segurança jurídica! Paulo e Thales puderam casar e registrar seus filhos em razão da decisão do Supremo. Thales pôde, ainda, acompanhar a internação hospitalar de Paulo e tomar decisões sobre seus tratamentos médicos e, com o lamentável falecimento do marido, terá direitos sucessórios, previdenciários, dentre outros, garantidos. Se aprovado o Estatuto da Família (projeto de lei 6.583/13) outros casais, que da mesma forma vivenciam uma relação familiar de amor, não terão esses direitos. 

Paulo foi símbolo de muitas lutas em um país homofóbico e preconceituoso, mas, sem dúvidas, marcou a história das famílias brasileiras ao demonstrar com arte, carisma e humor que não existem barreiras para o amor e que o conceito tradicional de família (casamento heterossexual) está superado

Diana Karam Geara

Diana Karam Geara

Advogada e sócia do Núcleo de Direito de Família e Sucessões do Escritório Professor René Dotti.

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