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Alguns esclarecimentos sobre a Reforma Tributária

Mesmo para aqueles que entendem que PIS e COFINS não se somam a esses percentuais, alcançamos mesmo assim 54% totais de incidência sobre a renda.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Atualizado às 09:50

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Sob um discurso de simplificação e construção de uma política distributiva - alcançando as empresas com mais capital - o Poder Executivo Federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que promove diversas alterações no cenário jurídico tributário, tanto em relação à pessoa física quanto à pessoa jurídica.

A mais significativa e que tem gerado o maior volume de debates é a tributação dos dividendos. De acordo com o governo, os 20% propostos para a taxação de dividendos e lucros, por ocasião da sua distribuição, de forma exclusiva e definitiva, estão abaixo da medida da OCDE, que está em 24,1%.

Todavia, esse discurso não leva em consideração que, antes da tributação na física, os lucros da pessoa jurídica já serão objeto de tributação, afinal a cobrança sobre dividendos é feita após o lucro líquido, ou seja, após a taxação do lucro das empresas.

Assim, aos citados 20% devem sim ser somadas as alíquotas de IRPJ (15% + 10%), CSLL (9%), PIS (1,65%) e COFINS (7,6%), ao exemplo das empresas tributadas no lucro real. Isso nos remete a grosso modo - pois são tributos com bases de cálculos pouco diferentes - a uma soma de 20% na física e 43,25% na jurídica, gerando um total de carga tributária sobre este montante de 63,25%. Mesmo para aqueles que entendem que PIS e COFINS não se somam a esses percentuais, alcançamos mesmo assim 54% totais de incidência sobre a renda.

Também se considerarmos a tributação da pessoa jurídica no lucro presumido, haverá igualmente um aumento da carga tributária efetiva. É o exemplo dos setores de serviços incluídos na base presumida de 32% que, somando-se os 20% tributáveis na física, devem ser computados os efetivos de IRPJ (4,8% + 3,2%), de CSLL (2,88%), de PIS (0,65%) e de COFINS (3%) totalizando a grosso modo 34,53% de alíquota efetiva ou 30,88% caso não computados PIS/COFINS.

Na proposta do governo, o atual adicional de 10% para empresas lucrativas é mantido, mas há redução na alíquota cobrada sobre todas as firmas. Ela passará de 15% para 12,5%, em 2022, chegando ao patamar de 10%, em 2023. Assim, a proposta dá fôlego para as empresas em prejuízo, todavia penaliza com altas cargas tributárias as companhias lucrativas, indo a contramão do progresso e do desenvolvimento nacional.

Na base de cálculo, o projeto também buscou aproximar as bases da CSLL e do IRPJ, que atualmente possuem composições diversas. Com um discurso de harmonização entre IRPJ e CSLL, traz para a contribuição limites e condições hoje impostas ao IRPJ, resultando, mais uma vez, num outro mecanismo disfarçado de aumento de carga tributária. Isso repercute negativamente para as empresas, tornando determinadas despesas indedutíveis, especialmente nas situações envolvendo royalties, aluguéis, gratificações e participações de diretores, assistência técnica com o exterior e publicidade. Inexiste qualquer razão ou motivo de política fiscal que justifique esta empreitada.

Em termos de regime ou sistemática de apuração, o projeto ainda propõe uma padronização de apuração trimestral do IRPJ e da CSLL para todas as empresas. Atualmente é concedida a alternativa de uma apuração anual desses tributos.

Chama especial atenção a carga tributária total nas pessoas jurídicas submetidas ao lucro real com a nova incidência sobre os dividendos, alcançando o patamar de 63,25% contribuindo para que o Brasil se torne o País no topo da lista das 20 Nações que mais tributam as empresas1, superando o atual número um, país do Comoros na África.

Em caso análogo de aumento da alíquota da contribuição previdenciária que, em conjunto com o imposto sobre a renda alcançava quase 50% do salário dos servidores públicos, o STF declarou a inconstitucionalidade da nova incidência por violação ao Princípio do Não Confisco (art. 150, IV, da CF/88). Isso mostra que o novo projeto encontra-se desalinhado com as perspectivas e entendimentos atuais e, caso seja aprovado, poderá ser judicialmente questionado logo no início de sua vigência.

No sentido da desoneração, o projeto privilegia as micro e pequenas empresas e estabelece isenção para estas até o limite de R$ 20 mil por mês. Por outro lado, tributa com alíquota de 35% os dividendos distribuídos que não tenham sido apurados na forma da legislação comercial como pagamentos a beneficiários não identificados.

Adicionalmente, o Executivo propõe vedar a dedução de juros sobre capital próprio, equiparando-o a investimento financeiro de capital. Esvazia o instituto, que sempre serviu de mecanismo de atração de investimentos, e põe fim ao autofinanciamento da empresa com recursos de seus sócios. Mais um elemento do projeto de difícil aceitação e que pode ser judicialmente questionável no que tange os direitos adquiridos sobre essa sistemática no passado.

A proposta inclui, ainda, novas regras para a tributação do ganho de capital na venda de participações societárias, visando evitar que reorganizações de empresas sejam realizadas com foco em reduzir os gastos tributários. O tema possui grandes chances de gerar novos contencioso à luz da atual jurisprudência administrativa e judicial já existentes.

O pagamento de gratificações e participações nos resultados para sócios e dirigentes das empresas, feitos com ações das companhias, não serão mais dedutíveis como despesa operacional. Porém, para os empregados, tais gratificações se mantêm dedutíveis.

Sobre os bens imóveis, há outra importante alteração. Para fins de gerar uma antecipação de arrecadação, o projeto propõe uma atualização anual dos valores desses bens com incidência de 5% de alíquota sobre o ganho de capital, qual seja, diferença entre o valor declarado e o valor atual do bem. Extingue-se assim a atual sistemática de cobrança com alíquota entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital, cuja incidência ocorre uma vez no momento da venda do imóvel. Na prática, o projeto cria uma perda de arrecadação futura mas garante uma situação fiscal mais interessante no curto-prazo.

O governo propõe ainda uniformizar as operações de mercado financeiro, em especial de renda fixa a Day trade. A ideia é não discriminar as modalidades de investimento entre si pluralizando e democratizando as formas de acesso a este mercado. De acordo com a bancada, o desenho simplifica bastante o sistema, permitindo compensações entre ganhos e perdas em investimentos diferentes.

Já o fim da tributação por prazo na Renda Fixa e Fundos Abertos e Fechados (hoje 15% é só para quem fica dois anos com um investimento) busca favorecer os pequenos investidores e pessoas de menor renda. Hoje apenas aplicações com mais de 2 anos de duração são tributadas em 15%, enquanto as abaixo de 180 dias são tributadas em 22,5%. A proposta do Executivo é que todos os investimentos, independentemente de seu prazo de aplicação, fiquem restritos à alíquota de 15%. O projeto prevê o fim da antecipação de tributação, realizada atualmente nos fundos com o "come-cotas" de maio. Os fundos exclusivos também passarão a seguir as mesmas regras dos demais, acabando com os benefícios existentes atualmente.

A despeito de discutidos pelas Comissões envolvidas, não houve modificação quanto a isenção de tributos sobre CRIs, CRAs, LCI e LCA, o regime de lucro presumido das empresas e as deduções existentes de IRPF, como as relacionadas à Saúde e Educação.

Verifica-se, com tudo isso, que a vontade esculpida na Exposição de Motivos do Projeto de Lei está muito distante do que realmente se interpreta das alterações ao Sistema Tributário propostas. Dizendo em outras palavras e já concluindo, não há verdadeira Reforma Tributária acontecendo mas, sim, uma série de imposições que oneram a pessoa física e a empresa e penalizam as atividades que dão certo no país - pois são lucrativas. O elemento desonerativo existente no projeto nada mais é do que o cumprimento do dever do Estado e do direito do contribuinte de ver atualizada a tabela progressiva do IRPF. Já a mísera desoneração de 5% na pessoa jurídica sequer faz face ao resultado final desse aumento de carga tributária disfarçado em um discurso de harmonização (criando indedutibilidades) e de acesso (passando a tributar ou onerar antigas realidades). Enfim, mais um projeto na contramão dos tempos e da necessidade de se usar dos efeitos tributários para atingir verdadeiros preceitos de equidade e justiça.

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1- Disponível aqui.

Florence Cronemberger Haret Drago

Florence Cronemberger Haret Drago

Pós-doutora pela USP. Sócia fiscal do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

Beatriz Correia Santana Almeida

Beatriz Correia Santana Almeida

Advogada do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

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