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A inconstitucionalidade da taxa de mandato e seus impactos tributários

Com a recente declaração de inconstitucionalidade da denominada "taxa de mandato", debate-se sobre a possibilidade de ressarcimento dos valores indevidamente pagos e seus impactos.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Atualizado às 15:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Na sessão virtual de 16 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal ("STF") declarou a inconstitucionalidade da contribuição instituída pelo inciso II do artigo 18 da lei 13.549, de 26 de maio de 2009, do Estado de São Paulo, comumente denominada de "taxa de mandato judicial".

A decisão, conduzida pela relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, deu-se no âmbito da ADI 5736, ajuizada em junho de 2017 pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, sob o argumento de que a taxa de mandato era incompatível com os artigos 98, § 2º, 154, inciso I, e 167, inciso IV, da Constituição Federal ("CF").

O presente artigo, portanto, tem a finalidade de discutir as razões que levaram a esse entendimento, bem como os efeitos práticos da decisão proferida pelo STF.

Destaca-se, inicialmente, que a Carteira de Prevideência dos Advogados de São Paulo ("Carteira de Previdência") foi instituída por meio da lei Estadual 5.174/59, com vistas a proporcionar aposentadoria e pensão aos seus beneficiários, conforme dispõe seu artigo 1º. E, dentre as fontes de custeio, estabelecidas em seu artigo 16, previu-se a "taxa fixa de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros), cobrada, a título de contribuição individual do mandante, sobre todo instrumento de mandato judicial oferecido ou produzido em juízo".

Posteriormente a isto, a lei Estadual 10.394/70, ao reorganizar a Carteira de Previdência, manteve elencada, dentre outras fontes de custeio, a mencionada contribuição atrelada ao mandato judicial e nos artigos 48 a 51, detalhou os procedimentos necessários para seu recolhimento.

A lei Estadual 13.549/09 foi promulgada para extinguir a Carteira de Previdência, vedando "quaisquer novas inscrições ou reinscrições" e "mantendo-se em seus quadros apenas os atuais segurados ativos e inativos", como estabelece o § único do seu artigo 1º.

Nesse contexto, também manteve, no inciso II de seu artigo 18, a "contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial" como receita da Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo.

No âmbito da ADI, a Procuradoria-Geral da República trouxe três principais argumentos para justificar o descompasso desse tributo em relação à CF.

O primeiro deles se refere à natureza da contribuição ou da taxa de mandato judicial. Como visto, o dispositivo impugnado - isto é, o inciso II do artigo 18 da lei Estadual 13.549/09 - denomina o tributo de "contribuição", entretanto, no entender da Procuradoria-Geral, por subordinar a juntada de instrumento de mandato judicial em processos, "atividade indispensável ao exercício do direito de acesso à Justiça", possuiria natureza de "taxa".

A taxa tem por fato gerador o exercício do poder de polícia pelo ente estatal e a utilização, ao menos a potencial utilização, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte.1 Há duas subespécies de taxas: as taxas de polícia e as taxas de serviço.2

De acordo com a Procuradoria Geral, a taxa de mandato judicial "não guarda nexo com a atividade de prestação jurisdicional", ainda que os advogados assegurados por meio da Caixa de Previdência sejam indispensáveis à administração da Justiça. Ressalta que "não há atuação administrativa do estado no mandato outorgado a advogado para representação judicial", isto é, "o ente público não presta, de forma retributiva, nenhum serviço a estes, contribuintes dessa taxa".

Além disso, não há nela atendimento ao vínculo próprio dos recursos à manutenção do exercício do poder de polícia ou do serviço público, na medida em que esse é "destinado à manutenção de benefícios previdenciários de advogados e seus dependentes".

Essa falta de adequação, no entender da Procuradoria Geral, resultaria em contrariedade ao artigo 98, § 2º, da CF, que determina que a competência comum dos entes federativos na criação de "custas e emolumentos" destinados "exclusivamente ao custeio dos serviços afeto às atividades específicas da Justiça".

A Procuradoria Geral defende a tese de que a fonte de custeio prevista no inciso II do artigo 18 da lei Estadual 13.549/09, a despeito de ser denominada de "contribuição", compreenderia uma taxa completamente imprópria, por conta de não se adequar aos parâmetros dessa espécie tributária. De acordo com sua argumentação, entende que as características dessa taxa imprópria estariam mais próximas as características de um imposto. Consequentemente, implicaria em contrariedade a (i) vedação à vinculação de receita decorrente de imposto a órgão, fundo ou despesa, prevista no artigo 167, inciso IV, da CF, pois o produto da arrecadação é utilizado exclusivamente para o custeio da Carteira dos Advogados; e (ii) competência exclusiva da União de instituir impostos não previstos na CF, conforme estabelecido no artigo 154, inciso I.

Em contraposição a esses argumentos, tanto o Governador quanto a Assembleia do Estado de São Paulo manifestaram-se nos autos da ADI 5736, sustentando a constitucionalidade dessa fonte de custeio, aduzindo, sobretudo, não possuir natureza tributária, mas se tratar de mera obrigação. Asseveraram, ainda, que por constituir fonte expressiva da receita da Carteira dos Advogados, a extinção, decorrente da declaração de inconstitucionalidade, implicaria em relevante desequilíbrio atuarial.

Apesar deste posicionamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo ("TJ/SP"), em julgados sobre o tema, reitera a natureza de "contribuição previdenciária", afastando a interpretação de se tratar efetivamente de uma taxa, sendo que o não recolhimento pelo outorgante não impediria a continuidade do processo judicial3.

Muito embora não tenha sido publicada a íntegra do acórdão proferido pelo STF, verifica-se que, no voto condutor do ministro Marco Aurélio de Mello, ao concluir pela inconstitucionalidade da taxa de mandato judicial, o ministro Relator não aderiu direta e expressamente a nenhuma das posições descritas acima.

Segundo o ministro Relator, a inconstitucionalidade decorreria da "ausência de justificativa plausível", porque o outorgante - que concede poderes de representação ao advogado - não está sujeito a nenhum tributo.

Aguarda-se a disponibilização da íntegra do acórdão, com o inteiro teor do voto condutor, para que se possa verificar com maior detalhamento a corrente adotada pelo Ministro Relator, aferindo-se eventual debate sobre a existência ou não de natureza tributária e, em caso positivo, qual o enquadramento da taxa de mandato.

Seja como for, uma vez que a ação direita de inconstitucionalidade é medida jurídica integrante do controle abstrato de constitucionalidade, voltado a analisar eventual incompatibilidade de lei ou ato normativo federal ou estadual com o texto constitucional,4 a consequência do provimento da ADIN 5736 é a declaração de nulidade do dispositivo impugnado.

Isso porque, no ordenamento jurídico brasileiro, o ato inconstitucional é nulo e não anulável, de modo a resguardar a supremacia da CF.5 A decisão de procedência de ação de controle abstrato de constitucionalidade, que declara dispositivo legal inconstitucional, meramente constata o fato, o que o torna nulo desde sua origem.

Em outras palavras, a decisão proferida pelo STF, nesse contexto, tem natureza declaratória, limitando-se a declarar a validade ou a nulidade da norma questionada, sem nada constituir ou desconstituir em relação ao objeto analisado6 - no caso, o inciso II do artigo 18 da lei Estadual 13.549/09.

A eficácia da declaração de inconstitucionalidade, denominada "eficácia normativa", é ex tunc, ou seja, retroage desde a edição da norma7. Em outras palavras, a taxa de mandato, instituída pelo inciso II do artigo 18, da lei 13.549/09, é inconstitucional desde sua criação, sendo possível, em tese, aos contribuintes que a recolheram, pleitearem seu ressarcimento, tão logo o acórdão do julgamento em questão seja publicado.8

Apesar do aparente encerramento da discussão, capaz de possibilitar o pleito do ressarcimento, o STF poderá - caso provocado - modular os efeitos da decisão, nos moldes permitidos pelo artigo 27, da lei 9.868/99.

Com base na segurança jurídica ou em excepcional interesse social, o STF poderá fixar marco temporal para a produção de efeito da decisão, mediante a concordância de dois terços de seus ministros.

Nesse caso, a depender do marco que eventualmente seja estabelecido, o pleito de ressarcimento dos valores recolhidos a título de taxa de mandato poderá ficar comprometido.

No ponto, o ministro Gilmar Mendes, de maneira singular, embora tenha acompanhado o voto do relator, argumentou justamente pela necessidade de modulação dos efeitos da decisão, conferindo-a efeitos prospectivos, com base nas finalidades e valores constitucionais como o do Estado de Direito, da segurança jurídica e da confiança legítima.

Em caso de oposição de embargos de declaração, pautado no artigo 1.022, II, do Código de Processo Civil, o STF será instado a se manifestar de forma expressa sobre a aplicação ou não da modulação de efeitos na decisão de inconstitucionalidade da taxa de mandato.

Aplicada a modulação para conferir à decisão efeitos prospectivos, conforme proposto pelo ministro Gilmar Mendes, o ressarcimento do valor indevidamente pago não será cabível.

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1 Art. 145, II, da Constituição Federal de 1988.

2 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 182.

3 Apelação cível 1016295-72.2019.8.26.0053, Rel. Leonel Costa, 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado em 17 de outubro de 2019.

Apelação cível 1000059-57.2018.8.26.0319, Rel. Vianna Cotrim, 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado em 12 de julho de 2018.

4 Art. 102, I, "a", da Constituição Federal de 1988.

5 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 37 e 38.

6 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 65.

7 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 65.

8 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 67.

Mariana Pavoni

Mariana Pavoni

Sócia do escritório Moura Petrone. Mestre em Direito pela PUC-SP. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Pedro Luis Chambô

Pedro Luis Chambô

Advogado do escritório Moura Petrone. Mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP.

Luiza Marmirolli Rovere

Luiza Marmirolli Rovere

Advogada do escritório Moura Petrone. Bacharel pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

Ana Clara Jamel de Freitas

Ana Clara Jamel de Freitas

Colaboradora do escritório Moura Petrone. Graduanda na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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