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Os critérios ESG já são velhos conhecidos da legislação em vigor

Com a chegada dos conceitos ESG, não há como negar que os critérios de sustentabilidade passaram a ter um outro grau de destaque.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Atualizado às 12:06

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

As três letras ESG representam, indubitavelmente, a sigla da moda no mundo corporativo.

E, se adquiriu importância para o mercado, necessariamente o segmento jurídico já busca atribuir ao termo o mesmo "frescor". Mas, por mais que a roupa seja nova, o modelo já está na passarela legislativa há longos anos.

ESG (Environmental, Social and Governance) é uma sigla que define indicadores de governança nos aspectos sociais e ambientais, ou seja, é um avanço (notadamente nos aspectos sociais) sobre o já conhecido conceito de sustentabilidade, aplicado de longa data por empresas que enxergam a sua responsabilidade de transformação do meio (equilibrando aspectos financeiros, sociais e ambientais).

A letra E (Environmental) da sigla ESG foi abordada com clareza, tanto na Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em 1972 em Estocolmo, como através da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro.

Através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano ocorreu o primeiro grande encontro entre os países para discutir os impactos da atividade humana sobre o meio ambiente de uma forma ampla (englobando problemas que continuam atuais como queimadas, desmatamento e poluição), resultando na "Declaração de Estocolmo", trazendo a necessária preocupação de ações de conservação ambiental, visando não apenas o presente, mas para futuras gerações.

Vinte anos depois, em terras cariocas, por intermédio da ECO-92 (Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) é que o conceito de desenvolvimento sustentável tomou corpo, em razão da real preocupação dos países participantes da Conferência, sendo que, do mesmo evento resultou a Convenção sobre Diversidade Biológica1, com objetivos voltados para a conservação da biodiversidade global, utilizando o mecanismo de repartição de benefícios entre os países membros (agora consolidado pelo Protocolo de Nagoia2).

A letra S (Social) da sigla ESG, já havia sido revelada em diversos dispositivos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos3, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Assim, o equilíbrio entre os aspectos sustentáveis (financeiros, sociais e ambientais) já haviam sido consagrados através dos Tratados mencionados acima.

A situação não é diferente se observarmos as diversas leis ordinárias que disciplinam aspectos ambientais, sociais e boa governança, além da jurisprudência, que tem avançado bastante sobre os temas.

Exemplificativamente temos vigorando a lei 9.605/98 (que dispõe sobre crimes ambientais), lei 12.651/12 (Código Florestal), lei 13.123/15 (que dispõe sobre acesso ao patrimônio genético e repartição de benefícios), lei 14.119/21 (que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais), lei 9.279/96 (que disciplina propriedade industrial, inclusive com aspectos relacionados a patentes "verdes"), lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

No que concerne a boa governança corporativa (de uma forma ampla e não apenas relacionada a aspectos ambientais e sociais) não é a lei que a disciplina, uma vez que são as melhores práticas de mercado que prevalecem para os agentes de mercado. No Brasil tem sido aceito, de longa data, as regras previstas na lei 6.404/76 (Lei das S/A) e as normas internacionais de contabilidade (notadamente a lei americana Sarbanes Oxley). Importante ressaltar que a lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção) estabeleceu contornos mais rígidos para a boa governança das empresas.

Finalmente e não menos importante, por se tratar da matriz legislativa no país, a Constituição Federal, a despeito de ter amadurecido com os seus 33 (trinta e três) anos, já previa aspectos claros de sustentabilidade (ou ESG), vejamos: dignidade da pessoa humana4; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa5; redução de desigualdades6; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação7; prevalência dos direitos humanos8; amplo cenário de direitos de garantias individuais9, tais como, mas não limitados a: igualdade, liberdade de expressão, pensamento, crenças e culturas religiosas, inviolabilidade da vida privada, honra e imagem, liberdade para o exercício de qualquer trabalho, locomoção; amplo cenário de direitos sociais10, tais como, mas não limitados à: educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância. Capítulos específicos sobre saúde11, educação12, cultura13, ciência, tecnologia e inovação14 15 e, em relação ao meio ambiente16, o dever para o Poder Público e à coletividade de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Conclusão

Com a chegada dos conceitos ESG, não há como negar que os critérios de sustentabilidade passaram a ter um outro grau de destaque, notadamente porque as empresas começaram a experimentar uma maior pressão financeira e social (inclusive afetando o seu valor de mercado) se não adotarem práticas de governança que, de fato, harmonize aspectos sociais e ambientais, além do financeiro.

Bem se sabe que a pessoa jurídica deve ser um dos agentes de transformação social e, por assim ser, é impossível que não tenha ela um olhar social (oferecendo iguais oportunidades, com vistas a diminuir a desigualdade para os menos favorecidos e minorias) e ambiental (adotando práticas e inovação tecnológica, buscando respeitar o meio ambiente).

No entanto, as normas já existem (conforme vimos acima) e devem ser aplicadas com maior rigor, sendo desnecessário (em regra) a criação de nova legislação para aplicação dos conceitos de ESG.

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1 Lei interna através do decreto Federal 2.519 de 16 de março de 1998.

2 Lei interna através do decreto Legislativo 136 de 11 de julho de 2020.

3 Como exemplo o artigo II - "Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição."

4 Artigo 1°, III.

5 Artigo 1°, IV.

6 Artigo 3°, III.

7 Artigo 3°, IV.

8 Artigo 4°, II.

9 Artigo 5°.

10 Artigo 6°.

11 Artigo 196 e seguintes.

12 Artigo 205 e seguintes.

13 Artigo 215 e seguintes.

14 Artigo 218 e seguintes.

15 Em decorrência dos artigos 218 e 219 da CF nasce a lei 10.973/04, conhecida como Lei de Inovação Tecnológica. O conceito de inovação previsto na referida lei (artigo 2°, IV) já dispunha sobre a necessária soma entre o ambiente produtivo e social, para os efeitos da lei: "inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho."

16 Artigo 225 e seguintes.

Luiz Ricardo Marinello

VIP Luiz Ricardo Marinello

Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor na INSPER em Contratos de PI; Professor em Especialização de PI na ESA/SP; Coordenador de Comitê na ABPI; Diretor da ASPI; sócio de Marinello Advogados.

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