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ICMS - Importação e a questão da entrada física após a definição do Tema 520/STF (ARE 665.134)

"Mesmo com a definição do Tema pelo STF, os Tribunais Administrativos permanecem aplicando o art. 11, I, "d" da LC 87/96".

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Atualizado às 09:06

(Imagem: Arte Migalhas)

Diante das enormes discussões jurídicas que as importações demandam, seja por existirem diversas modalidades específicas (importação direta, por conta e ordem e por encomenda) com aspectos operacionais próprios, seja porque reiteradas vezes mais de um Estado envolvido nestas operações se julgavam competentes para a cobrança do ICMS-importação, o STF houve por bem submeter a matéria à repercussão geral, a fim de definir o destinatário da mercadoria e o sujeito ativo do ICMS-importação.

Com efeito, a Constituição Federal (art. 155, §2º, IX, "a") delimitou que o imposto incidente na importação seria devido ao Estado em que estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.

O texto constitucional também destacou que compete à lei Complementar, como norma geral de direito tributário (art. 146, CF/88), definir os seus contribuintes, fixar o estabelecimento responsável, além do local das operações.

Consagrando tal exigência constitucional, o art. 11, I, "d" da LC 87/96 estabeleceu como critério definidor da competência para cobrança do ICMS o Estado do estabelecimento onde ocorrer a entrada física da mercadoria.

Por tal razão, a interpretação da CF/88 em conjunto com a lei Kandir gerava diversas controvérsias, na medida em que os Estados interpretavam da forma mais vantajosa os dispositivos, a partir de critérios como (i) o local da entrada física; (ii) o desembaraço aduaneiro; (iii) a localização do destinatário final da operação; (iv) a localização do destinatário econômico e (v) o destinatário jurídico.

Vale mencionar que nesta verdadeira guerra fiscal os Estados também faziam interpretações diversas sobre as modalidades de importação existentes na legislação federal, sempre com o objetivo de atrair para si a competência para arrecadar o imposto de acordo com a pessoa jurídica localizada em seu território, descaracterizando importações por conta e ordem ou desclassificando importações por encomenda.

Na afetação do Tema o Min. Joaquim Barbosa deixou claros os motivos que ensejaram o reconhecimento da repercussão geral da questão, quais sejam, (i) as diversas interpretações do destinatário final (econômico ou jurídico), (ii) os reflexos que as modalidades de importação possuem para se definir quem é o efetivo sujeito ativo; (iii) a necessidade de análise aprofundada do critério da entrada física sem perder de vista a legalidade da entrada ficta:

Porém, as autoridades fiscais e os Tribunais têm interpretado cada qual a seu modo o que significa destinatário final. Ora rotulam-no como destinatário econômico, ora partem da concepção de destinatário jurídico.

Em verdade, há uma série de modalidades legítimas de importação, com reflexos importantes para a definição do sujeito ativo do tributo.

Para ilustrar, lembro que os contratos de importação por conta e ordem de terceiros e por encomenda projetam elementos imprescindíveis para caracterização do quadro fático-jurídico, de modo a caracterizar o importador como destinatário final ou como mero intermediário na operação.

Ambas as espécies de contrato são admitidas pela legislação tributária, especialmente a federal.

Ademais, a entrada física da mercadoria no estabelecimento é outro dado cuja importância ainda carece de análise mais aprofundada nesta Corte.

Neste caso ora em apreciação, o recorrente afirma expressamente que a mercadoria ingressou fisicamente no estabelecimento de SP. Esse ponto pode ou não ser relevante, conforme se considere constitucionalmente válida a entrada ficta, utilizada pela legislação tributária.

Diante da diversidade de entendimentos conflitantes, suficientes para desestabilizar a necessária segurança jurídica que deve orientar as relações entre Fisco e contribuintes, considero que o tema merece ser discutido em profundidade por esta Suprema Corte.

No caso concreto, o contribuinte paulista teria importado mercadorias desembaraçadas no Estado de São Paulo, as quais foram na sequência remetidas para sua filial em Minas Gerais para industrialização das matérias primas com consequente retorno. O fisco de Minas Gerais exigiu o ICMS-importação assim como o Estado de São Paulo, tendo sido adotados pelo Estado de Minas Gerais o critério da entrada física, ao passo que o Estado de São Paulo considerou a matriz paulista como destinatária jurídica da operação.

Deixando de lado o caso concreto analisado, até porque o contribuinte formulou pedido de desistência homologado pelo STF em sede de Embargos de Declaração, resultando em decote desta parte do voto e entrando no aspecto da tese em si, o STF fixou diretrizes para a delimitação do sujeito ativo do ICMS-importação, brevemente sintetizadas no voto do Min. Edson Fachin:

(i) Na importação por conta própria, a destinatária econômica coincide com a jurídica, uma vez que a importadora utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva;

(ii) Na importação por conta e ordem de terceiro, a destinatária jurídica é quem dá causa efetiva à operação de importação, ou seja, a parte contratante de prestação de serviço consistente na realização de despacho aduaneiro de mercadoria, em nome próprio, por parte da importadora contratada;

(iii) Na importação por encomenda, a destinatária jurídica é a sociedade empresária importadora (trading company), pois é quem incorre no fato gerador do ICMS com o fito de posterior revenda, ainda que mediante acerto prévio, após o processo de internalização.

Além destas premissas, o que interessa ao presente artigo é que o STF decidiu ser irrelevante o critério da entrada física da mercadoria no estabelecimento, a teor do art. 11, I, "d" da LC 87/96 para definição do Estado competente para a cobrança do ICMS-importação.

Na oportunidade, foi declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto do referido diploma (art. 11, I, "d", lei Kandir) para "afastar o entendimento de que o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo tributo, é apenas e necessariamente o da entrada física de importado, tendo em conta a legalidade de circulação ficta de mercadoria emanada de uma operação documental ou simbólica, desde que haja efetivo negócio jurídico."

Assim, ao mesmo tempo em que o fundamento normativo que embasava o critério da entrada física no estabelecimento perdeu parcialmente sua validade, este também impactou nas legislações estaduais que tinham como fundamento de validade o art. 11, I, "d" da LC 87/961, dispositivos estes que reproduziam na íntegra o teor do dispositivo complementar. Portanto, muitas autuações fiscais foram lavradas com fundamento jurídico na LC 87/96 ou em legislação estadual de igual teor.

Abra-se um parêntese para lembrar que, conforme a doutrina2, a inconstitucionalidade sem redução de texto é técnica utilizada pelo STF para suspender a eficácia de apenas uma parte de sua redação (entrada física), permanecendo os demais comandos (entrada ficta).

Mas essa não é a interpretação dos Fiscos Estaduais, que invariavelmente realizam autuações - mesmo após o desfecho do tema - tão somente em razão da entrada física em seu território, fundamentando a validade da cobrança nas legislações estaduais editadas no mesmo sentido do art. 11, I, "d" da lei Complementar.

A título de exemplo é o que ocorre no Estado do Rio de Janeiro, em que o art. 30, I, d.1.33 da lei 2.657/96, continua adotando o critério da entrada física para cobrança do ICMS.

Em idêntico sentido também a Legislação do Estado de São Paulo (art. 23 da lei 6.374/89) e de Minas Gerais (ar. 33, §1º, Item 1, i.1.4 da lei 6.763/1975) legislam que em operações de importação o local da operação é o do estabelecimento onde ocorra a entrada física da mercadoria ou bem.

Resta claro que, os critérios de sujeição ativa do ICMS-importação fixados pelas Legislações Estaduais ao reproduzir o art. 11, I, "d" da LC 87/96 com base na entrada física da mercadoria não podem mais ser sustentados, sob pena de violar o entendimento firmado pelo E. STF no Tema 520.

Sendo assim, autos de infração que consideram no aspecto fático tão somente a entrada física da mercadoria no estabelecimento e que tenham como fundamento jurídico o art. 11, I, "d" da lei Kandir ou legislações estaduais de idêntico teor são nulos.

Não é incomum que as autoridades fiscais ainda considerem como relevante o critério da entrada física, desconsiderando a entrada ficta expressamente validada pelo STF, exigindo o ICMS-importação de empresa participante da operação.

Muitas vezes o Estado que incorre nesta nulidade é de fato competente para a cobrança do ICMS-importação, mas por pautar-se o Agente Fiscal em fundamento jurídico declarado inconstitucional acaba por frustrar a cobrança do ICMS-importação.

Ou seja, ainda que o ente seja competente para a cobrança do imposto, a adoção do critério da entrada física faz cair por terra o auto de infração. A falta de subsunção do fato à norma ou a falta de fundamento jurídico para autação é vício de natureza material, pois localizada na própria essência da relação jurídico-tributária, violando o art. 142 do Código Tributário Nacional.

Apenas para ilustrar que o inconstitucional critério da entrada física para fins de ICMS-importação permanece sendo aplicado, vale citar julgados realizados em 09.12.2020 e 15.09.2020 (após a definição do Tema 520) pela 3ª Câmara do Conselho de Contribuintes do RJ, aplicando inclusive o art. 11, I, "d" da lei Kandir, quais sejam, acórdãos 19.180 e 19.039.

Nesta linha também tem caminhado o Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, cuja legislação também adota como validade o art. 11, I, "d" da LC 87/96. Nesse sentido o Acórdão 23.568/20/1ª, publicado em 11.11.2020.

Sendo assim, verifica-se que as autoridades fiscais, bem como os Tribunais Administrativos permanecem validando lançamentos fiscais com base em entendimento já rechaçado pelo STF, inclusive após o julgamento, caracterizando desrespeito ao sistema de precedentes, trazido com o Novo Código de Processo Civil (art. 927, I), aplicável supletiva e subsidiariamente aos processos administrativos tributários, por força do art. 15 de mesmo diploma.

Desconsiderar o entendimento do STF caracteriza retrocesso, ferindo diversos princípios aplicáveis à administração pública, já que se o contribuinte levar a discussão à esfera judicial de auto de infração mantido com base em norma inconstitucional (critério da entrada física) acarretará na condenação da Fazenda em honorários, gerando ônus a todos os administrados.

_________

1 Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem: (.)

d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;

2 Trata-se de uma técnica de interpretação constitucional - que tem sua origem na prática da Corte Constitucional alemã - utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se declara a inconstitucionalidade parcial da norma sem reduzir o seu texto, ou seja, sem alterar a expressão literal da lei. Normalmente, ela é empregada quando a norma é redigida em linguagem ampla e que abrange várias hipóteses, sendo uma delas inconstitucional. Assim, a lei continua tendo vigência - não se altera a sua expressão literal -, mas o Supremo Tribunal Federal deixa consignado o trecho da norma que é inconstitucional." (BASTOS, Celso Ribeiro Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999)

3 Art. 30. Para efeito de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, considera-se:

I - local da operação: (...)

d - quanto à mercadoria ou bem importados do exterior:

d.1.3 - destinatário da mercadoria ou bem, quando a importação, promovida por outro estabelecimento, ainda que situado em outra unidade da Federação, esteja previamente vinculada ao objetivo de destiná-lo àquele;

João Gabriel Romani Bueno de Alcântara

João Gabriel Romani Bueno de Alcântara

Advogado da área tributária no escritório Magro Advogados de São Paulo.

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