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O projeto de lei Lobby: transparência já!

Sugere-se ao Congresso a criação de uma Comissão Técnica para examinar em profundidade e com acuidade todas essas complexas questões, de molde a se conceber um texto normativo sério, coerente e harmônico, que possa ser compreendido e interpretado corretamente pelos cidadãos e aplicadores do Direito.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Atualizado às 08:19

(Imagem: Arte Migalhas)

O jornal "Folha de São Paulo", em sua edição do dia 15 deste mês, anuncia a enorme expectativa, de vários segmentos oficiais e privados, quanto à remessa de projeto de lei, por parte do Executivo, que venha regulamentar a atividade de lobby.

Realmente, o Brasil está atrasadíssimo nesse particular, quando se sabe que nossos vizinhos da América Latina (como Peru, México, Argentina, Colômbia, Chile) já regulamentaram legislativamente a matéria.

Não conhecemos o esboço de anteprojeto que dormita no Planalto.

Todavia - em razão mesmo dessa demora - a convite da distintíssima Editora Contracorrente, estamos traduzindo uma das principais obras encontradiças no mundo sobre o tema, escrita pelo proeminente Professor Pier Luigi Petrillo, da Universidade La Sapienza de Roma ("Teorie e Tecniche del Lobbying - regole, casi, procedure", Ed. Il Mulino), a ser publicada nos próximos meses.

Destacamos alguns pontos das centenas de questões que o autor suscita e busca esclarecer, abrindo sua obra com uma primeira e fundamental indagação - Che cos'è una Lobby?"

Mais adiante explica que as pessoas respondem à essa questão com uma palavra: corrupção. Porém, logo o autor adverte que esse é um conceito equivocado e que deriva da circunstância de que essa atividade foi e vem sendo praticada às escondidas, à socapa, à sorrelfa, geralmente em troca de propinas ou outras vantagens ilícitas.

Com exceção dos Estados Unidos, nos demais países essa errônea concepção somente foi esclarecida quando sobre ela se acendeu um enorme farol de transparência - chave de todo o sistema e chave para manutenção do Estado de Direito Democrático.

Com efeito, assinala Petrillo que um dos Founding Fathers, o federalista James Madison, já em 1987, dizia que a presença de um grupo de indivíduos que se contrapõe aos interesses de outros cidadãos ou da própria comunidade é uma característica intrínseca do estado americano e que, desde o seu nascimento, essa tensão desempenha um papel decisivo no país.

Por tal razão, os Estados Unidos emendaram sua Constituição, em 15 de dezembro de 1791, com o chamado right to petition to the government que, como explica o jurista italiano, foi equivocadamente traduzido como "direito de petição", quando se entendia, à época, ser uma clara referência à uma atividade voltada a influenciar as políticas públicas, com o fim de tutelar algum interesse, já que a expressão "lobby" ainda não era utilizada.

Em 1852, a atividade de pressão foi disciplinada pelo Regulamento da Câmara dos Representantes. No ano de 1930, pela primeira vez aparece o termo lobby numa lei (Public Utilities Company Act). Após outras regulamentações, em 1946 nasceu a primeira lei disciplinando de forma mais abrangente o lobby (Federal Regulation of Lobbying Act). Essa lei, contudo, algum tempo depois foi substituída, em face de várias decisões da Suprema Corte Americana, que decidiu pela inconstitucionalidade de vários de seus dispositivos. Veio à luz, assim, a legislação ora em vigor - Lobbying Disclosure Act, de 1995, emendado em 2007, como Honest Leadership and Open Government Act.

A atual legislação impõe a necessidade de inscrição em um Registro Público"para qualquer um que exerça a atividade de representação de interesses por meio da organização de 'contatos lobísticos', durante pelo menos 20% do seu expediente", definindo como "contato lobístico" "qualquer atividade realizada em apoio a esse contato, incluindo preparação, planejamento, pesquisa e qualquer outro trabalho preparatório, destinado a ser utilizado em contatos e trabalhos de coordenação com atividades semelhantes realizadas por outros sujeitos".

A definição inclui qualquer comunicação oral ou escrita e comunicações eletrônicas, em qualquer caso dirigidas a um oficial público membro de um gabinete executivo ou legislativo, realizada em nome de um cliente e relativa à formulação, modificação, adoção de leis federais; a formulação, modificação, adoção de uma norma federal, regulamento, Executive Order (ministerial) ou qualquer outro programa, ou qualquer política ou posição tomada pelo governo dos Estados Unidos; à administração ou execução de um programa federal (incluindo a negociação, concessão, estipulação e administração de um contrato federal, empréstimo, permissão, licença); à nomeação ou confirmação de uma pessoa para um cargo sujeito a parecer ou ratificação pelo Senado Federal".2

Mais: naquele Registro Público, os lobistas, em razão do princípio da transparência, devem indicar com quem entraram em contato, quem está apoiando suas atividades com valores acima de dez mil dólares por semestre e em que setor pretende atuar. Além disso, se se tratar de empresa de lobbying, esta deve indicar, dentre outros elementos, quem, na sua estrutura organizacional, exerce atividade de lobby e se alguém da empresa já foi servidor público, dentre outras inúmeras informações relevantes.

Cada vez que o lobista entrar em contato com um agente público responsável pela decisão que lhe interessa, é obrigado, em quarenta e cinco dias, a registrar a reunião num site da Secretaria Geral da Câmara ou do Senado. Também o mesmo ocorre com todo financiamento recebido. No caso de empresas de lobbying devem elas estimar - de boa-fé - o montante de todos os recursos recebidos por suas atividades lobísticas e despesas efetuadas com essa atividade.

Regras de extrema transparência, absolutamente necessárias.

Também para os parlamentares há restrições. Assim, é vedado ao parlamentar receber (e seu staff) presentes de valores superiores a cinquenta dólares por ano, bem como "aceitar hospitalidade, mesmo que ocasional, de lobistas, ainda no caso de amigos pessoais ou parentes. E é acrescentado que, em qualquer caso, mesmo os presentes recebidos pelos membros da família, se excederem ao valor global de 250 dólares por ano, podem ser aceitos, mas devem ser inscritos em um registro público mantido pela secretaria da Câmara de referência" (Ethics Manual for Member Officers and Employees of de U.S. House of Representatives", 1999).

Ainda ligado ao tema está o fato de que uma "das principais ferramentas usadas para influenciar o agente público responsável pela decisão estadunidense é o financiamento das campanhas eleitorais e da política" (Political Actions Commitees - PACs). Todas as contribuições ficam devidamente registradas (Federal Election Commission). Quando o fundador do PAC fecha a arrecadação, "oferece" à política - e, primeiramente, aos candidatos - os recursos arrecadados com a condição de que incluam a tutela daquele interesse em seu programa". O processo é totalmente transparente e com um simples click qualquer pessoa pode saber quem financia e quem aderiu àquele PAC, bastante diferente do jogo escuso que se vislumbra em grande parte dos rincões do Brasil.

A primeira vez que fomos a um jogo de basquete da NBA, percebemos que o time da casa era saudado com músicas de incentivo, animadoras de torcida, fogos e aplausos, ao passo que o adversário entrava na quadra quase que sob uma "marcha fúnebre". Ficamos deveras admirados. Mas, compreendemos que nos Estados Unidos, o quanto possível, deixa-se de lado a hipocrisia da falsa imparcialidade. O time que hoje foi louvado, amanhã amargará o desprezo, ao jogar na casa do adversário.

Assim, nos parece fundamental que se deva  incentivar ampla discussão acadêmica e pragmática a respeito dessas fundamentais questões, em terras brasileiras, ouvindo-se a experiência internacional, os destinatários da norma, os resultados conquistados, as lições aprendidas, tudo no intuito republicano de se tomar a melhor opção legislativa que, à luz da compreensão da realidade brasileira, auxilie na solução de mazelas concretas decorrentes da corrupção, que de há muito tempo avassala a sociedade brasileira e que merece uma atenção deveras especial por parte do nosso corpo legislativo. Nesse sentido, sugere-se ao Congresso a criação de uma Comissão Técnica para examinar em profundidade e com acuidade todas essas complexas questões, de molde a se conceber um texto normativo sério, coerente e harmônico, que possa ser compreendido e interpretado corretamente pelos cidadãos e aplicadores do Direito, a fim de conquistarmos um fundamental arrefecimento e, porque não, até mesmo a eliminação dessa terrível doença que parece intrínseca às relações governamentais, com remédios jurídicos modernos, plenos e eficazes.

Tudo, porém, iluminado por um resplandecente farol de transparência.

_________

1 Segundo a matéria jornalística citada, aqui há uma disputa sobre quem deve credenciar as empresas de lobby - AGU ou TCU. Melhor seria um Registro Público em livro próprio e inscrição na Junta Comercial. Nenhum órgão ou ente público deve ter esse controle.
  
2 Essa amplíssima concepção, ainda que meramente exemplificativa, deve constar de lei.
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Advogado e sócio fundador do escritório Dal Pozzo Advogados. Ex-procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Augusto Neves Dal Pozzo

Augusto Neves Dal Pozzo

Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

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