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Pix, avanço ou problema?

É necessário perguntar se o Pix veio para ajudar a economia ou para criar mais problemas na segurança pública.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Atualizado às 08:04

(Imagem: Arte Migalhas)

Golpes bancários não são novidade no Brasil. Alguns são tão antigos e, mesmo assim, as pessoas continuam sendo enganadas. O do bilhete premiado é um deles. Uma pessoa aborda um cidadão no banco dizendo que tem um bilhete contemplado com um prêmio pela loteria, mas precisa de certa quantia para receber. Com isso, pede que a vítima deposite o dinheiro em uma conta e fique com o bilhete. Golpe. O bilhete é falso. Em outro, os criminosos ligam para a casa da vítima se passando por funcionários do banco onde a pessoa tem conta. Afirmam que o cartão de crédito foi clonado e dizem que vão cancelar. Para isso, é preciso que a vítima quebre o cartão de um modo que o chip não seja danificado. Pedem os dados da conta e mandam um motoboy buscar o cartão. Com isso, eles têm o cartão de crédito, as senhas e fazem compras. 

Segundo a FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), os golpes da falsa central telefônica ou do falso funcionário de banco que alerta sobre supostas fraudes cresceram 340% no primeiro bimestre deste ano em comparação aos dois primeiros meses do ano passado.

Os criminosos, atualizados, usam muito a internet para aplicar os golpes. Um deles, conhecido como phishing, utiliza mensagens e e-mails falsos que levam a vítima a clicar em links suspeitos. Quando a vítima clica no link, imediatamente coloca todos os dados bancários que estão na rede à disposição dos bandidos. Outra forma são as páginas falsas, principalmente de bancos. Se o usuário cair nessa, o mesmo acontece. Todos os dados ficam disponíveis aos criminosos.

A clonagem do WhatsApp também virou rotina. Com o nome e número do celular da vítima em mãos, os criminosos usam de diferentes artifícios, como promoções e até pesquisas para fazer com que o dono do telefone compartilhe o código de segurança que o app envia por SMS e, assim, concluir a clonagem. Com isso, os criminosos se passam pela vítima e enviam pedidos de empréstimo aos contatos cadastrados por ela.

Mais recentemente, uma inédita modalidade de golpe tem feito vítimas por todo o país. Nesse, os criminosos utilizam o Pix, nova forma de pagamento, para realizar o crime. O Pix é um sistema de transferência instantânea, implementado em 2020 pelo Banco Central.

A maioria dos golpes utilizando o Pix envolve ferramentas de engenharia social, que enganam o usuário e levam-no a ceder dados pessoais. Engenharia social é uma técnica empregada por criminosos virtuais para induzir usuários desavisados a enviar dados confidenciais, infectar seus computadores ou abrir links para sites infectados. Além disso, os hackers podem tentar explorar a falta de conhecimento do usuário.

Os criminosos se passam pela instituição bancária e utilizam os dados da vítima para efetuar transações fraudulentas. O Pix também está sendo usado para aplicar golpes a partir do envio de textos via SMS. Nas mensagens, os criminosos oferecem vantagens às vítimas, como descontos em faturas. O mais violento entre esses crimes é, sem dúvida, o que envolve sequestro relâmpago.

Desde que foi lançado, em novembro de 2020, até junho deste ano, informa o Banco Central, o Pix já movimentou mais de R$ 1,6 trilhão. O volume total de operações representa quase o triplo daquelas que usam TED e DOC, somadas. Porém, apenas entre janeiro e julho de 2021, foram registrados 206 boletins de ocorrência de sequestro relâmpago no estado de São Paulo, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, que mostram alta de 39,1% em relação ao mesmo período de 2020. Desse total, não foi informado quantos sequestros relâmpagos envolvem o Pix. Para o Banco Central, esse tipo de operação é segura, já que, a cada 100.000 transações usando o Pix, apenas 1 tem suspeita de fraude.

Previsto no Código Penal, o "sequestro relâmpago constitui-se numa modalidade criminosa, na qual os autores dominam as vítimas para roubar dinheiro, cheques, automóvel, cartões de crédito, celulares e demais pertences, mediante privação da liberdade da vítima, visando conseguir saques em caixas eletrônicos." A lei 11.923/09 acrescentou o parágrafo 3º ao art. 158 do CP, tipificando o chamado sequestro relâmpago no ordenamento jurídico-penal brasileiro.

O Artigo 158 do CP afirma que "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: § 3º - Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente."

O Banco Central tentando conter esse avanço nos golpes e, principalmente, sequestros como meio de conseguir transferência via Pix, divulgou novas regras de segurança para o sistema. Uma delas impõe limite de horário para transações acima de R$ 1.000,00 (um mil reais) que ficam bloqueadas entre 20h e 6h. Também será fixado um prazo mínimo de 24 horas e máximo de 48 horas para as instituições aprovarem pedidos para aumento dos limites de transação. Em casos quando o cliente vai até a instituição financeira, a alteração terá efeito imediato. Para que as transferências possam ultrapassar o limite imposto pelo Banco Central, o cliente precisa pedir autorização previamente, com prazo mínimo de 24 horas para a aprovação. Com isso, fica impossível o cadastramento imediato em situação de risco.

Fica a cargo do cliente escolher se o limite será aplicado apenas no período noturno ou também durante o dia. "Em caso de pedido de redução do limite por canais digitais, a mudança será imediata. Mas em caso de aumento do limite, haverá um prazo mínimo de 24 horas para proteger o cliente", explicou o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello. Segundo ele, "é importante que a sociedade saiba disso, sobre as novas regras, inclusive os criminosos. A ideia é tirar incentivo a crimes violento por uso do Pix".  O Banco Central informou que as novas regras entrarão em vigor em algumas semanas, para que as instituições tenham tempo de adaptar-se.

As novas regras também foram estendidas para outras modalidades de transferência bancária, como o TED. Isso evitaria que com a impossibilidade de uso do Pix, criminosos obriguem pessoas a agendarem um pagamento via TED - que não pode ser cancelado.

Para o delegado Dr. Tarsio Severo, titular da 3ª Delegacia Antissequestro, da Polícia Civil do Estado, os sequestros relâmpagos estavam praticamente adormecidos. "Mas, desde que o Pix entrou no mercado, em novembro de 2020, a gente notou aumento significativo dos casos".  Com o aumento na denúncia de sequestros relâmpagos em São Paulo, o Procon-SP, órgão de defesa e proteção do consumidor, reuniu-se com representantes do Banco Central exigindo medidas para combater esse crescimento. Vale registrar que o Procon de São Paulo é vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado comandada pelo Secretário Dr. Fernando José da Costa que está realizando importante trabalho em prol da sociedade paulista.

Segundo o diretor executivo do Procon-SP, Fernando Capez, a proposta de limitar as transferências apenas no período noturno é "catastrófica" porque permitirá que a vítima fique em poder do sequestrador até o amanhecer. "Isso é estatístico, já aconteceu com os bancos 24 horas. Pode até expor as vítimas a um maior risco".

A entidade solicitou que o Banco Central encontre meios para facilitar o estorno de transações suspeitas, o que atualmente não é possível. A proposta do Procon-SP prevê a possibilidade de devolução da quantia em casos de cadastros inferiores a 30 dias - esse seria o tempo médio para a utilização de uma conta corrente por laranjas.

Em nota, o Banco Central ressaltou que "as transações com suspeita de fraude no âmbito do Pix representam apenas 0,0011% do total, ou seja, uma parcela ínfima em relação ao universo de operações realizadas, que se mantém constante ao longo do tempo e que é bem inferior ao que ocorre em outros meios de pagamentos como, por exemplo, cartões de crédito", e destacou que não há registro de situação de fraude nas infraestruturas do Pix.  "As causas são todas externas ao sistema, fruto majoritariamente do resultado de engenharia social ou de questões relacionadas à segurança pública."

Segundo o delegado Dr. Severo, há inclusive quadrilhas especializadas em outros crimes que "estão migrando para roubos envolvendo a ferramenta eletrônica. A gente observa criminosos especializados em outros segmentos, como roubo e furto de condomínio, que passaram a aproveitar a oportunidade para fazer o sequestro relâmpago. Eles perceberam que o Pix permite transferir uma grande quantidade de dinheiro num período curto de tempo. Desta forma, eles mantêm a vítima detida e tiram uma vantagem significativa."

Para especialistas, as desvantagens do Pix são poucas, mas existem. Por exemplo, o Pix não permite fazer transações parceladas, não deixa que o valor seja estornado caso tenha sido enviado incorretamente e precisa que o celular esteja conectado à internet para realizar a transação instantaneamente. Enquanto o Pix é totalmente gratuito para pessoas físicas, pessoas jurídicas podem pagar caro pelo serviço de transferências instantâneas. Com tudo isso, é necessário perguntar se o Pix veio para ajudar a economia ou para criar mais problemas na segurança pública.

Umberto Luiz Borges D'Urso

Umberto Luiz Borges D'Urso

Advogado Criminal, mestre em Direito Político e Econômico. Pós-graduado "Lato Sensu" em Direito Penal, em Processo Penal e em Direito. Presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo por quatro gestões. Advogado do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados.

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