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Obrigatoriedade de apresentação de cartão de vacinação - Dispensa por justa causa

O risco de reversão da justa causa e de aplicação das sanções previstas no art. 4º não pode ser desprezado.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Atualizado às 08:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 1º de novembro o ministério do Trabalho e Previdência - MTP editou a portaria 620. Após a sua publicação vários e incessantes debates surgiram, notadamente a respeito de sua legalidade e constitucionalidade.

O ponto central da discussão reside no fato de "que a não apresentação de cartão de vacinação contra qualquer enfermidade não está inscrita como motivo de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, nos termos do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho".

Outra justificativa para a implementação da norma foi a que consta em seus "considerandos", onde é feita referência a postulados Constitucionais, destacando-se as hipóteses da proteção ao trabalho e à saúde e a proibição de quaisquer formas de discriminação.

Nesse contexto, restou indicado no parágrafo 2º, do art. 1º, que "considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação."

Ao final, em seu art. 4º, traz as consequências do descumprimento de suas determinações e estabelece que, "além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

  1. a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais;
  2. a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais." 

De outro lado, de igual forma, são consistentes os fundamentos para justificar a ilegalidade ou inconstitucionalidade de dispositivos da portaria.

Os defensores dessa corrente buscam suporte em vários comandos previstos na Constituição Federal, especialmente no que concerne aos preceitos fundamentais do direito social à saúde (art. 6º e art. 196), bem como na legislação ordinária em vigor e em decisões de nossos Tribunais.

O advogado Sérgio Schwartsman, em artigo intitulado "O "Trabalho" do Governo Federal Contra a Vacinação - Portaria Inconstitucional, Ilegal e Inoportuna", após justificar que a inconstitucionalidade reside no fato de que as "Portarias não podem criar normas relativas aos direito do trabalho, apenas regulamentar aquelas já existentes, de acordo com o art. 22, inciso I da Constituição Federal (CF)", diz que "além disso, não permitir que o empregador aplique punições pela falta de vacinação, vai de encontro à legislação em vigor, pois tanto a CF/88, quanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e algumas outras leis, definem direitos à segurança e saúde do empregado, restando ao empregador o dever de garanti-las a todos os empregados no ambiente de trabalho. E se, um não se vacinar, põe em risco toda a coletividade de trabalhadores (e demais pessoas que frequentem o local). Destacamos que os arts. 157 e 158 da CLT, o art. 19 da lei 8.213/91, o art. 3º-J da lei 13.979/20 são exemplos das Normas que levam à essa obrigação do empregador zelar pela saúde do empregado".

O STF indiretamente já se manifestou sobre o cerne da questão, por ocasião dos julgamentos da ADIn 6586 e da ADIn 6587, nas quais se questionava a "determinação de realização compulsória de vacinação" inserta na lei 13.979/20 (art. 3º, III, d), sendo que prevaleceu o posicionamento no sentido de que o direito coletivo - no que tange à compulsoriedade - se sobressai ao direito individual.

É bom lembrar também que em direção oposta às disposições da Portaria, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Ato Conjunto TST.GP.GVP.CGJT Nº 279, estabelecendo que, "para fins de ingresso e circulação nas suas dependências", "será exigida, a partir do dia 3 de novembro de 2021, a apresentação de comprovante de vacinação contra a covid", ou "de testes RT-PCR ou de antígeno não reagentes para covid realizados nas últimas 72h."

Consta ainda do Ato que "os servidores que, convocados para o trabalho presencial, não cumprirem as exigências acima estabelecidas serão impedidos de ingressar nas dependências do Tribunal e a ausência será considerada como falta injustificada", o que tem amparo no art. 13, § 2º, da resolução 748, de 26 de outubro de 2021, do STF.

Anteriormente, no início do ano em curso, o Ministério Público do Trabalho havia divulgado um guia técnico, onde chegou à conclusão de que em relação à vacinação, em caso de "recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva" e "o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa".

Por fim, deve ser destacado que tramitam perante o STF quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPFs 898, 900, 901 e 905, com pedido de cautelar, propostas contra a portaria 620, respectivamente, pelos partidos Rede Sustentabilidade, Partido Socialista Brasileiro - PSB, Partido dos Trabalhadores - PT e pelo Partido Novo - Novo.

Em 12/11/21 o ministro Roberto Barroso deferiu, com abrangência ao tema da justa causa, "a cautelar para suspender os dispositivos impugnados, com ressalva quanto às pessoas que têm expressa contraindicação médica, fundada no Plano Nacional de Vacinação contra covid-19 ou em consenso científico, para as quais deve-se admitir a testagem periódica."

Aliás, a portaria em questão determinou em seu art. 2º que "o empregador deve estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da covid-19 nos ambientes de trabalho, incluindo a respeito da política nacional de vacinação e promoção dos efeitos da vacinação para redução do contágio da covid-19."

Assim, ao que nos parece, trata-se de contradição ao direcionar tais deveres aos empregadores, mas não permitir a adoção da justa causa em caso de descumprimento injustificado das normas que o mesmo fixar.

A portaria viola as disposições contidas no art. 2º, da CLT, uma vez que cabe ao empregador dirigir a prestação dos serviços, e, ainda, no art. 482, letra "h", que autoriza a dispensa por justa causa quando o empregado praticar "ato de indisciplina ou de insubordinação".

Em conclusão, o empregador poderá estabelecer regras claras acerca da prevenção contra a covid-19, incluindo a obrigatoriedade por parte dos empregados de apresentar cartão de vacinação para ingressar nas suas dependências, sob pena de justa causa, salvo nos casos de recusa justificada, mediante relatório médico para não se submeter à vacinação, ou quando não for possível ou de seu interesse direcionar o colaborador para atividade laboral em sistema de teletrabalho ou home office.

O risco de reversão da justa causa e de aplicação das sanções previstas no art. 4º não pode ser desprezado, ao entendimento de que a portaria 620 do MTP não padece dos vícios de ilegalidade ou inconstitucionalidade, mas sem dúvida alguma existem fortíssimos fundamentos jurídicos para amparar ou manter a penalidade (justa causa). 

Orlando José de Almeida

Orlando José de Almeida

Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

Cristina Simões Vieira

Cristina Simões Vieira

Colaboradora do escritório Homero Costa Advogados

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