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O tema 210 do STF e seus quadrados redondos

Não incidente aos transportes aéreos de cargas e contra seguradores sub-rogados.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:29

(Imagem: Arte Migalhas)

No excelente livro Autoengano, Eduardo Giannetti fala de pessoas com a atávica tendência de querer fazer do círculo um quadrado. Essa é uma deformadora disposição que se avoluma cada vez mais no campo do Direito. E não por causa de sua feição essencialmente dialética, mas pelos excessos da retórica que lhe é peculiar. No mundo jurídico de hoje isso se vê de modo muito especial quando falamos de Precedentes.

Precedente, a rigor, só pode ser usado em um caso simétrico ao que o gerou. Sem uma identidade de encaixe e objeto, sem a inafastável simetria, existirá não mais do que uma figura que se tenta enfiar numa fôrma que não a comporta. Haverá, pois, o fenômeno que podemos chamar (e Gianetti assim o chama) de quadratura do círculo.

Da mesma forma que a construção de um edifício não pode ultrapassar os limites do espaço de que dispõe, ou invadirá o território do vizinho, não pode o Precedente acabar esticado além do limite apenas para responder a um caso concreto, só para solucioná-lo de qualquer jeito. É o próprio caso que tem de servir de molde a sua aplicação, ou repudiá-lo se lhe faltar perfeita correspondência. Por mais óbvio que isso pareça, abundam exemplos de uso inadequado dos Precedentes.

Falo, em especial, do Tema 210 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, atualmente um dos assuntos mais polêmicos do Direito de Transportes.

Diz a tese firmada no Tema 210 (RE 636.331/RJ) que, em litígio de passageiro contra transportador aéreo por conta de bagagens extraviadas, no exclusivo contexto do transporte internacional, aplica-se a Convenção de Montreal, e não o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. E, ao se aplicar a norma internacional, aplica-se também a limitação tarifada.

Parece bastante claro, para não dizer evidente, que o Tema 210 só incide... nos casos de transportes aéreos internacionais de passageiros com extravios de bagagens. Ou não?

Em que pese a clareza de três sóis a iluminar a redação proposta da tese, a resposta é: mais ou menos.

Dizem alguns que o Precedente é replicável a todo e qualquer caso de transporte aéreo internacional. Não comungamos, porém, desse entendimento. Aliás, sem embargo aos que o defendem, consideramos que é errado.

Errado porque fere a ortodoxia dos Precedentes, que pretendem estabelecer no Brasil uma cultura das mais saudáveis, e porque desconsidera situações muito particulares, como a do transporte de carga e a do segurador sub-rogado nos direitos do segurado em ação de regresso. Sua indistinta aplicação poderá gerar grandes danos ao Direito e às vítimas de perdas anteriores.

Impossível falar em Precedente sem, ao mesmo tempo, considerar modulação, distinguishig, overrruling, simetria e conceitos afins. Ou se leva tudo isso em conta, quando da análise do caso concreto, ou o sonho da cultura dos Precedentes - algo de que até sou um entusiasta -, tão importante para o fomento do ambiente de negócios, para a diminuição da judicialização, para a segurança jurídica, corre seríssimo risco de se converter em pesadelo.

Aqui, neste breve ensaio, tratemos da situação que nos é mais cara, a ação regressiva de ressarcimento ajuizada por segurador sub-rogado nos direitos e ações do dono da carga (segurado) contra o transportador aéreo internacional.

Vejamos1:

A aplicação de Precedente (de qualquer um) envolve dos juízes atenção extrema e observação detida dos seus limites, sob pena de se desviar dos incisos III e IV do art. 927 do Código de Processo Civil.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

Isso se mostra particularmente importante no litígio de ressarcimento em regresso promovido pelo segurador sub-rogado nos direitos e ações do dono da carga contra o transportador inadimplente; situação que está no coração deste ensaio.

  • Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
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As anotações que se seguem são inspiradas em memoriais recentes, casos concretos.

Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes. Sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados. Mestre em Direito Internacional Privado. Especialista em Direito do Seguro.

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