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Medida Provisória permite adoção pelo Brasil de retaliação unilateral

O texto prevê que o Brasil passará a ter legitimidade para adotar suspensão de concessões ou de outras obrigações, na hipótese de descumprimento de de obrigações multilaterais, inclusive no que diz respeito a direitos de propriedade intelectual.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Atualizado às 08:46

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Governo Federal enviou, em 27 de janeiro de 2022, ao Congresso Nacional a Medida Provisória 1.098/22.  O texto enviado prevê que o Brasil passará a ter legitimidade para adotar suspensão de concessões ou de outras obrigações, na hipótese de descumprimento de de obrigações multilaterais, inclusive no que diz respeito a direitos de propriedade intelectual. A medida de suspensão de concessões também é conhecida como retaliação econômica a ser imposta em face de parceiros comerciais que foram considerados perdedores pelo painel da Organização Mundial do Comércio (OMC) e apelaram ao Órgão de Apelação da Organização, atualmente paralizado.

A possibilidade de suspender concessões ou outras obrigações, de forma unilateral, também denominada de retaliação unilateral, a ser autorizada pelo Poder Executivo, terá lugar diante de países com os quais o Brasil litigou no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC e venceu os pleitos, ainda na fase do painel. Nestes casos, em específico, o painel emitiu uma decisão recomendatória condenando os países pela prática de medidas comerciais ilícitas sobre exportações brasileiras, de acordo com as regras constantes nos acordos da OMC, sobretudo, Acordo sobre Agricultura (AsA), Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), Acordo Antidumping, os mais comumente violados, mas não apenas.

A regra prevista na Medida Provisória, caso aprovada, é clara ao autorizar o Poder Executivo a retaliar proporcionalmente e de forma unilateral produtos e serviços importados pelo Brasil do país vencido, inclusive no que tange a direitos de propriedade intelectual, tendo em vista a existência de decisão recomendatória por parte do painel, primeira instância do OSC da OMC. Ademais, é necessário que o país perdedor tenha recorrido ao Orgão de Apelação, em uma prática conhecida por "apelação no vazio", diante da atual inoperância da última instância jurisdicional da OMC.

O Órgão de Apelação encontra-se, atualmente, paralisado, tendo em vista a não indicação de novos nomes a integrar o corpo de árbitros pelos Estados Unidos. Durante o período em que estava ativo, o Órgão de Apelação era integrado por 7 juízes, nomeados para exercerem mandatos de 4 anos pelo OSC. O Órgão de Apelação constitui a segunda instância do OSC da OMC, ou seja, a última etapa do sistema de solução de controvérsias da OMC para a análise jurídica das disputas comerciais.

Ainda não é possível determinar com certeza, mas provavelmente os primeiros pleitos brasileiros para a aplicação de medidas retaliatórias unilaterais seriam em relação às vitórias brasileiras obtidas em face da Índia, na disputa do açúcar, vencida recentemente pelo Brasil, em janeiro de 2022, e em face da Indonésia, no contencioso envolvendo barreiras à importação de carne de frango, vencida em dezembro de 2020. Em regra, uma medida de retaliação econômica ocorre na forma de cobrança de uma sobretaxa sobre bens e serviços importados pelo Brasil dos países vencidos, ou na forma de suspensão de direitos de propriedade intelectual do país perdedor, quando emprega-sea retaliação cruzada.

Tendo em vista que o Brasil não importa açúcar e nem carne de frango desses países, provavelmente a retaliação unilateral se daria em outros setores estratégicos de bens e serviços, ou por meio da suspensão dos direitos de propriedade intelectual. Em geral, os setores indicados e escolhidos para a retaliação são aqueles cujo volume de comércio é mais significativo, de forma a incomodar os países vencidos a ponto de modificarem as suas políticas de comércio e retirarem as medidas ilícitas.

A Índia figura entre os dez principais países de onde o Brasil importa produtos, tendo sido considerado o 7º principal em 2020, e o 5º principal em 2021. Dentre os produtos mais importados pelo Brasil da Índia, encontram-se, por ordem de valor monetário: compostos organo-inorgânicos, compostos heterocíclicos, ácidos nucléicos e seus sais, e sulfonamidas; inseticidas, rodenticidas, fungicidas, herbicidas, desinfetantes e semelhantes; medicamentos, incluindo veterinários; óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos (exceto óleos brutos); compostos de função nitrogênio; produtos da indústria de transformação; fios têxteis; medicamentos e produtos farmacêuticos, exceto veterinários; partes e acessórios dos veículos automotivos; e alumínio. No ano de 2021, os produtos mais importados da Índia foram "adubos ou fertilizantes químicos" e "medicamentos mais utilizados para os casos de coronavirus". (Fonte: ComexStat)

Segundo levantamento também realizado pela ComexStat, no ano de 2020, os principais produtos importados pelo Brasil da Indonésia foram: gorduras e óleos vegetais; fios têxteis; equipamentos de telecomunicações; partes e acessórios dos veículos automotivos; produtos da indústria de transformação; calçados; produtos laminados; motocicletas e bicicletas motorizadas; álcoois e fenóis; e compostos organo-inorgânicos.

Muito provavelmente, esses seriam os bens e produtos, bem como setores que poderiam se beneficiar de uma potencial retaliação cruzada tendo em vista as decisões existentes contra India e Indonésia. Assim, é importante que empresas e associações monitorem possíveis consultas públicas por parte do governo brasileiro aos setores comerciais interessados em participar da lista de beneficiados pela retaliação. Com a possível aplicação de sobretaxas à importação desses produtos, pelo mercado brasileiro, estes ingressam no país a um preço mais elevado do que o de costume, favorecendo a competitividade dos setores escolhidos da indústria local.

Luciano de Souza

Luciano de Souza

Bacharel pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Pós-graduado em Negócios Internacionais pela Fundação Dom Cabral (FDC). Sócio do escritório Cescon Barrieu Advogados.

Luciana Maria de Oliveira

Luciana Maria de Oliveira

Advogada associada do Cescon Barrieu Advogados na área de Comércio Internacional.

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