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Política Criminal: A dimensão sobre o sistema carcerário falido e as contradições da aplicação penal para a sociedade civil brasileira

O estudo voltado à dimensão social, visada pela política criminal, em que um de seus preceitos é a integração social, possui essência realística existencial distinta das quais percorrem as literalidades normativas e legais, ocasionando assim, diversos percalços para o regresso do individuo na sociedade civil brasileira.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Atualizado às 13:46

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

Ao destrincharmos a ciência penal, visando a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal 7.210/84, discutiremos à crítica visada ao âmbito social, em que os protagonistas são personagens comuns, pessoas que são encontradas aos montantes, não só em celas, mas sempre às margens da sociedade civil brasileira.

Considerados indivíduos descartáveis, sem valor algum, estas pessoas são esquecidas, punidas, torturadas, por um Estado "oculto", afastado das literalidades normativas e legais que são preconizadas por princípios humanos, reconhecidos entre diversas democracias, nossas leis são aplicadas de forma subjetiva, ao qual em um macro espaço social, deixa seus registros estampados à dimensão realística existencial.

A literalidade da nossa lei constitucional encarece de riquezas e conquistas para a sociedade democrática brasileira que, na realidade social, não são usuais ou aplicadas da forma que a norma preconiza em seus códigos. A subjetividade do Estado é considerada um desafio a ser superado pela aplicação da lei pelo ser humano personalizado no abstrato de um Estado, que se interpretam às faces do Estado-Punitivo e Estado-Julgador.

Ao recorrer aos princípios constitucionais, ressalta-se, a lei maior inspira e sistematiza em normas às condutas humanas, sendo questões basilares para a existência de todos os indivíduos, em que a dignidade do ser humano, princípio elementar, flui a partir da liberdade, igualdade, cidadania, que decorrem de ações a serem seguidas para todas às gerações, como educação, saúde, transporte, lazer, moradia, trabalho, dentre outros. Este é o teor normativo que o legislador codificou nas leis e aplicação das referidas normas.

Ao mesmo segue a LEP - Lei de Execução Penal, pois todas as leis infraconstitucionais devem seguir o modelo constitucional, rígidas em sua literalidade e perspectivas, como por exemplo, a lei mencionada, quando aplicada na esfera da política criminal, em que trata do estabelecimento onde o indivíduo se estabelecerá para a punição do crime, são fixados princípios à base da dignidade da pessoa humana, pelo que trata o interesse do Estado em corrigir as condutas do indivíduo, perante sua integração social, ou seja, sua ressocialização.

Salienta-se alguns destes princípios contidos na LEP, o art. 3º dispõe: "ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei", ou seja, mesmo com a liberdade violada, após punição sentenciada e executada, o Estado garante ao indivíduo penalizado todos os seus direitos.

Na analise jurídica, verificamos que o código versa sobre a assistência material, fundado no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas, sendo que sua contínua interpretação transcende os mesmos entendimentos principiológicos, fixando também à assistência à saúde, para que seja realizada por atendimento médico, farmacêutico ou odontológico e, na falta desta prestação, o paciente deverá ser encaminhado a outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento em que o indivíduo penalizado se encontra.

No mesmo entendimento, a LEP traz artigos tratando sobre a assistência educacional, sendo dever do Estado à integração do indivíduo penalizado ao ensino, a serem ministrados por profissionais qualificados, bem como sua implementação, desde ensinos profissionalizantes ou técnicos, ao acesso às bibliotecas e seus acervos, dentre outros ramos relevantes para o aprimoramento educacional. A assistência social, outro princípio normativo, possui como finalidade amparar o preso ou internado e prepara-los para o retorno à sociedade, percebendo como meios para a sua ressocialização o ensino, a saúde, a higiene, o trabalho, sendo orientado pelo diretor do estabelecimento penitenciário.

A LEP ainda preconiza os diversos direitos do preso, como: respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; fornecimento de alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e remuneração; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material como: saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; ambientes salubres; dormitórios, dentre outros.

As penitenciárias, local em que o individuo penalizado se estabelece para cumprir a pena de reclusão, em regime fechado, deve seguir à arquitetura preconizada na literatura do código, em que o indivíduo seria alojado em cela individual, contendo o seu dormitório, aparelho sanitário e lavatório, condições para a salubridade do ambiente, aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana. A área mínima para o dormitório individual seria de seis metros quadrados.

Considerados princípios elementares para a dignidade da pessoa humana, o encarcerado vive outra realidade, em que pertence à esfera social, desde sua concepção, evolução, progredindo assim, aos direitos básicos de todo ser humano. No entanto, o que vemos da aplicação do Estado, na verdade, soam como uma nova dimensão, que aflige mais da metade da população brasileira, colocando toda essa gama social às margens do campo existencial e democrático.

Tanto a Constituição Federal de 1988 como as leis infraconstitucionais são interpretadas subjetivamente por um Estado que aplica estas normas, configurando a realidade social em que vivemos, onde educação, saúde, moradia, lazer, trabalho, incentivos públicos, saneamento básico, alimento, dentre outros quesitos basilares para existência harmônica da vida, não são executadas por políticas públicas, operando assim na falta de condições mínimas de sobrevivência.

Em uma realidade social em que a maioria da população não possui o básico para viver, há uma contradição e desvio de todos os ordenamentos pelos quais nós, cidadãos, estamos inseridos. O Estado não consegue proporcionar condições elementares de vida, seja em quaisquer esferas sociais, o que desequilibra toda a gama de indivíduos inseridos neste modelo de política e aplicação subjetiva da norma, ao qual o lado "oculto" do patriarcado deixa suas faces à mostra, desde o Estado-Punitivo e o Estado-Julgador, aos indivíduos da sociedade democrática brasileira.

Discorrer sobre a política criminal significa interpretar diversos efeitos do abstrato à existência, para concluir que a política de Estado representa repressão, combate, sinônimos de violência, guerra. O que visualizamos de todo o macro espaço social é uma tragédia social, que pertencem a diversos campos da realidade do indivíduo, esta é a dimensão social que pertence Estado e indivíduo, consistido em uma relação violenta.

Aprofundando a dimensão social, o Estado se torna omisso, ausente - o que não deixa de ser uma ação - abandonando assim a sua sociedade, deixando-a sem respaldo. Quesitos principiológicos como educação, saúde, alimentação, moradia, lazer, transporte, trabalho, saneamento básico, não são aplicados por políticas públicas, o que já coloca o indivíduo à margem dos seus próprios direitos.

A condenação do pobre, negro e periférico não se conclui nos estabelecimentos pelos quais se cumprem às penas, mas sim, desde a sua concepção, pois sua vida, limitada às margens da sociedade, já sentenciam o indivíduo à sua própria insubsistência, péssima qualidade de vida e, assim, transformando toda gama social em uma comunidade vulnerável.

O delinear da face de uma suposta justiça criminal é a consequência histórica, em que busco sempre ressaltar em meus ensaios, pois está é a realidade que nossa sociedade civil herdou, daqueles que detém às mãos na máquina pública, ao qual transformou toda a literalidade normativa e legal em poder alienante, aplicados pelo Estado contra sua sociedade civil, colocando assim, tristeza, ódio, terror, crueldades, em vidas vulneráveis, proporcionando situações mais degradantes dentro do sistema prisional, que não foram estabelecidos para ser o caminho da reintegração, mas sim, concluindo em um ambiente para excluídos, seres descartáveis, sem valor algum, aqueles que sempre estiveram às margens da sociedade.

Conforme dados do Depen - Departamento Penitenciário Nacional, em 2021, o número de encarcerados foi de 811.707 indivíduos, dados conforme o Infopen, em 2019, demonstraram que a população encarcerada provisoriamente era de 229.823 indivíduos e os estabelecimentos carcerários comportam apenas 442.349 vagas, ou seja, a discrepância para quase metade da população carcerária, em locais que não possuem dormitórios o suficiente para ocupar todos os indivíduos encarcerados.

O acesso dos indivíduos punidos para a laborterapia, segundo dados do Infopen, em 2019, foi de 19,28%, cerca de 144.211 pessoas que possuem algum tipo de trabalho e para a educação o número foi de 16,53%, cerca de 123.652 pessoas com acesso ao ensino.

O 14º anuário brasileiro de segurança pública divulgado pelo fórum brasileiro de segurança pública informou que a cada três presos, dois são negros, totalizando assim, 66,7% da população encarcerada negra, isso significa 438.719 pessoas, dados do ano de 2020.

Ao recorrer à criminologia, ao qual esboço a virtude da sociologia criminal, interpreto a aplicação penal e a política criminal em uma justiça criminal que condena demasiadamente um determinado tipo de pessoa que são encontradas às margens de um Estado que é formado por princípios baseados na dignidade da pessoa humana, mas que na realidade, não são aplicados.

Os dados colocados em questão demonstram como às políticas criminais não são usuais ou aplicadas por políticas públicas, deixando de afastar o individuo da criminalidade. Na realidade, o indivíduo encarcerado dificilmente será ressocializado, voltando assim à vida do crime, num ciclo que se repete por diversas vezes pela população encarcerada.

A falta de condições básicas, desde a sua concepção existencial ao encarceramento, demonstram que o ordenamento legal é aplicado de forma subjetiva, para penalizar e combater o indivíduo que comete o tipo penal. Não há condições básicas de vida dentro do cárcere, portanto, como a sociedade pode esperar uma melhora do indivíduo, sendo que o mesmo é jogado em calabouços lotados, com falta de higiene, ambientes insalubres, racionamento de água, falta de alimento, dentre outras catástrofes que são cometidas contra o direito dos indivíduos punidos.

Não poderia deixar de ressaltar que o financiamento midiático, como programas sensacionalistas, envolve mais ainda esse problema numa tragédia social, colocando assim, a alienação para a sociedade, que aceita essas condições para ela mesma.

É contraditório querer que o indivíduo se integre à sociedade civil após o regresso, ignorando todos os preceitos fundamentais de ética humana, educação, aplicação normativa. Os indivíduos punidos são vítimas dessa violência que não são esparsas, fazendo parte da dimensão social pelo que trata todo nosso sistema carcerário falido.

A fantasia do Estado é fixada em torturas, crueldades, guerras, violência, contra sua própria sociedade civil, negligenciando assim, os preceitos fundamentais para a evolução do indivíduo, pois este não é o interesse do ente público. Desta maneira, a dualidade normativa e aplicação subjetiva das penas pelo ente estatal demonstram o interesse em encarcerar o indivíduo, desde a sua concepção. 

A justiça criminal deveria aplicar outros tipos de penas para os indivíduos, resguardando assim, os direitos preconizados por nossos códigos, desde a lei maior, às leis infraconstitucionais. O que temos é um desastre social, pautado na violência estatal estampada diariamente no nosso cotidiano, fomentado pela mídia e acolhido por uma sociedade alienada.

O sistema carcerário está longe de ser um instituto para a integração social do indivíduo, possibilitando o seu regresso à sociedade. Na realidade, o cárcere é apenas mais um fomentador para o aumento da criminalidade e, o que nos deixa claro, pelas suas nuances sociais, é que a população carcerária pertence à mesma comunidade que sempre esteve às margens da sociedade, demonstrando que a sua integração social não foi realizada desde a sua concepção existencial, muito menos após regresso do cárcere.

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1 BRASIL. Lei de Execução Penal nº 7.210 de 1984. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm

2 https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/segundo-levantamento-do-depen-as-vagas-no-sistema-penitenciario-aumentaram-7-4-enquanto-a-populacao-prisional-permaneceu-estavel-sem-aumento-significativo

3 http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen

4 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml

Murilo dos Santos Barioni

Murilo dos Santos Barioni

Advogado. Formado pela Instituição Ibmec/SP. Artigos voltados aos assuntos sociais.

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