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Sobre a presunção absoluta subjacente ao novo SUP da lei 17.719/21 do município de São Paulo

Eis mais um ponto a se discutir no cenário da lei 17.719/21.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Atualizado às 09:20

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

O tema da tributação pelo ISSQN para as sociedades de profissão regulamentada traz debates há mais de quatro décadas, em especial, pelo fato de os Municípios questionarem a regra trazida pelo decreto-lei 406/68 que previa que para as sociedades uniprofissionais o ISSQN não deveria ser cobrado pelo valor da remuneração dos serviços, mas por valores fixos de acordo com o número de profissionais - sócios, empregados ou não - que atuassem na sociedade.

O STF e o STJ trouxeram o entendimento pela constitucionalidade e pela legalidade desta regra, bem como, que ela continua em vigência, mesmo após o advento da lei complementar 116/03.

Porém, os municípios insistem em buscar uma forma de ultrapassar a citada regra.

Com este intuito, o município de São Paulo trouxe a lei 17.719 sem 26/11/21, e teve a pretensão de regular, dentre outras coisas, o regime especial do SUP (sociedades uniprofissionais). Nesta empreitada, o § 12 do art. 13 da lei 17.719/21, alterando o art. 15 da lei nº 13.701/031, trouxe dispositivo que estabelece as "faixas de receita bruta mensal" estimadas pela lei a serem consideradas em conjunto com o número de profissionais habilitados de cada uma delas. Contrariando os mandamentos do §3º do art. 9 do decreto-lei 406/68 - que requer um regime especial necessariamente "calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não" - , a nova Lei instituiu uma verdadeira presunção de receita bruta com base no número de profissionais habilitados. O critério adotado pelo legislador obviamente causou estranheza e tem sido rebatido por inúmeras inconstitucionalidades e ilegalidades, estejam elas escondidas ou escancaradas nesses dispositivos.

Todavia, a despeito de inúmeros artigos, pareceres e trabalhos valiosos sobre o tema, um ponto que nos parece ter sido pouco trabalhado até o momento é a presunção absoluta trazida no § 12 do art. 13 da lei 17.719/21. Ou seja, a nova lei paulistana traz como base de cálculo um valor presumido ou mesmo ficto de remuneração mensal e do qual não cabe qualquer tipo de prova em contrário, por parte do contribuinte

O uso de presunções em direito tributário, assim como em outros ramos de direito, é permitido, mas deve observância a certos parâmetros que o legitima. No caso, obviamente que a presunção não poderá deixar de cuidar (i) da relação de hierarquia material entre a prescrição do art. 9º, §§ 1º e 3º do DL 406/68 e as leis municipais, (ii) dos fatores correlacionados com a capacidade contributiva das sociedades uniprofissionais, considerando a regra de exceção do §3º do art. 9º do decreto-lei 406/68 que requer seja o ISS "calculado em relação a cada profissional habilitado"; (ii) do princípio da igualdade e da liberdade associativa de modo a que a lei não faça distinção em carga tributária entre serviços profissionais prestados de maneira individual com aqueles prestados em sociedade, gerando uma tributação desuniforme.

A presunção absoluta é tida como uma previsão legal expressa, que, por meio da dedução, estabelece a verdade do fato definitivamente, ainda que haja prova em contrário. Em razão de ter como efeito jurídico a constituição de uma realidade normativa sem possibilidade de prova em contrário, em prol de uma maior estabilidade e certeza jurídica à norma, as presunções absolutas, tradicionalmente emparelhadas às ficções jurídicas, foram entendidas por Rubens Gomes de Sousa como inadmissíveis no direito tributário.

Todavia, um exemplo corriqueiro de presunção absoluta no direito tributário, que comprova sua possibilidade nesse ramo, é a previsão do regime do lucro presumido. Diferentemente, contudo, desse regime com o ora debatido novo regime do SUP, é o direito de opção conferido aos contribuintes pelo art. 13, lei 9.718/98. Ou seja, o que chancela a presunção absoluta do regime do lucro presumido é justamente o direito de opção previsto no art. 13 da lei 9.718/98. Contudo, essa opção não existe no caso do novo SUP, gerando como resultado distorções a princípios basilares do direito tributário. Agrava-se a discriminação, ao se impor tributação diversa para situações absolutamente idênticas.

No tema das opções disponíveis ao contribuinte submetido ao SUP, alguns vão justificar o uso das presunções dizendo que, primeiro, o contribuinte é quem faz a opção de seu ingresso no regime do SUP e, segundo, caso assim não o proceda, ainda assim teria a possibilidade de aderir ao regime do simples nacional.

Não concordamos com nenhuma das duas sugestões. Primeiro a forma de cobrança do ISSQN para as sociedades uniprofissionais é determinada por lei complementar federal, não cabendo ao contribuinte a opção pela regra de homologação, tanto que, se assim o fizer, poderá depois buscar a diferença do valor pago a maior em processo de repetição dos valores. Em segundo lugar, a possibilidade de adesão ao simples prevê o preenchimento de uma série de requisitos que vão desde limites de faturamento e passam por questões específicas das pessoas dos sócios.

Ademais, registre-se que o § 3° do art. 9º do decreto 406 completa a delimitação necessária do regime especial previsto no §1º desse mesmo dispositivo ao entender que "quando os serviços forem prestados por sociedades", estes ficarão sujeitas ao imposto calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal. Ressalte-se que os verbos utilizados pelos parágrafos citados não deixam margem de dúvida ou discricionaridade às autoridades municipais de que o ISS nestes casos serão calculados em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes e ficarão sujeitos ao imposto calculado em relação a cada profissional habilitado. Se houvesse opção legislativa a norma geral teria de deixar isso claro nos enunciados citados, usando-se locuções como "poderão", "optarão", etc. Claramente não é o caso e qualquer interpretação no sentido da discricionariedade iria contra a hierarquia das normas em direito tributário.

Assim, voltando-nos ao tema das possibilidades diante do regime especial, não é opção das sociedades passíveis ao SUP sua incidência sobre o "preço do serviço", como enunciado o caput do art. 9º do decreto 406/68 da regra geral. Inclusive, repita-se, jamais a regra de presunção absoluta indicada na lei poderia trazer alguma relação com a remuneração do trabalho

A falta de opção ao contribuinte, portanto, é mais um elemento que invalida o regime do SUP baseado na receita bruta mensal na forma do § 12 do art. 13 da lei 17.719/21, impedindo o contribuinte de fazer sequer prova em contrário da receita efetiva por ele faturado. Assim, como efeito imediato da presunção absoluta, no tocante ao campo processual probatório, ainda que o contribuinte leve provas de sua receita efetiva mensal a menor, a força probatória da norma é tamanha que nem ao juiz caberá desconsiderá-la na positivação do direito no caso em concreto se assim se admitir. Será a lei quem ditará a verdade do fato, instituindo-o de forma vigorosa no sistema uma realidade a ponto de inadmitir prova em contrário, resultando em uma tributação desigual, ilegítima e inconstitucional. Eis assim mais um ponto a se discutir no cenário da lei 17.719/21.

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1 https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-13701-de-24-de-dezembro-de-2003

Florence Cronemberger Haret Drago

Florence Cronemberger Haret Drago

Pós-doutora pela USP. Sócia fiscal do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

Susy Gomes Hoffmann

Susy Gomes Hoffmann

Sócia na Gomes & Hoffmann, Bellucci, Piva Advogados.

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