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Direito ao esquecimento vs. liberdade de imprensa

Ana Paula Bressani, Adriane Gouveia Solis, Beatriz Germano Bezerra e Isabella Martins Ferreira

Na falta de legislação específica, debate sobre o tema tem sido delineado pelas Cortes Superiores e passa pelo exercício legítimo do direito a uma imprensa livre.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Atualizado às 09:26

Em tempos de "superinformação" e de uma sociedade cada vez mais digital, em que basta uma pesquisa rápida em sites de busca para acessar qualquer conteúdo em qualquer lugar do mundo, as discussões envolvendo o direito ao esquecimento - que envolve a retirada de informações pessoais de plataformas digitais e meios de comunicação - e sua (in)compatibilidade com o direito à liberdade de imprensa se mostram cada vez mais complexas.

As discussões ganharam ênfase no cenário jurídico mundial em 2014, com o importante precedente firmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em caso envolvendo o direito de uma pessoa ter seu nome excluído de pesquisas feitas por meio de plataformas de busca que a relacionavam a matérias jornalísticas que, embora noticiassem fatos verdadeiros, estariam gerando prejuízos a sua vida pessoal.

Com base nesse precedente, o Tribunal Europeu reconheceu o direito de um indivíduo ter seus dados pessoais apagados da internet.

No Brasil, devido à ausência de legislação específica, o debate sobre o direito ao esquecimento tem sido delineado pelas Cortes Superiores.

Em dezembro de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do recurso especial 1.961.581/MS, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi. O caso teve como pano de fundo a adequação ou não, com base no instituto do direito ao esquecimento, de se impor a veículos de mídia a obrigação de excluir matérias jornalísticas sobre prática de crime do qual o recorrido foi posteriormente inocentado.

Aplicando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento de fevereiro de 2021 (Tema 786), entendeu-se que o direito ao esquecimento, por ser incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não justifica a imposição da obrigação de exclusão de publicações veiculadas na mídia, desde que os fatos nelas tratados não extrapolem os limites do direito à liberdade de imprensa.

O STJ deu provimento ao recurso especial por considerar que o direito à liberdade de imprensa previsto no artigo 220, §1º, da Constituição Federal não foi exercido com abuso. Para a ministra relatora, embora a imprensa não esteja absolutamente vinculada à divulgação de fatos incontroversos, é preciso que haja uma atuação diligente e cuidadosa tanto na averiguação quanto na divulgação em si, para que se atenda, no mínimo, ao requisito da verossimilhança.

E não é só: além de atender aos requisitos de veracidade e pertinência, segundo os quais os veículos de comunicação devem fornecer informações relevantes para o convívio social, a atividade jornalística tem o compromisso de resguardar os direitos da personalidade, ou seja, não pode, sob hipótese alguma, ser exercida com o objetivo de "difamar, injuriar ou caluniar".

Para os ministros da Terceira Turma do STJ, o direito à liberdade de imprensa é a regra e somente poderá ser mitigado quando o conteúdo veiculado for inverídico, não relevante ao convívio social e/ou viole os direitos da personalidade do indivíduo objeto da notícia. Nesse sentido, em que pese o recorrido tenha sido posteriormente absolvido do crime pelo qual foi acusado, não havia dúvidas sobre a veracidade e o interesse público da informação divulgada à época (2009) pela recorrente, por se tratar de fato relativo à esfera penal. Além disso, o recorrido não alegou em momento algum que a notícia tinha o objetivo de ofender a sua honra.

A partir desse julgamento, a Terceira Turma do STJ atualizou o posicionamento daquela Corte, baseando-se no entendimento do STF, pois, em julgados anteriores, a Quarta e a Sexta Turma já haviam conferido validade ao direito ao esquecimento, conceituando-o como "(...) direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado".

Para as Cortes Superiores, portanto, o fator preponderante para privilegiar ou não o direito ao esquecimento consiste no fato de o exercício do direito à liberdade de imprensa ter sido considerado legítimo ou ilegítimo, em função da existência ou não de violação aos direitos da personalidade da parte.

Destaque-se, ainda, que as abordagens da Terceira Turma do STJ e do STF diferem da que foi adotada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o que, por si só, demonstra a complexidade do tema e indica que as discussões envolvendo o direito ao esquecimento continuarão a ser levadas aos tribunais brasileiros, apesar da incompatibilidade jurídica apontada pelo STF entre esse direito e a Constituição Federal.

De todo modo, é inquestionável o avanço do tema no Poder Judiciário brasileiro e sua relevância em nossa sociedade, na medida em que, a despeito de o direito à liberdade de imprensa não ser considerado absoluto, ele deve prevalecer sempre que exercido com respeito aos princípios da ética e da boa-fé. O que resta agora é acompanhar como o Poder Legislativo se comportará diante das mudanças que ocorrem a todo o momento na sociedade da informação, cada dia mais dinâmica, e se essas mudanças forçarão nossas cortes superiores a rever a aplicação do instituto do direito ao esquecimento.

Ana Paula Bressani

Ana Paula Bressani

Sócia da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Adriane Gouveia Solis

Adriane Gouveia Solis

Advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados

Beatriz Germano Bezerra

Beatriz Germano Bezerra

Advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.

Isabella Martins Ferreira

Isabella Martins Ferreira

Advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados

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