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Aspectos da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada no âmbito da Justiça do Trabalho

Em razão das inovações legislativas promovidas por intermédio da lei 13.874/19, alcunhada de "Lei da Liberdade Econômica", algumas novas tendências começaram a ser observadas na jurisprudência.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Atualizado em 25 de julho de 2022 09:32

Aspectos da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada no âmbito da Justiça do Trabalho

Foi conferido ao Código Civil de 2002 um capítulo exclusivo visando disciplinar os aspectos relacionados à sociedade limitada, cujas regras encontram-se consignadas nos arts. 1.052 a 1.087 do mencionado Diploma Legal, sendo certo que eventuais omissões no tocante ao funcionamento e às nuances jurídicas desse tipo societário serão regidas de forma subsidiária pelas regras da sociedade simples (CC, art. 1.053), e de forma supletiva pela Lei das Sociedades por Ações (lei 6.404/76) caso o contrato social preveja tal possibilidade (CC, art. 1.053, par. único).

A sociedade limitada adquire autonomia patrimonial a partir da averbação do seu ato constitutivo perante o Órgão de registro próprio (CC, art. 985), oportunidade em que a responsabilidade dos sócios será limitada as suas respectivas quotas de capital social, salientando que todos os sócios respondem solidariamente pela integralização deste último (CC, art. 1.052). Enquanto não cumprida a formalidade relacionada ao registro do ato constitutivo, a responsabilidade dos sócios será ilimitada com relação às obrigações contraídas pela sociedade (CC, art. 986).

Em resumo de ideias, ao adquirir personalidade jurídica própria a sociedade limitada responderá com todo o seu complexo de bens e direitos perante as obrigações que possui perante terceiros, de modo que a regra geral é a de que os bens particulares dos sócios não serão alcançados para a satisfação das dívidas contraídas pela pessoa jurídica, haja vista que esta última não se confunde com àqueles (CC, art. 49-A).

Contudo, em situações excepcionais, poderá haver o levantamento episódico e pontual do manto que recobre a autonomia patrimonial da sociedade limitada e os seus sócios serão alcançados para a satisfação das dívidas por ela contraídas, sem, contudo, invalidar o ato constitutivo levado a registro, muito menos gerar a ineficácia dos demais negócios jurídicos que eventualmente tenham sido por ela celebrados. 

O comando normativo do art. 50 do Código Civil prevê a adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da sociedade limitada, e tem como elemento nuclear a ocorrência de abuso da personalidade jurídica, seja com relação ao desvio da finalidade da sociedade, seja com relação à confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da própria pessoa jurídica.

Em precedente do STJ, o Ministro Raul Araújo não deixa dúvidas de que esta é a orientação jurisprudencial que hodiernamente predomina no âmbito da Corte Superior, senão vejamos:

"1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o legislador pátrio, no art. 50 do CC de 2002, adotou a teoria maior da desconsideração, que exige a demonstração da ocorrência de elemento objetivo relativo a qualquer um dos requisitos previstos na norma, caracterizadores de abuso da personalidade jurídica, como excesso de mandato, demonstração do desvio de finalidade (ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a demonstração de confusão patrimonial (caracterizada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas)."  (STJ - AgInt no AREsp: 1831915 SP 2021/0029542-8, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 20/9/21, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/21)

Contudo, no âmbito do Direito do Trabalho historicamente foi adotada a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica prevista na regra do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, sob o fundamento de que seu cabimento é justificado pelo postulado decorrente da teoria do diálogo das fontes porquanto os consumidores e os trabalhadores tratam-se de partes hipossuficientes, e por tal razão o inadimplemento da sociedade em relação às obrigações trabalhistas autorizaria o afastamento episódico da autonomia patrimonial como forma de evitar que a pessoa jurídica seja utilizada como escudo para o inadimplemento dos créditos decorrentes das relações de emprego.

Não se pode perder de vista que no curso da vigência do revogado CPC/73 os procedimentos que levavam à desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho eram empreendidos sem nenhuma regra específica e mediante decisões que embora fossem recorríveis à instância revisora em momento próprio, somente tinham como fundamento o mero inadimplemento obrigacional da sociedade limitada para que fosse autorizado o levantamento episódico da sua autonomia patrimonial.

Com o advento do CPC/15, e mesmo que ao seu tempo a CLT permanecesse não prevendo regra alguma a respeito da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho editou a Resolução n.º 203, de 15 de março de 2016, cujo art. 6º passou a determinar a aplicação no Processo do Trabalho dos comandos normativos estampados nos arts. 133 a 137 da nova Norma Processual Civil, tendo sido previsto, ainda, que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica poderia ser deflagrada de ofício pelo juízo competente da Justiça Especializada do Trabalho. A partir da vigência da lei 13.467/2017, alcunhada de "Reforma Trabalhista", a aplicação dos comandos dos arts. 133 a 137 do CPC/15 no âmbito do Processo do Trabalho tornou-se obrigatória (CLT, art. 855-A).

Apesar do irrecusável avanço no implemento dessas novas regras processuais, permaneceu prevalecendo no âmbito da Justiça do Trabalho a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, até que em razão das inovações legislativas promovidas por intermédio da lei 13.874/2019, alcunhada de "Lei da Liberdade Econômica", algumas novas tendências começaram a ser observadas na jurisprudência.

À guisa de exemplo dessas novas tendências jurisprudenciais destacamos o recente precedente da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

"SÓCIO - RESPONSABILIDADE - TEORIA MAIOR X TEORIA MENOR - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. - Após as alterações legislativas promovidas pela lei13.467/17, que incluiu, na CLT, a determinação de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a maioria desta d. Terceira Turma, em sua atual composição, passou a entender que não é mais cabível a observância da Teoria Menor nesta Especializada, e, assim, para inclusão dos sócios no polo passivo da execução, faz-se necessário o preenchimento dos pressupostos legais previstos no art. 50 do CC, o que não ocorreu na hipótese em exame." (TRT-3 - APPS: 00111418120195030053 MG 0011141-81.2019.5.03.0053, Relator: Ricardo Marcelo Silva, Data de Julgamento: 11/2/22, Terceira Turma, Data de Publicação: 15/2/22.)

Na mesma linha de ideias, recentemente foi reconhecida no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho a transcendência jurídica nos contornos que envolvem a discussão entre a aplicação da teoria maior ou da teoria menor no âmbito da Justiça do Trabalho, confirmando que o tema ainda será objeto de intenso exame e está longe de ser exaurido. O precedente em questão é o seguinte: TST - Ag: 100396320155090872, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 23/3/22, 6ª Turma, Data de Publicação: 25/3/22.

À reboque dessas novas tendências que acompanharam o espírito de liberdade econômica que perfilhou as últimas alterações promovidas no Código Civil Brasileiro, observou-se também uma evolução na jurisprudência que vem encampando o entendimento segundo o qual os sócios minoritários, especialmente se não detinham poder de administração no âmbito da sociedade limitada, devem ter suas responsabilidades restritas as suas respectivas quotas de capital social no caso da desconsideração da personalidade jurídica, salvo quando constatado que atuaram com abuso da personalidade jurídica (CC, art. 50). É o que se extrai do seguinte excerto de precedente do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região:

"AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. SÓCIO MINORITÁRIO DETENTOR DE 1% (UM POR CENTO) DO CAPITAL SOCIAL DA EMPRESA. INEXISTÊNCIA DE PODER DE GESTÃO. RESPONSABILIZAÇÃO LIMITADA AO VALOR DE SUA QUOTA PARTE. Em que pese a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica na execução de débitos trabalhistas, o sócio detentor de insignificante participação de apenas 1% (um por cento) no capital social da empresa executada, e que não detém qualquer poder gerencial, não pode ser pessoalmente compelido a solver débito da sociedade em sua integralidade, tendo em vista os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como o art. 1.052, do Código Civil, que limite a responsabilidade do sócio ao valor de sua cota na sociedade. Agravo de petição conhecido e parcialmente provido." (TRT-7 - AP: 00002775820125070007, Relator: FRANCISCO JOSE GOMES DA SILVA, Data de Julgamento: 13/11/20, Seção Especializada II, Data de Publicação: 13/11/20)

Portanto, a evolução da jurisprudência nos induz à conclusão de que a responsabilidade dos sócios da sociedade limitada para responder pelas dívidas da sociedade ficará condicionada à comprovação do abuso de personalidade (CC, art. 50), e ainda que a desconsideração da personalidade jurídica seja levada a efeito com fulcro na teoria menor (CDC, art. 28, § 5º), é possível que a responsabilidade do sócio minoritário seja limitada ao valor da sua quota de capital social.

Rafael Azevedo

Rafael Azevedo

Advogado. Pós-graduando em Direito do Trabalho pela PUC/MG e em LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas

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