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Razões da não redução do ICMS nas operações com diesel

As recentes alterações legislativas na tributação dos combustíveis diminuíram o ICMS nas operações com gasolina, mas não surtiram efeitos no diesel. Neste artigo, é explicada a não redução do imposto, bem como é esclarecida que os tributos não foram os vilões do aumento do preço do combustível

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Atualizado em 17 de outubro de 2022 08:34

As recentes alterações legislativas na tributação dos combustíveis diminuíram o ICMS nas operações com gasolina, mas não surtiram efeitos no diesel. Neste artigo, é explicada a não redução do imposto, bem como é esclarecida que os tributos não foram os vilões do aumento do preço do combustível.

 "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa" é um belo exemplo da criatividade linguística que sintetiza um axioma da lógica popular para separar assuntos distintos, mas, muitas vezes, aparentemente misturados.

Uma coisa é a elevação do preço dos combustíveis, independentemente dos tributos, que sofre diversas influências, principalmente pela adoção, desde 2016, do Preço de Paridade de Importação - PPI. O mencionado PPI reflete os custos totais para internalizar o combustível (geralmente o valor necessário para importar o combustível dos EUA), ou seja, é calculado com base no preço da aquisição do produto, em dólar, mais os custos logísticos, como frete, taxas portuárias etc.

Por exemplo, apesar da comemoração da redução de R$ 0,22 no preço do diesel, no dia 11.8.22, sua comercialização por uma refinaria de petróleo, sem tributos, segundo dados da Petrobras1, aumentou, em um ano, cerca de 100%, demonstrando-se, assim, a falácia de que a majoração no preço do combustível foi influenciada pelo aumento da carga tributária sobre suas operações.

Outra coisa é o peso do tributo na composição do preço do combustível. Várias normas foram publicadas com a finalidade de diminuir a tributação sobre as operações com combustíveis, especificamente em relação ao ICMS, por meio das LCs 192, de 11.3.2022 e 194, de 23.6.2022, além da EC 123, de 14.7.22.

Antes das mencionadas inovações legislativas, em fevereiro de 2022, o ICMS representava cerca de 12,5% da composição do preço final do óleo diesel S10.2 Atualmente, o referido percentual para esse combustível é praticamente o mesmo. E isso porque a diminuição da base de cálculo do ICMS para fins da exigência da substituição tributária, prevista na LC 192/22, e a determinação para que os Estados não fixem alíquotas em patamar superior à 18%, prescrita na LC 194/22, não surtiram efeito para o diesel.

A LC 192/22, mais especificamente no seu art. 7, invadiu a competência dos Entes federativos estaduais ao conceder um benefício fiscal, por meio da fixação, até o final do ano eleitoral de 2022, em todos os Estados e no DF, de base de cálculo presumida nas operações com diesel para fins de cálculo da substituição tributária para frente, considerando a média de preços dos últimos 60 (sessenta) meses.

Mas, os Estados vinham utilizando, desde novembro de 2021, o mesmo Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final - PMPF do diesel como referência para o cálculo do ICMS ST. Considerando o PMPF de PE (4,7060), o acréscimo de 10% da mistura do biodiesel e o fator de conversão de volume, em face da variação da temperatura (0,9935), a base de cálculo para fins de substituição tributária, desde novembro de 2021, é (4,7060/0,90/0,9935 = R$ 5,2631).

Esse valor presumido, relativo à futura venda ao consumidor final, está inferior ao imposto próprio, calculado sobre o valor real da operação da substituta tributária (refinaria), no início da cadeia econômica. Assim, nesse caso, o ICMS da substituição tributária já era zero por causa do congelamento do PMPF, aprovado pelos Estados, em 2021, independentemente se considerada a base de cálculo da regra atual (R$ 3,8519, em PE, conforme Ato Cotepe 52/22), em consonância com o art. 7º da LC 192/22.

Outra coisa foi a redução da base de cálculo para a gasolina, não prevista na LC 192/22, mas acrescida ao ordenamento jurídico pelo ativismo legislativo do Ministro André Mendonça, na decisão monocrática da ADI 7.164/DF, que, de fato, provocou uma diminuição do ICMS ST na operação com gasolina.

Diferentemente do ICMS ST do diesel, que é zero, independentemente da redução da base de cálculo; na gasolina, a redução tem influência no imposto porque o ICMS ST, exigido na venda ao consumidor final, é superior ao imposto calculado na saída da refinaria, no início da cadeia econômica. Nessas condições, a diminuição do referido ICMS ST reduz a carga tributária da gasolina, que é composta pela soma do ICMS da saída da refinaria mais o imposto das operações subsequentes, cobrado por meio da substituição tributária para frente.

Por outro lado, a LC 194/22, dentre muitas prescrições, estabeleceu que, para fins de incidência do ICMS, os combustíveis são considerados bens essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos. Por conseguinte, foi vedada a fixação de alíquotas nas operações com combustíveis em patamar superior ao das demais operações, geralmente de 17% ou 18%, na mesma linha da correta decisão do STF, no RE 714.139, mas com uma grande diferença: o STF modulou os efeitos da sua decisão para 2024, em respeito às leis orçamentárias. E essa modulação objetivou que os Estados reorganizassem suas finanças. Entretanto, a LC 194/22 determinou a imediata redução das alíquotas o que, consequentemente, acarretou diminuição da arrecadação dos Estados e dos Municípios (estes recebem o repasse constitucional de 25% do ICMS), ferindo o pacto federativo.

A redução da alíquota, imposta aos Estados e ao DF, por meio da LC 194/22, não repercutiu, especificamente, na diminuição do ICMS, nas operações com etanol hidratado e diesel, porque a maioria dos Estados, exceto o Amapá, já praticava as alíquotas máximas de 17% ou 18% para esses combustíveis.

Outra coisa ocorreu em relação à gasolina porque, até junho de 2022, os Estados utilizavam alíquotas que variavam de 25% até 34% (RJ), motivo pelo qual as reduções das alíquotas para o máximo de 18% tiveram grande influência na diminuição do imposto nas operações com esse combustível fóssil.

Com a redução do ICMS e, consequentemente, dos preços da gasolina, foi publicada a EC 123/22, popularmente conhecida como Kamikaze, que dispõe sobre muitos benefícios, dentre eles o estabelecimento de diferencial de competitividade para os biocombustíveis destinados ao consumo final. O propósito foi de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, principalmente com a finalidade de manter o diferencial competitivo do etanol hidratado em relação à gasolina.

Dessa forma, além da redução da alíquota da gasolina em face da LC 194/2022, diversos Estados estabeleceram, inclusive por atos infralegais, a redução da alíquota nas operações internas com etanol hidratado combustível destinadas a consumidor final, com base na EC 123/22.

Importa alertar que qualquer redução de alíquota que diminua, a curto prazo, a arrecadação dos Entes subnacionais, sem que a renúncia de receita seja acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal e o art. 113 do ADCT da CR/88.

Mesmo em relação à previsão de redução de alíquota do ICMS do etanol hidratado em decorrência da EC 123/22, nesse aspecto, como repercute na autonomia financeira dos Estados e Municípios, elemento fundamental do federalismo, a referida EC é inconstitucional porque contraria cláusula pétrea da Constituição, prevista no seu art. 60, § 4º, I.

A propósito, em face da queda abrupta da arrecadação, ocasionada pelos efeitos das reduções de alíquotas do ICMS, muitos Estados estão pleiteando a suspensão do pagamento de suas dívidas em contratos firmados com a União ou quando ela é garantidora junto a instituições financeiras, seguindo o exemplo de alguns Estados (MA, AL, SP e PI), que tiveram seus pedidos de tutela provisória de urgência, em ações civis originárias, acolhidos por Ministros do STF.

Portanto, uma coisa é o ICMS sobre operações com diesel, que, mesmo com as alterações legislativas supracitadas, não sofreu qualquer diminuição.

Outra coisa é o imposto nas operações com gasolina, que foi reduzido em face da diminuição de suas alíquotas, por meio da LC 194/22, bem como pela redução da base de cálculo na cobrança do ICMS ST, considerando a decisão monocrática do Ministro André Mendonça, na ADIn 7.164/DF já mencionada.

Tais reduções, apesar de amenizar o preço da gasolina e do etanol hidratado, produzem efeitos nefastos nas contas públicas dos Entes subnacionais, além de insegurança jurídica; afinal, passado o período eleitoral, é possível que os Estados exijam o ICMS complementar do contribuinte que realizar a venda do combustível para o consumidor final por um preço maior que a base presumida, fixada artificialmente de acordo com a média de preços dos combustíveis dos últimos 5 (cinco) anos.

Isso porque, no julgamento do RE 593.849/MG, os Ministros do STF, em sua maioria, foram favoráveis à restituição do ICMS, exigido por meio da substituição tributária, pois entenderam que a base de cálculo3 real há de prevalecer, com o fito de impedir o enriquecimento ilícito do Estado; mas também consignaram, na respectiva decisão, obter dictum, que os Estados poderiam exigir o ICMS complementar, quando a base real for maior do que a presumida.

Portanto, a retórica da efetiva redução do ICMS, em face da mencionada diminuição do cálculo do ICMS ST, possivelmente só servirá para o período eleitoral.

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1 Disponível em: https://precos.petrobras.com.br/. Acesso em: 12 ago. 2022.

2 Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/composicao-e-estruturas-de-formacao-dos-precos. Acesso em: 12 ago. 2022.

3 Segundo Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 626), o tipo tributário é definido pela integração lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo. Esta é um dos elementos nucleares do tributo, na sua figura comparativa, confirmando, infirmando ou afirmando o verdadeiro critério material da hipótese de incidência.

CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2015.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2015

Antônio Machado Guedes Alcoforado

Antônio Machado Guedes Alcoforado

Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP; Professor nas pós-graduações do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET e da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Auditor Fiscal e ex-Superintendente Jurídico da Sefaz/PE; Ex-pesquisador doutorando no CCiF/FGV/Direito-SP.

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