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A concorrência desleal e o trade dress

É importante salientar que o trade dress é conceito extremamente amplo, que dependerá de extenso instrumento probatório, mas também análise profundas sobre o movimento do mercado a qual o produto ou serviço está inserido.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Atualizado às 08:49

Desde o início do livre mercado, comerciantes visam garantir a identidade de seus produtos ou serviços, o intuito é tornar-se único no mercado e, consequentemente, causar espontânea vinculação do consumidor ao produto. A exclusividade mercadológica poderá ser alcançada mediante a notória qualidade de um produto em relação a outro semelhante no mercado, por meio de marca detentora de distintividade, ou pelo conjunto imagem que compõe seu produto.  Para Joaquin Fernandez e Patrícia Piana, a história moderna do design de embalagem começa no início do século XX, resultante da crescente industrialização impulsionada pela Europa Ocidental e os Estados Unidos.

Desse modo, quando um comerciante cria um produto, cujo seu exterior seja composto por suficiente distintividade em relação aos demais no mercado, poderá ser protegido por meio de alguns instrumentos jurídicos que visam a proteção da propriedade industrial.

As vantagens de um produto ou serviço diferenciar-se no mercado trouxe consigo a desvantagem de terceiros utilizarem indevidamente o conjunto- imagem, visando tomar para si clientela, que seria confundida e consumiria determinado produto acreditando que pertence a outro fornecedor

O problema central reside no fato de que os principais meios de proteção que conferem resguardo a uma invenção, como as patentes, desenhos industriais e marca, não estendem sua proteção ao conjunto de imagens presentes na embalagem. Nesse sentido, compreende-se como trade dress (conjunto imagem) o conjunto de características que formam a aparência de produtos, objetivando diferenciar-se dos concorrentes.

O sistema jurídico brasileiro passou a deparar-se com novas lides que extrapolam o previsto nas leis de propriedade industrial. Com isso, surge a necessidade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais para a compreensão em caso de eventuais ilícitos.

Assim, antes de analisar qualquer questão sobre o trade dress é estritamente necessário ter em mente que não se trata de uma análise apenas com base na semelhança entre conjunto de imagens. Conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, em especial no Recurso Especial nº 1.778.910-SP da 4ª turma do STJ, será necessário a análise de outros quesitos, como hábitos de consumo e aspectos de mercado.

"O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso(..). Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço."

Desse modo, com base no entendimento do STJ a simples análise da possível semelhança do trade dress não é suficiente para confirmar o ilícito. Sendo que a perícia precisa analisar todos os quesitos presentes no mercado a qual o produto está inserido.

Além disso, conforme o significado do termo, o trade dress é conjunto de imagem presente na embalagem de um produto. Desse modo, a análise individual de cada item presente em uma embalagem não será válida, pois o trade dress visa garantir essencialmente a impossibilidade do consumidor se confundir quando se deparar com determinados produtos que forneçam itens semelhantes.

Conforme Gustavo Piva, a configuração comum de determinado produto ou serviço não possui prerrogativa para proteção. Desse modo é necessário que haja real distintividade capaz de individualizar o produto.

"A distintividade é um elemento fundamental em qualquer disputa do gênero, pois, sem ela, o trade dress não possui capacidade para diferenciar o produto ou serviço do empresário dos diversos produtos ou serviços análogos existentes. Se o trade dress possui uma configuração comum, utilizada por várias empresas, ele simplesmente não será reconhecido pelo público consumidor como um signo identificador de origem. Trata-se, em outras palavras, de uma vestimenta comercial que nada transmite. Para ser passível de proteção, portanto, o trade dress há de ser distintivo e efetivamente distinguir e individualizar o produto ou serviço do empresário dos seus congêneres no mercado"

Nesse sentido, é fundamental a análise mercadológica para compreender a possibilidade de violação de trade dress. Inexistente tal análise a perícia será considerada  viciada. Assim, caso o mercado a qual o produto estiver inserido utilizar comumente elementos semelhantes, não há possibilidade de violação ao trade dress, pois não há invenção inovativa capaz de proporcionar proteção e exclusividade de uso.

Note que caso o mercado seja composto por diversas empresas que comercializam naturalmente produtos visualmente semelhantes, há simplesmente a livre iniciativa do mercado. Observe o entendimento preconizado por Vitor de Paula e Júlia Gessner:

Consequentemente, para a caracterização de uma atitude anticompetitiva e desleal, é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não ocorre quando há a utilização de elementos partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo segmento. Trata-se de cenário diverso da quele que envolve violação marcária, onde, geralmente, há um registro formal que marca o início da proteção, sendo normalmente suficiente o confronto entre ambas as marcas a fim de verificar a existência de cópia ou similitude.

Assim, para aplicação de qualquer penalidade que verse sobre a concorrência desleal será necessário analisar mais que a simples similaridade. Somente quando constatado que foram infringidos todos os aspectos do conjunto-imagem e que as infrações resultaram na confusão do consumidor, que não esperava por tal ato, será aplicada a lei de propriedade industrial, especificamente a concorrência desleal.

A concorrência desleal é um dos principais atos combatidos no ramo da propriedade industrial, pois causa danos aos inventores e aos consumidores que acabam por se confundir e consumir determinado produto acreditando ser outro.

Nesse sentido, o artigo 195 da LPI, especificamente no inciso II, in verbis,  instrui o crime de concorrência desleal que poderá ser aplicada a concorrência desleal. Desse modo, a jurisprudência entende que a violação ao trade dress é um tipo de concorrência desleal e por isso será aplicado sanções civis e penais por analogia.

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

II - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

Desse modo, quando constatado que o infrator utiliza de forma indevida o trade dress semelhante ou idêntico à de terceiro, este será responsabilizado por seus atos. Entretanto, cabe uma análise minuciosa sobre a atuação do suposto infrator, pois para a caracterização da concorrência desleal é necessário a presença de atos providos de má-fé.

Cabe a perícia notório conhecimento para compreender toda movimentação do mercado e sua relação com o trade dress objeto da lide. As análises apresentadas serão importantes diferenciais para a convicção do juiz sobre a possibilidade de confusão do consumidor e violação do trade dress.

Dessa forma, o trade dress é  importante  para diferenciar um produto ou serviço de outro no mercado. Empresas que conseguem criar um conjunto imagem inovador, capaz de o consumidor o reconhecer apenas ao visualizar a embalagem possui enorme vantagem econômica, por essa razão a sua proteção é tão importante, sendo causa de debates judiciais sobre o tema.

É importante salientar que o trade dress é conceito extremamente amplo, por essa razão o tema será sempre objeto de lide, que dependerá de extenso instrumento probatório, devendo ser considerado mais que simples elementos visuais, mas também análise profundas sobre o movimento do mercado a qual o produto ou serviço está inserido.

Lorena Marques Magalhães

Lorena Marques Magalhães

Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

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