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UNFCCC COP27 (Sharm El-Sheikh, 6-20 de novembro)

O que mais será necessário para a humanidade - o indivíduo, os governos, as empresas, os bancos, as organizações internacionais - tomar atitudes de escala, intensidade e emergência? Quando cairá a ficha?

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Atualizado às 09:04

"Churchill is quoted as saying that
'democracy is the worst form of government
except all those other forms that have been
tried from time to time.' The same goes for
#multilateralism: it's slow, it's frustrating,
but it's something the world cannot do
without - especially a world on
fire." Alessandra Lehman. 

Encerrou na madrugada de 20 de novembro a 27ª COP do Clima, com a intenção de salientar implementação. Intensas e difíceis negociações foram acompanhadas de uma infinidade de eventos paralelos organizados por diversos stakeholders para mobilizar ambição e avançar a formulação de soluções. Compareceram mais de 35 mil pessoas, entre os países partes e os mais diversos atores, como empresas, a sociedade civil, jovens, poetas, artistas, indígenas etc.

Foram muitos os tópicos e subtópicos discutidos, como, por exemplo, o Programa de Trabalho de Mitigação e a Meta Global de Adaptação, de modo que o presente texto constitui apenas um balanço preliminar dos resultados da COP. Além de várias decisões temáticas, a COP culminou na adoção do Plano de Implementação Sharm El-Sheikh.

A COP iniciou com a contextualização das discussões que se seguiriam. Isso incluiu o gap entre os compromissos até então anunciados pelas partes e os dados científicos sobre o que seria necessário para realizar a meta do Acordo de Paris de aumento de temperatura de modo a evitar as consequências mais nefastas da mudança climática. Também se chamou atenção para os desafios geopolíticos do momento e seus efeitos em sistemas globais energéticos e de alimentação, na esteira da crise gerada pela pandemia. Desde logo, discursos de líderes insistiram na necessidade de transição da formulação de regras para implementação e no aumento de ambição em todas as frentes: mitigação, adaptação, perdas e danos, finanças e mercados de carbono. No entanto, pelo menos dois dos potenciais obstáculos que haviam sido antecipados acabaram sendo endereçados: os EUA e China concordaram em reiniciar o seu diálogo climático e colaboração no tema; e as partes declararam que a guerra na Ucrânia não justifica retrocessos no processo de descarbonização.

Entre os aspectos groundbreaking estão o acordo na criação de um fundo de perdas e danos para países especialmente vulneráveis, permitido pela superação da resistência dos EUA, e a elevação do tema água no pacote de soluções da problemática da mudança do clima. Por outro lado, foram poucos os anúncios de novos compromissos e algumas questões importantes, como o estabelecimento e funcionamento do fundo de perdas e danos, acabaram ficando para a próxima COP, em 2023. Ainda, referências à eliminação gradual do uso de combustíveis fósseis acabaram sendo deletadas dos textos finalmente adotados, com menção apenas a energia renovável e de baixas emissões (a última incluindo gás natural).

Por muito tempo, recursos hídricos e ecossistemas de água doce ficaram relegados a um segundo plano em comparação com os biomas terrestres e marinhos e temas como agricultura. Na COP27, as águas internas foram finalmente elevadas na agenda oficial de discussões, recebendo pela primeira vez expressa menção no Plano de Implementação Sharm El-Sheikh: "(...) critical role of protecting, conserving and restoring water systems and water-related ecosystems in delivering climate adaptation benefits and co-benefits"; e "(...) importance of protecting, conserving and restoring water and water-related ecosystems, including river basins, aquifers and lakes, and urges Parties to further integrate water into adaptation efforts".

Biodiversidade, de modo geral, também recebeu a atenção merecida, já que a sua perda é crise gêmea da mudança climática: ambas se impactam mutuamente, assim como as suas soluções. Nesse sentido, o Preâmbulo da decisão-capa faz referência ao direito ao ambiente limpo e saudável. Fora das negociações oficiais, mas como parte do programa oficial da Presidência da COP, esta, em parceria com o Governo Alemão e a IUCN, anunciou no dia 17 a Iniciativa ENACT ('Enhancing Nature-based Solutions for an Accelerated Climate Transformation'), coalizão voluntária de atores estatais e não-estatais para coordenar e integrar esforços e parcerias globais em soluções baseadas na natureza (SbNs) e as salvaguardas socioambientais adequadas, no endereçamento de mudanças climáticas, degradação de solo e ecossistemas e perda de biodiversidade, com co-benefícios socioeconômicos. Os componentes da ENACT são: publicação de relatório anual sobre o estado de SbNs e do cumprimento de compromissos das partes e de stakeholders com a sua implementação, a ser apresentado às Presidências de COPs futuras antes do encontro; melhoramento da proteção contra impactos e da resiliência de pelo menos um bilhão de pessoas vulneráveis, inclusive 500 milhões de mulheres e meninas; garantia até 2,4 bilhões de hectares de ecossistemas agrícolas sustentáveis, por meio da proteção de 45 milhões de hectares, gestão sustentável de 2 bilhões de hectares e restauração de 350 milhões de hectares; e aumento significativo de esforços globais de mitigação por meio da proteção, conservação e restauração de ecossistemas terrestres, marítimos e de água doce ricos em carbono. São sete as áreas temáticas: segurança alimentar e produtividade do solo; adaptação e redução de risco de desastre; oceanos e economia azul sustentável; resiliência urbana; infraestrutura verde-cinza; SbNs em estratégias de mitigação nacionais e subnacionais; mobilização de investimento privado em SbNs; e saúde, clima e SbNs.

No contexto de mercados de carbono, participantes da COP testemunharam a primeira transferência internacional de resultados de mitigação sob o art.6.2 do Acordo de Paris, entre a Suíça e Gana e entre a primeira e Vanuatu.

Em matéria de financiamento, Alemanha e Noruega prometeram liberar recursos do Fundo Amazônia. Nas salas de negociações, as partes discutiram propostas acerca do novo objetivo global quantificado e coletivo (discussões que continuarão ao longo de 2023), a disponibilização de fundos no longo prazo e a promessa dos US$ 100 bilhões dos países desenvolvidos (ainda não cumprida). Entre outros resultados, a decisão-capa estima a necessidade de investimentos de US$ 4 trilhões anuais até 2030 em renováveis e US$ 4-6 trilhões/ano na transição para a economia de baixo carbono. A mesma decisão promove a transformação do sistema financeiro, suas estruturas e processos. Essa visão ganha força com iniciativas anteriores à COP, como o anúncio do Banco Central Europeu, de início de novembro, quanto ao estabelecimento de prazos para que instituições financeiras passem a endereçar riscos climáticos e ambientais, com os propósitos de produzirem avaliações compreensivas de materialidade quanto a impactos em suas atividades até março de 2023; incluírem riscos ambientais e climáticos na governança, estratégia e gerenciamento de risco até o fim de 2023; e identificarem e gerenciarem tais riscos até o fim de 2024, com a sua incorporação em marcos de teste de stress. Isso exigirá rápido progresso na adoção de metodologias sofisticadas e produção de informação granular, adequada valoração da amplitude e magnitude desses riscos e identificação de pontos cegos. Prevê-se a realização de monitoramento e adoção de ações de enforcement onde necessário.

A COP também abordou o Programa de Trabalho para aumento de ambição e implementação em matéria de mitigação. Neste ponto, vale lembrar o potencial papel da litigância climática para impulsionar progresso no âmbito internacional por meio de ações no plano doméstico. Essa estratégia de judicialização, vista globalmente, ainda não demonstrou todo o seu potencial em termos de gerar resultados concretos. Mas já se mostra operando como que uma panela de pressão sobre países e empresas, à medida que os casos se multiplicam, tornam-se mais criativos e diversificados e geram precedentes, conscientização e aprendizados entre as partes, o público e o próprio Poder Judiciário. Esse processo permite a transnacionalização de lições, inclusive quanto ao combate ao greenwashing, e a progressiva compreensão de partes rés sobre a necessidade de inserção de considerações climáticas compatíveis com o Acordo de Paris e a melhor ciência em políticas de estado e estratégias corporativas. O momentum criado é aparente, com a possibilidade de eventualmente influenciar o posicionamento das partes da UNFCCC em negociações futuras, sob a pressão de seus nacionais e de determinações judiciais vinculantes.

Finalmente, merece destaque a declaração do Secretário-Geral da ONU quanto à necessidade de regras para o combate firme ao greenwashing corporativo. Essa chamada ocorre no contexto do lançamento do primeiro relatório do Grupo de Especialistas de Alto Nível sobre os Compromissos de Emissões Líquidas Zero de Entidades Não Estatais (indústria, instituições financeiras, cidades e regiões), que traz diretrizes sobre integridade.

Diante de tudo isso, com avanços importantes em perdas e danos, por exemplo, mas também com resultados que deixam a desejar em outras frentes, "particularmente sobre a eliminação gradual de combustíveis fósseis e linguagem mais rígida sobre a necessidade limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius", vale recordar da Lei do Ar Limpo do Reino Unido de 1956. Estamos nessa luta há quase 70 anos, agora com a melhor ciência disponível. O que mais será necessário para a humanidade - o indivíduo, os governos, as empresas, os bancos, as organizações internacionais - tomar atitudes de escala, intensidade e emergência? Quando cairá a ficha? 

Flavia Rocha Loures

Flavia Rocha Loures

Leading Lawyer do Milaré Advogados. Possui especialização e mestrado em Direito Ambiental e é doutoranda em Direito Internacional das águas.

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