MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Geolocalização como prova trabalhista: Ilegalidade ou efetividade?

Geolocalização como prova trabalhista: Ilegalidade ou efetividade?

Todo e qualquer movimento que promova a utilização de tecnologias de localização e monitoramento "passo a passo" devem estar alinhadas com os limites garantidos constitucionalmente.

terça-feira, 11 de abril de 2023

Atualizado às 07:58

Ainda que de forma tímida, vem crescendo nas reclamações trabalhistas a utilização da ferramenta da geolocalização para se confirmar a efetiva jornada de trabalho. Isso implica em explicitar o itinerário do empregado e demais informações que fazem parte do contexto fático, ou até mesmo de outros empregados da empresa envolvidos no caso. Entretanto, resta impossível não refletir sobre os limites dessa utilização.

De imediato, pode-se deduzir que essa utilização fora feita para retratar o horário de chegada e partida do local de trabalho, ou de questões atinentes à relação laboral discutida. Mas e se as informações disponibilizadas extrapolarem esses dados? E quando, no caso concreto, a averiguação apontar o local onde o trabalhador realizou suas refeições, os locais que frequentou, as mensagens que mandou e que recebeu, os grupos de WhatsApp que faz parte? Qual o "interesse do processo" nessa riqueza de detalhes?

Aqui até se poderia refletir que, em sendo solicitada pelas partes a expedição de ofício às operadoras de telefonia para acesso a essas informações, não há que se falar em ilegalidade. Todavia, ainda assim, é preciso observar limites mínimos dessa diligência, pois as informações devem, "em tese", apenas observar a identificação da jornada e deslindar controvérsias, não servindo como instrumento violador de direitos, de forma a expor uma série de informações absolutamente desnecessárias para fins de prova.

Tanto existem limites que também há deferimento de decisões liminares, em sede de mandado de segurança, cassando decisões que determinaram a geolocalização e extrapolaram limites, invadindo a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações. Não é por acaso que as garantias expressas pela Carta de 1988 dispõem com base no artigo 5º, incisos X e XII, sobre a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assim como dos dados telefônicos. Os instrumentos de efetividade processual devem ser conjugados e interpretados à luz da Constituição.

Significa dizer que, ainda que fosse necessária para o deslinde processual a produção de prova de levantamento de dados pessoais por meio da geolocalização, dois requisitos deveriam ser observados pelo juiz: (i) delimitação da prova, de maneira que a exposição se limite à jornada e se dê de forma não específica quanto ao itinerário dos envolvidos no ofício; (ii) fundamentação consignada em ata de audiência ou por despacho, quanto à imprescindibilidade de tal prova, por analogia ao §2º do artigo 818 da CLT.

Portanto, apesar de inexistir norma limitadora da utilização da geolocalização em processos trabalhistas, não se pode ignorar os limites constitucionais a serem preservados por aquele que realiza o direito no caso concreto. Do contrário, seria agir na contramão do que a Constituição preserva, mas guarnecido pelo "salvo conduto" de quem autoriza a violação de sua intimidade para levantar dados necessários, a fim resolver o caso em discussão, desenhando realidade onde a efetividade poderia se sobrepor à legalidade.

O fato é que não há questão fechada, muito menos resolvida. Mas, definitivamente, todo e qualquer movimento que promova a utilização de tecnologias de localização e monitoramento "passo a passo" devem estar alinhadas com os limites garantidos constitucionalmente, sob pena dessas (novas) provas trabalhistas irem de encontro ao também constitucionalmente previsto devido processo legal.

 

Maurício de Carvalho Góes

Maurício de Carvalho Góes

sócio na área Trabalhista e Previdência Social de TozziniFreire Advogados. Doutor em Direito. Professor universitário.

Andressa Munaro Alves

Andressa Munaro Alves

Advogada. Doutoranda em Direito. Professora universitária.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca