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Aspectos relativos ao fenômeno da judicialização da política e da politização da justiça

Reflexões acerca dos paradigmas da teoria jurídica que propiciaram a expansão das atribuições do Poder Judiciário frente ao crescente fenômeno da judicialização da política e da politização da Justiça.

sábado, 17 de junho de 2023

Atualizado em 16 de junho de 2023 13:35

O debate constitucional instaurado no período imediatamente posterior à Segunda Guerra tem focado sistematicamente na necessidade de proteção da pessoa humana e da dignidade a ela inerente. Em razão disso, as Constituições que surgiram a partir da segunda metade do século XX têm se preocupado essencialmente em proclamar um Estado Democrático de Direito construído a partir dos valores da "dignidade da pessoa humana", dos "direitos humanos" e do "bem-estar social".

Esse "novo" panorama propiciou inúmeras transformações para a ciência do Direito, tendo-se em vista que, após os horrores da Segunda Guerra, os "novos" paradigmas e fundamentos da teoria jurídica passaram naturalmente a exaltar os "valores humanos" sobre os poderes políticos; a "ampliação e eficácia direta dos direitos fundamentais"; uma "nova interpretação jurídica" comprometida com a máxima efetividade do discurso constitucional; e a "expansão da jurisdição constitucional" para abranger o controle das omissões inconstitucionais do poder público, praticadas pelo Legislativo ou Executivo.

É em meio a esse cenário de mudanças que surge, com considerável importância, o fenômeno relativo à judicialização da política, que só se tornou factível ante a politização da justiça e a redefinição do papel do juiz na sociedade contemporânea.

Aliás, a expansão da atribuição do juiz é, como se pretende demonstrar, uma exigência da sociedade contemporânea, que tem dele reclamado - mais do que uma mera e passiva atividade de "pronunciar as palavras da lei" - um destacado dinamismo ou ativismo na efetivação dos preceitos constitucionais e na defesa dos direitos humanos. Essa demanda social, fruto das novas condições sociais e econômicas, tem propiciado um crescente reconhecimento do fenômeno do controle judicial das políticas públicas, por meio de uma intervenção do Poder Judiciário na análise dos programas políticos do Estado, a fim de aferir o seu cumprimento em face dos princípios e regras da Constituição.

É diante desse contexto que o Poder Judiciário passa, gradativamente, a assumir um caráter demasiadamente político. Aliás, cumpre observar que, desde o início do século passado, percebemos uma crescente judicialização da política, na medida em que várias Constituições passaram a incorporar em seus textos objetivos e diretrizes políticas, transformando, com isso, em questões jurídicas as questões de política.

Assim, qualificadas como questões jurídicas, as atividades políticas do Estado, quando não regularmente cumpridas, submetem-se ao crivo do Judiciário, aqui residindo a própria essência da judicialização da política.

É nesse panorama que se passa a exigir desse "novo Judiciário" uma maior e mais intensa participação para a construção da sociedade do bem-estar, haja vista que a efetivação dos novos direitos sociais exige mudanças nas funções clássicas dos juízes, que se tornaram, sem dúvida alguma, co-responsáveis pela realização das políticas públicas dos outros Poderes.

Como consequência dessa profunda transformação do Estado, o Judiciário, portanto, teve acentuado aumento de suas funções e responsabilidades, assumindo, com a Justiça constitucional, novo papel, e com ele, o grande desafio de controlar a constitucionalidade da atuação - notadamente as omissões - do poder público, elevando-se ao nível dos outros Poderes.

Assim, o juiz, no Estado Social da sociedade de massas, deve assumir novas responsabilidades e aceitar a nova missão de interventor e criador das soluções reclamadas pelas novas demandas sociais, tornando-se co-responsável pela promoção de interesses finalizados por objetivos socioeconômicos. Do contrário, mostrando-se incapaz de garantir a efetividade dos direitos fundamentais, máxime dos direitos sociais, na prática acaba sendo conivente com sua sistemática violação.

É certo, por óbvio, que o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro poder, para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas e executivas no atendimento das demandas sociais. Todavia - e é isso que aqui defendemos - quando os Poderes Legislativo e Executivo se mostram incapazes ou totalmente omissos em garantir o cumprimento adequado dos direitos fundamentais sociais, em violação evidente de seus deveres constitucionais, cabe inevitavelmente a intervenção do judiciário, no controle das omissões do poder público.

Noutras palavras, quando os órgãos de direção política (Legislativo e Executivo) falham ou se omitem na implementação de políticas públicas destinadas à efetivação dos direitos sociais e dos objetivos fundamentais do art. 3º da Constituição Federal de 1988, cumpre ao Poder Judiciário - corresponsável no processo de construção da sociedade do bem-estar - adotar uma posição ativa e dinâmica na realização das finalidades do Estado Social, desenvolvendo e efetivando diretamente os preceitos constitucionais definidores desses direitos sociais.

E a Constituição brasileira de 1988, marcadamente dirigente, esculpiu um Estado Social, redefinindo a relação entres os três Poderes e adjudicando ao Poder Judiciário funções de efetivo controle dos atos - comissivos e omissivos - dos poderes públicos.

Nessa esteira de reflexão, pode-se concluir que as omissões do poder público, principalmente as do Legislativo, acabaram por conferir ao Judiciário uma legítima função normativa, de caráter supletivo, no exercício de sua típica função de efetivar as normas constitucionais, de tal modo que hodiernamente já se fala - como ocorre na Alemanha - na tendência da passagem do "Estado Legislativo" para o "Estado de Jurisdição Constitucional", em razão do evidente crescimento da importância da função jurisdicional, no âmbito do controle das ações e omissões do poder público, onde a chamada "crise da lei" e a superação do mito da "separação de Poderes" parecem ser realidades notórias.

Ygor Werner

VIP Ygor Werner

Advogado. Mestre em D. Constitucional (UFRN), com extensão realizada na Faculdade de Direito da Univ. de Coimbra, em Portugal. Pós-graduado em D. Civil e Proc. Civil (UFRN) e em D. Tributário (IBET).

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