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Decisão do STJ sobre o testamento de Gugu Liberato: Reflexões sobre sucessão e reconhecimento legal

A batalha judicial entre Rose Miriam e os demais beneficiários da herança de Gugu Liberato continua a suscitar debates sobre a interpretação da lei, o reconhecimento das relações afetivas e a autonomia da vontade do testador.

domingo, 25 de junho de 2023

Atualizado em 23 de junho de 2023 13:27

Desde o falecimento do renomado apresentador Gugu Liberato, ocorrido em 2019, uma contenda jurídica vem se desenrolando em torno de sua herança, levantando questões de suma importância no campo do direito sucessório e evidenciando o papel destacado e relevante do testamento público nesse contexto. A sucessão de Gugu Liberato despertou um intenso debate jurídico, uma vez que seu patrimônio considerável trouxe à tona a necessidade de uma divisão adequada entre os herdeiros. Nesse cenário, o testamento público ganhou destaque como um instrumento crucial para expressar a vontade do falecido apresentador e garantir a correta distribuição de seus bens.

Explicamos: o apresentador, famoso pelos seus programas de auditórios nos anos 90 e 2000, veio a falecer em 2019. Além de toda a comoção resultante de seu falecimento, outro ponto chamou a atenção e ganhou a mídia: a divulgação de seu testamento. Isso porque, no documento lavrado, o apresentador deixou destinado aos filhos 75% de seu patrimônio, avaliado em 1 bilhão de reais. O montante restante, ou seja, 25%, será dividido entre os seus sobrinhos. O fato causou estranheza, uma vez observado que do testamento foi deixada de fora sua companheira, Rose Miriam, e ampliou ainda mais a complexidade do caso.

Após um longo processo de discussão judicial, na última terça-feira, dia 20 de junho de 2023, a 3º turma do STJ validou o testamento deixado pelo apresentador, excluindo a ex-companheira, Rose Miriam, da relação de beneficiários dos bens. A relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi, foi acompanhada pelos seus pares no entendimento de que Gugu visou dispor de todo o seu patrimônio e não somente da parcela disponível. Além disso, o testamento deixado não reconhece Rose Miriam como companheira em união estável, o que inviabiliza seu acesso à herança do apresentador. O Superior Tribunal de Justiça tomou a decisão após o recurso especial proposto por Rose Miriam que pedia a revisão do testamento e uma nova distribuição da herança.

A briga pelo reconhecimento da união estável entre Gugu e Rose Miriam se tornou uma questão central, uma vez que o reconhecimento dessa união poderia conferir a ela direitos sucessórios e o acesso à herança do apresentador. Durante o processo, Rose Miriam alegou que manteve uma relação estável e duradoura com Gugu Liberato, caracterizada pela convivência pública, afetiva e com o objetivo de constituir família. No entanto, a ausência de um reconhecimento formal dessa união por meio de documentos legais ou declarações públicas por parte do casal acabou sendo um ponto de fragilidade na argumentação de Rose Miriam.

A batalha legal pelo reconhecimento da união estável e pelos direitos sucessórios se tornou um tema de grande repercussão midiática e gerou debates sobre a importância do reconhecimento legal das relações afetivas. Enquanto Rose Miriam sustentava sua condição de companheira e buscava ser reconhecida como herdeira, o testamento de Gugu Liberato foi interpretado como um indício de que ele não considerava a relação como uma união estável. Diante desse contexto, o Superior Tribunal de Justiça tomou sua decisão, validando o testamento e negando o reconhecimento da união estável entre Gugu Liberato e Rose Miriam. A ausência de elementos que comprovassem a união estável, aliada à vontade expressa de Gugu no testamento, pesaram na decisão dos ministros.

Vale ressaltar que cada caso é único e o reconhecimento ou não de uma união estável depende das circunstâncias específicas de cada relacionamento. O caso de Gugu Liberato e Rose Miriam levanta discussões sobre a importância de formalizar e documentar as relações afetivas, bem como a importância do testamento como instrumento para expressar a vontade do testador, especialmente no que diz respeito aos direitos sucessórios e à distribuição do patrimônio após o falecimento de um dos parceiros. Sem aqui fazer juízo de valores quanto à relação estabelecida entre o apresentador e a autora do recurso, nos cumpre ressaltar a importância do testamento como instrumento de atendimento à vontade do testador e que serviu de meio para concretude das vontades de Gugu Liberato. Como nos ensina Marina Bonissato e Kelly Cristina1, há de se observar que a liberdade testamentária não é absoluta, sendo cabível tão somente metade do patrimônio do testador, tendo a outra metade que ser, obrigatoriamente, destinada aos herdeiros necessários. Na falta destes, poderá o testamento ser, em sua totalidade, a quem bem lhe convir.

Isso porque temos no testamento, um instrumento feito pelo notário e que, em conformidade com as últimas vontades do testador, o revestimento de segurança jurídica. O testamento é regulamentado pelo Código Civil e possui requisitos formais que devem ser rigorosamente observados: trata-se de ato solene gratuito, a não admitir a contraprestação do beneficiário (apesar de existir algumas condições onerosas para a obtenção da herança); ainda, o testamento é um ato revogável, ou seja, há liberdade de revogá-lo ou modificá-lo quando for de interesse do testador (ato unilateral). Assim sendo, a revogação é dada por outro testamento, sendo inválida a revogação por cláusula2.

Ao cumprir todas as formalidades exigidas, o testador tem a garantia de que suas últimas vontades serão respeitadas e executadas conforme o seu desejo, evitando disputas e questionamentos futuros. Conforme expressado anteriormente, a liberdade testamentária não é ilimitada, a ser a reserva legal classificada no Código Civil uma forma de assegurar que aqueles que têm um vínculo familiar direto com o falecido não sejam excluídos completamente da herança. No entanto, na falta de herdeiros necessários e na existência de disposições específicas em um testamento, a outra metade do patrimônio pode ser livremente distribuída pelo testador, de acordo com suas vontades e escolhas pessoais.

Nesse contexto, o testamento se torna um instrumento fundamental para concretizar a vontade do testador e proporcionar uma divisão justa e adequada de seu patrimônio. Ao seguir as regras legais e buscar assessoria jurídica adequada, o testador tem a oportunidade de planejar sua sucessão de forma consciente e evitar possíveis conflitos entre os herdeiros. Assim, é indispensável compreender a importância do testamento como um instrumento jurídico que visa preservar a vontade do testador e garantir a segurança e eficácia da distribuição dos bens, respeitando os limites legais e contribuindo para a estabilidade nas questões sucessórias.

A equipe jurídica de Rose Miriam manifestou sua intenção de recorrer da decisão proferida pelo STJ, buscando uma revisão do caso e uma nova distribuição da herança de Gugu Liberato. O recurso será mais um capítulo nessa longa disputa jurídica, onde serão apresentados argumentos adicionais e buscadas alternativas para reverter a exclusão de Rose Miriam como herdeira. Diante desse cenário de recorrência, é evidente que o desfecho final desse imbróglio sucessório ainda está por ser definido.

A batalha judicial entre Rose Miriam e os demais beneficiários da herança de Gugu Liberato continua a suscitar debates sobre a interpretação da lei, o reconhecimento das relações afetivas e a autonomia da vontade do testador. Independentemente do desfecho, esse caso emblemático serve como um lembrete poderoso sobre a importância de buscar um planejamento sucessório adequado, incluindo a elaboração de testamentos válidos e a formalização de relacionamentos afetivos, a fim de evitar disputas e assegurar que a vontade do falecido seja respeitada de acordo com a legislação vigente. Somente o tempo e os desdobramentos judiciais dirão como esse caso impactará futuras discussões e possíveis reformulações da legislação sucessória.

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1 FRATTARI, Marina Bonissato; CANELA, Kelly Cristina. O Testamento Ordinário Como Alternativa ao Planejamento Sucessório em Tempos de Pandemia. Revista de Direito de Família e Sucessões, v. 7, n. 1, 23/07/2021. Disponível em: < https://www.indexlaw.org/index.php/direitofamilia/article/view/7849 >

2 DA SILVA, Alliny Burich; CHINCOLLI Vanessa Kerpel; DA SILVA, Bárbara Sauzem. O Testamento em Tempos de Pandemia e de Isolamento Social. Publicado em: 15/07/2020. Disponível em: < http://conhecimento.tjrj.jus.br/documents/5736540/7186707/Otestamentoemtemposd epandemia.pdf >

Ana Luísa Oliveira de Faria

Ana Luísa Oliveira de Faria

Advogada do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Especialista em Startups, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito do Estado e Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

Gustavo Magalhães Cazuze

Gustavo Magalhães Cazuze

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD. Secretário Geral da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Advogado do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Sócia do CM Advogados, mestra e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper, e presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP.

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