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Metodologias indenizatórias e a recém-editada norma de referência 3 da ANA

Para aprimorar o sistema, propiciando uma regulamentação mais forte, o marco legal do saneamento básico foi reformado, tentando-se reforçar a segurança jurídica que precisa abranger os investimentos tão necessários.

domingo, 20 de agosto de 2023

Atualizado em 22 de agosto de 2023 11:28

A regulação do saneamento básico sempre ensejou desafios grandiosos à adequada prestação do serviço. Para aprimorar o sistema, propiciando uma regulamentação mais forte, o marco legal do saneamento básico foi reformado, tentando-se reforçar a segurança jurídica que precisa abranger os investimentos tão necessários.

A lei 11.445/07 já dedicava um capítulo inteiro à regulação do setor e a reforma do marco, promovida pela lei  14.026/20, estruturou um conjunto de dispositivos relevantes. Inseriu-se o art. 22, prescrevendo "padrões e normas para a adequada prestação e a expansão da qualidade dos serviços e para a satisfação dos usuários", com observância das "normas de referência editadas pela ANA."

O objetivo legislativo foi atribuir competência à agência Federal para estabelecer normas aptas a harmonizar e conferir maior unidade ao arquétipo regulatório, haja vista a pluralidade de agências estaduais, regionais e municipais que atuam no terreno. Por conseguinte, as normas de referência apresentam-se como fundamentais para transformar os pressupostos teóricos e os objetivos gerais em expressões da realidade, tocando o chão efetivo da regulação contratual e discricionária.

Exercendo a referida competência, em 3/8/23, a ANA aprovou a norma de referência 3. Nela, consignaram-se métodos de cálculo à "indenização de investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados". Dito de outro modo, fixaram-se procedimentos para apurar a compensação financeira nas hipóteses de investimentos que não traduziram o retorno econômico de início cogitado.

Estruturalmente, a aludida norma de regulação pode ser descrita em doze etapas, que correspondem a cada um de seus capítulos. Começa por fixar algumas definições e entendimentos basilares, avança na descrição de metodologias, enuncia indenizações, extinções antecipadas, doações, subvenções, trata da contabilidade, de procedimentos, da reversão de ativos e da observância à norma e de outras disposições finais. Tem aplicabilidade tanto aos contratos existentes quanto aos contratos futuros.

A norma de referência ora examinada resulta de benchmarking entre práticas consagradas no Brasil e no exterior. Contou com contribuições de consultorias externas e do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento. Na mesma linha, serviu-se de orientações do Tribunal de Contas da União e da Secretaria do Tesouro Nacional.

O objetivo consiste em incrementar a segurança, permitindo a negociação dos ativos de forma transparente e idônea, o que, necessariamente, perpassa pela sua correta valoração. Tem aplicabilidade dirigida a todos os tipos de contratos, operadores e prestadores do Brasil. A verificação da adoção inicia-se em 2025, assegurando tempo de absorção do conteúdo por parte dos agentes envolvidos.

Quanto ao seu conteúdo - como adiantado, em parte -, tenta uniformizar as metodologias para a apuração dos valores a serem indenizados. Salienta como certos bens reversíveis serão objeto de indenização: redes de água e esgoto, estações de tratamento, estações elevatórias, reservatórios e certos softwares. Trata-se de rol exemplificativo (e, portanto, não exaustivo).

O regramento fixa e endossa conceitos, como no caso do chamado custo histórico corrigido, correspondente ao "custo de aquisição ou construção do bem registrado na contabilidade, atualizado por índices inflacionários (art. 9º)". Esse aspecto demonstra-se essencial em procedimentos como o examinado. Conceitualização tão relevante quanto é o valor de reposição, relativo a um "um bem novo, idêntico ou similar ao avaliado, que pode ser obtido a partir do banco de preços de referência (art. 11)". O valor justo corresponde àquele "calculado com base no valor presente do fluxo de caixa estimado para o prazo remanescente do contrato (art. 12)".

Outro ponto crucial diz respeito à relação entre a indenização e o fim do prazo do contrato, fixando-se, como regra, que os investimentos serão "amortizados ou depreciados até o término do prazo contratual (art. 15)". Portanto, sem direito à indenização. Excepcionam-se, com obviedade, os investimentos pactuados com prazo maior ou os investimentos extraordinários, com a condição de que estejam previamente aprovados por entidades reguladoras independentes (ERI), por exemplo.

Como amplamente apontado, nos projetos de infraestrutura, existem investimentos cuja expressão e funcionalidade persistem além do período planejado. No caso, para fins de indenização, propõe-se a observância da metodologia de formação da receita tarifária; em não sendo possível, indica-se o custo histórico corrigido (ou seja, o custo de aquisição ou de construção contabilizado e atualizado pelos índices de correção). Como terceira alternativa, propõe-se o valor novo de reposição (VNR). No procedimento, elabora-se um laudo de avaliação técnica. Não se excluem, ainda, as indenizações por caducidade ou por encampação.

No caso dos contratos licitados, se uma metodologia estiver prevista no contrato, ela pode ser utilizada; do contrário, sugere-se o método do valor justo, desde que o modelo contratual tenha sido elaborado com base no fluxo de caixa. Em não sendo possível, utiliza-se a metodologia da base de remuneração regulatória; por fim, tem-se a metodologia do valor novo de reposição. Propõem-se fórmulas, ainda, para as indenizações devidas no caso dos contratos não licitados.

De forma oportuna, a norma de referência reitera que as doações e subvenções - outra dinâmica bastante presente no setor - não serão computadas para fins de indenização (art. 32).

Tem-se uma norma que objetiva contribuir concretamente à manutenção dos contratos, à estabilidade e à harmonização regulatória. Não esgota o assunto. Demandará maiores tratamentos normativos e reflexões acerca de sua aplicação. No setor de saneamento, metas temporais de universalização e índices de qualidade da operação são cruciais. O mesmo pode ser dito com relação à indenização. É, afinal, o que dispõe a própria norma de criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, ao endossar a "padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico firmados entre o titular do serviço público e o delegatário" (art. 4º-A, §1º, III da lei 14.026/20), de forma a construir uma base sólida para que os investimentos se mostrem frutíferos, além de objetivar a prestação adequada e módica do serviço.

Augusto Neves Dal Pozzo

Augusto Neves Dal Pozzo

Professor de Direito Administrativo e Fundamentos de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI). Vice-Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Advogado e Parecerista. Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

Bruno José Queiroz Ceretta

Bruno José Queiroz Ceretta

Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em "Diritto Pubblico" pela Universidade de Roma I "La Sapienza". Mestre em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP. Membro da Comissão Permanente de Direito Administrativo do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. Advogado no Dal Pozzo Advogados.

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