MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O IVA dual e a definição do conceito de serviço por lei complementar

O IVA dual e a definição do conceito de serviço por lei complementar

Entendemos que a EC 132 buscou introduzir comando com o objetivo de garantir a implementação do IVA dual nos termos em que idealizado pelo legislador constitucional derivado, ou seja, de um tributo de bases amplas.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Atualizado às 13:48

Com a promulgação da EC 132, os dispositivos que estavam em discussão no Congresso Nacional tornaram-se definitivos e, assim, já é possível analisar o alcance e o impacto de algumas das mudanças aprovadas.

Um desses dispositivos é o artigo 156-A, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê que a lei complementar poderá estabelecer o conceito de operações com serviços, incluindo o seu conteúdo e alcance, admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens materiais, imateriais ou direitos.

Portanto, no presente texto, analisaremos a importância e a função da regra que prevê a possibilidade de a lei complementar definir o conceito de serviço como mecanismo para implementação do IVA dual nos termos propostos.

O IVA dual, idealizado pela PEC 45, tem como características principais base ampla e neutralidade tributária, esta que é alcançada pela não cumulatividade dos tributos. Portanto, a regra é que todas as atividades econômicas remuneradas sejam tributadas, permitindo o aproveitamento de créditos do IVA e tributando-se apenas o valor agregado.

No entanto, não é novidade que o mundo está em constante atualização e que a legislação deve acompanhar a evolução das relações jurídicas praticadas pela sociedade.

Assim, muito embora os conceitos de "bens", "direitos" e "serviços", nos termos em que hoje são conhecidos, sejam suficientes para alcançar a tributação de todas as atividades econômicas, é possível que, em alguns anos, essa realidade mude.

Foi justamente em razão da possibilidade de evolução das atividades econômicas desenvolvidas atualmente e da experiência vivida no Brasil nas últimas décadas que o legislador constitucional derivado incluiu, no artigo 156-A, da Constituição Federal, o parágrafo 8º, que prevê a faculdade de o legislador complementar estabelecer o conceito de "operações com serviços", incluídos o seu conteúdo e alcance, "admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos".

Como se vê, não há qualquer previsão autorizando a lei complementar a estabelecer os conceitos de "bens materiais", "bens imateriais" ou "direitos". Há, apenas, o conceito de "serviço", exclusivamente para que essa definição alcance toda e qualquer operação que não se enquadre no conceito de "bens" e "direitos".

A redação do artigo 156-A, parágrafo 8º, da Constituição Federal é clara no sentido de que a lei complementar "poderá" - e não "deverá" - estabelecer o conceito de operações com serviços. Em outras palavras, esse é um mecanismo que está previsto na Constituição Federal, à disposição do legislador complementar para, se e quando necessário for, estabelecer o conceito de "operações com serviços" e alcançar eventuais novas atividades econômicas que não se enquadrem nos conceitos de "bens", "direitos" e "serviços" como conhecidos nos dias de hoje.

Inclusive, este recurso já foi utilizado em outras ocasiões. A título exemplificativo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 233/08, de autoria do ex-deputado federal Sandro Mabel, que também buscou a implementação de um IVA Federal que incidiria sobre operações com bens e serviços, previa expressamente que o artigo 153, parágrafo 7º, da Constituição Federal definiria "prestação de serviço" como "toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens"1.

Em outras palavras, o texto da PEC 233/08 previu mecanismo parecido que poderia ser utilizado pelo legislador infraconstitucional para classificar como serviço toda e qualquer operação que não fosse considerada circulação ou transmissão de bens, garantindo a base ampla do IVA Federal.

Outro exemplo disso é a previsão do próprio artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, que criou o ISS e prevê que o imposto municipal deverá incidir sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência do ICMS, "definidos em lei complementar". Mais uma vez, a Constituição Federal deu ao legislador complementar a faculdade de definir o conceito de serviço para fins exclusivos da incidência do ISS.

Tanto é assim que este mecanismo foi utilizado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos históricos sobre a interpretação do conceito de "serviço". Ao julgar o RE 651.703 e reconhecer a incidência do ISS sobre serviços de planos de saúde, o STF entendeu que o imposto municipal não estaria vinculado a obrigações de fazer, mas, sim, a uma interpretação mais ampla, respaldada na economia e que daria ao ISS competência para tributar pelo imposto municipal as operações não alcançadas pelo ICMS.

De forma semelhante, ao julgar os REs 547.245 e 592.905 e reconhecer a incidência do ISS sobre operações de leasing e leaseback, o STF afastou a aplicação do entendimento de que o ISS seria aplicável apenas a obrigações de fazer, para reconhecer a tributação pelo imposto de atividades que não se enquadram em outras espécies tributárias.

Assim, o legislador constitucional derivado buscou criar mecanismo semelhante ao que já vemos na prática nos dias de hoje para que o conceito de "serviço" alcance a tributação de novas atividades que eventualmente venham a surgir e que não se enquadrem na definição atual de bens materiais, imateriais, inclusive direitos ou serviços.

Portanto, entendemos que a Emenda Constitucional 132 buscou introduzir comando com o objetivo de garantir a implementação do IVA dual nos termos em que idealizado pelo legislador constitucional derivado, ou seja, de um tributo de bases amplas, que visa a alcançar as mais importantes atividades econômicas realizadas pela sociedade, ainda que, no futuro, essas atividades possam se desenvolver ou se transformar, não mais se enquadrando à perfeição nos conceitos jurídicos que temos hoje para "bens", "direitos" e "serviços".

_____________

1 Texto da PEC nº 233/2018 disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=540729&filename=PEC%20233/2008.

_____________

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Luiz Roberto Peroba Barbosa

VIP Luiz Roberto Peroba Barbosa

Advogado e sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Marco Aurelio Louzinha Betoni

Marco Aurelio Louzinha Betoni

Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca