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O concurso público é a via constitucional para outorgar a serventia extrajudicial declarada vaga

O artigo busca fazer uma análise das regras atuais que norteiam os concursos para ingresso na atividade notarial e de registro nos termos do Art. 236 da Constituição Federal, da lei 8935/94 e da Resolução 81/2009 do CNJ.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Atualizado em 18 de março de 2024 12:47

A Constituição Federal de 1988 dedicou o artigo 236 para estabelecer que os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, e que o ingresso na atividade depende de aprovação em concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de 6 (seis) meses.

O dispositivo constitucional vinculou a regulamentação da atividade dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos à edição de lei, que foi materializada pela Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994. Além de dispor sobre o ingresso na atividade por meio de concurso público, observados os requisitos fixados em edital, estabeleceu a necessidade de observância da estrita ordem de classificação no concurso. 

Historicamente, o prazo constitucional de 6 (seis) meses para outorga de uma serventia extrajudicial declarada vaga tornou-se um desafio impraticável, pois os procedimentos necessários para que o Poder Judiciário organize e realize um certame de tamanha envergadura ultrapassa significativamente o constante do dispositivo constitucional, o que acaba acarretando um expressivo número de serventias vagas em todo o Brasil.

Com vistas a auxiliar os Tribunais de Justiça dos Estados na tarefa de realização de concursos para ingresso nas serventias extrajudiciais, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 81/2009, que dispõe sobre o regramento balizador dos concursos públicos de provas e títulos para a outorga de delegações de atribuições notariais e de registros públicos, além da publicação da minuta de edital, contendo os parâmetros que devem constar no instrumento convocatório do certame.

Na linha do preconizado pela Carta Magna, o normativo do CNJ determina a realização de concurso com periodicidade semestral (art. 2º). No entanto, por entender a complexidade e as dificuldades inerentes à execução dos concursos em termos práticos, o CNJ considerou a possibilidade de que a conclusão do certame seja em até 12 (doze) meses (art. 2º, § 1º), a contar da publicação do Edital, sob pena de apuração de responsabilidade funcional.

Todavia, é inegável que o prazo de 12 (doze) meses está longe de ser o ideal para que os concursos se desenvolvam de forma adequada. Na verdade, trata-se de um lapso temporal inatingível, especialmente quando depende da realização das seguintes etapas: i) prova objetiva de seleção; ii) prova escrita e prática; iii) prova oral; iv) exame de títulos; v) audiência de escolha. Todas essas etapas precisam ser realizadas em apenas 1 (um) ano.

Aliás, há mais uma etapa que deve ser considerada para que o concurso alcance seu objetivo maior, qual seja, prover a serventia extrajudicial, que se consolida com a entrada em exercício do classificado no certame que a escolheu na audiência, foi outorgado e investido para aquela delegação.

Vale destacar que a complexidade desse tipo de concurso não se difere dos concursos para ingresso na carreira da magistratura, que aliás possuem etapas muito próximas. Inclusive, trata-se de um fenômeno atual a migração de magistrados para serventias extrajudiciais, após a devida aprovação em concurso público.

No entanto, em que pese possuam graus de dificuldade similares, o concurso para ingresso na carreira da magistratura dispõe de prazo superior para sua realização - 18 (dezoito) meses a contar da inscrição preliminar até a homologação do resultado (art. 15, da Resolução CNJ 75/09) - além do prazo de validade do certame ser de 2 (dois) anos, prorrogável por igual período (art. 16).

Paradoxalmente, os concursos para outorga de serventias extrajudiciais, além de terem que ser realizados em até 12 (doze) meses, não dispõem de prazo de validade do certame, o que acaba gerando essa necessidade - impraticável - de realização de concursos a cada 6 (seis) meses. 

Além de ser inviável do ponto de vista da administração dos Tribunais, também potencializa as dificuldades relacionadas ao preenchimento das serventias disponíveis, dado que, após a audiência de escolha, o concurso deve ser encerrado, sem qualquer garantia de que os classificados entrarão em exercício.

Em que pese tenha havido recente alteração na Resolução CNJ 81/09 para possibilitar até 3 (três) audiências de escolha (Resolução CNJ 478/22), é inegável que tal situação não tem o condão de atingir todos os concursados classificados, porque ainda permite que, após a última audiência a serventia outorgada, por decisão unilateral do aprovado, não seja provida por declinar em entrar em exercício, retirando a oportunidade de quem está em ordem posterior de classificação.

Para que seja possível obter todo o potencial que um concurso público oferece e prover o máximo de serventias possível, torna-se indispensável alterar pontualmente o normativo do CNJ para possibilitar o direito de escolha de serventia extrajudicial ofertada no edital do concurso público e não provida nas primeiras audiências de escolha, ou as declaradas vagas dentro do prazo de validade do concurso.

A oferta da serventia extrajudicial não provida deve ser automática ao classificado seguinte àquele que escolheu e não entrou em exercício, ou mesmo entrando tenha operado alguns dos motivos de extinção de delegação, previstos no art. 39 da lei 8.935/94, dentro do lapso de validade do concurso. 

Assim, é inteligente e eficaz deslocar o encerramento do concurso, alterando o que, atualmente, tem-se como o dia da última audiência de escolha, o último dia do prazo de validade da classificação no concurso, assim como ocorre no concurso para a magistratura, permitindo, assim, maior oferta dos cartórios vagos nesse período.

Certamente, isso permitirá um melhor aproveitamento dos concursos públicos para outorga da atividade notarial e registral; a redução no tempo de provimento das serventias declaradas vagas; garantirá a preservação institucional da serventia; preservará o princípio do concurso público; priorizará a outorga a titulares concursados vinculados ao edital, impedindo que titulares acumulem inúmeras serventias como interinos, prejudicando a prestação do serviço, entre outros riscos ao patrimônio da serventia em ambientes de concorrência.

É preciso olhar adiante e pensar em mecanismos e sistemáticas possíveis de solucionar a ocupação por interinos, substitutos legais ou titulares concursados, além do prazo de 6 (seis) meses - e os reflexos práticos  do julgamento da ADIn 1.183 (ação ainda não transitada em julgado) -, mas, além disso, evitar que ocorra uma espécie de remoção sem concurso por titulares outorgados em outros certames, que não estão vinculados ao edital que ofertou a serventia extrajudicial vaga, porque é exatamente isso que vai ocorrer caso não sejam revisitadas as regras relativas à ampliação do prazo de validade para conclusão do concurso, além da possibilidade de que as serventias que vagarem durante o prazo de validade do concurso sejam oferecidas aos aprovados vinculados ao edital.

Feitas essas breves considerações, não é repetitivo afirmar que apenas com a realização do concurso público de provas e títulos é possível alcançar a efetividade material do disposto no art. 236 da Constituição Federal, qual seja o de promover a outorga das serventias extrajudiciais vagas. 

Diante disso, mostra-se imperioso: i) ampliar o prazo para conclusão do concurso, atribuindo um prazo de validade da classificação do aprovado, a exemplo do que ocorre com o ingresso na magistratura; ii) estabelecer  mecanismo de oferta da serventia extrajudicial após a realização da primeira audiência de escolha até exaurir o número de classificados por vaga ofertada no edital; e, iii) publicar edital de concurso com eventuais serventias declaradas vagas e que não conste no edital anterior a cada 6 (seis) meses e fazer concurso - isso garante que, se uma serventia provida ficar vaga após a publicação de novo edital, mas não tenha exaurido o prazo de validade de classificados do edital anterior, seja a estes ofertadas, sem ter que esperar a conclusão do concurso seguinte e realização de outro concurso posterior.

A adoção dessas medidas inovadoras nos concursos públicos em debate, de todo modo, preserva o capital humano do corpo de funcionários, que podem ser aproveitados pelo novo aprovado no concurso público, bem como a qualidade do serviço ao usuário, evitando que uma serventia extrajudicial seja gerida por mais que 6 (seis) meses por um titular concursado de mesma especialidade, que pode ter características de concorrente. Mas, sobretudo, é a via mais eficaz para alcançar o dispositivo constitucional em prover uma serventia extrajudicial dentro do lapso de 6 (seis) meses.

José Elias de Albuquerque Moreira

VIP José Elias de Albuquerque Moreira

Advogado - Medauar Advocacia; Doutorando e Mestre em Direito (UNIMAR/SP); Esp. em Direito Notarial e Registral (PUC/MG) e D. Imobiliário (F. Baiana); Ex-Tabelião Oficial de Registro Públicos (CE).

Maria Tereza Uille Gomes

Maria Tereza Uille Gomes

Doutora em Sociologia UFPR. Mestre em Educação PUCPR. Especialista em Direito Administrativo e Direito Processual Penal. Professora do Mestrado e Doutorado da Universidade Positivo. Foi Conselheira do CNJ e Procuradora Geral de Justiça MPPR.

Paula Ferro Costa de Sousa

Paula Ferro Costa de Sousa

Advogada. Foi Assessora-chefe de gabinete no Conselho Nacional de Justiça de 2009 a 2023. Mestre em Direito pelo Instituto de Direito Público (IDP). Coordenadora Acadêmica do Instituto DIA.

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