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A nova redação do art. 9 da lei de improbidade retroagirá?

STF decide que mudanças na lei de improbidade administrativa se aplicam retroativamente a atos culposos anteriores, exigindo análise de dolo.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Atualizado às 07:48

Ao apreciar o tema 1.199 de repercussão geral, o STF decidiu que as alterações da lei 14.230/21 relativas à exigência do dolo para a configuração do ato de improbidade retroagem: "3) A nova lei 14.230/21 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente".1

Gradativamente, os Tribunais têm reconhecido a retroatividade da lei mais benéfica (CF, art. 5º, XL) em relação a outros dispositivos da lei de improbidade administrativa alterados pela lei 14.230/21.

Em setembro/23, o Plenário do STF julgou improcedente ação de improbidade fundamentada no revogado art. 11, I, da lei 8.429/92: "4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do art. 11 da lei 8.429/92 e que (ii) a lei 14.231/21 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente".2

No STJ, a 1ª seção havia afetado ao rito dos recursos repetitivos o Tema 1.096, cujo objeto era "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". No último dia 22 de fevereiro, o Tema foi cancelado a partir de questão de ordem suscitada pelo relator, ministro Afrânio Vilela, em razão da superveniência da lei 14.231/21. Segundo ele, "a nova redação do art. 10, inciso VIII, resolve aparentemente a questão objeto da controvérsia afetada dispondo que para fins de configuração de improbidade administrativa o ato deverá acarretar 'perda patrimonial efetiva'".

Assim, vem se consolidado o entendimento de que a nova redação dos art. 10 e 11 da lei de improbidade administrativa retroage, aplicando-se aos processos em curso mesmo que os fatos tenham sido praticados antes da lei 14.231/21.

E quanto às alterações do art. 9º da lei 8.429/92, qual será o entendimento dos Tribunais? Por exemplo, a nova redação do inciso VII altera radicalmente um dos tipos de enriquecimento ilícito, ao exigir a existência de um nexo de causalidade entre a aquisição de bens incompatíveis com a renda e o exercício do cargo ("em razão deles").

A prevalecer a lógica que vem sendo adotada pelos Tribunais Superiores quanto aos arts. 10 e 11, entende-se que a nova redação do art. 9º da lei 8.492/92 também deverá retroagir. Afinal, como ensina Carlos Maximiliano em seu clássico Hermenêutica e Aplicação do Direito, "onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito" e "onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir".3

Neste sentido, em março deste ano, o TJ/RJ afastou a condenação de servidor público por improbidade administrativa, com base na nova redação do art. 9º, VII, da lei 8.429/92, por entender que não ficou comprovada a relação de causalidade entre a evolução patrimonial injustificada e o exercício da função pública.

Nos termos do Acórdão, "conclui-se pela reforma da sentença, na medida em que o inciso VII do art. 9º da lei 8429/92, na redação conferida pela lei 14.230/21 possui aplicação imediata e que não foi provada pelo Ministério Público a causalidade entre a evolução injustificada do patrimônio do agente e o exercício da função pública (art. 373, I do CPC), sendo certo o descabimento da inversão do ônus da prova (art. 17, §19, da LIA)" (TJ/RJ, 7ª câmara de Direito Público, rel. des. Marco Antonio Ibrahim, j. 14/3/24).

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1 STF, Pleno, ARE 843989, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe. 09/12/2022.

2 STF, Pleno, ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, rel.p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe de 06/09/2023.

3 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 200/201.

Francisco Zardo

Francisco Zardo

Sócio da Dotti Advogados, Doutorando em Direito Administrativo (USP), Mestre em Direito do Estado (UFPR), Conselheiro Estadual da OAB/PR e Presidente da Comissão de Direito Administrativo Sancionador do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo - IBDA.

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