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INPI passará a aceitar pedidos de registro de marca com elementos de propaganda (slogans)

Em 27/11/24, o INPI atualizou seu Manual de Marcas, permitindo o registro de slogans como marcas. Essa mudança, antes restrita, beneficia pedidos pendentes e históricos.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Atualizado em 24 de janeiro de 2025 13:27

No dia 27/11/24, o INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial publicou a atualização do Manual de Marcas1, por meio da qual o INPI passou a aceitar pedidos de registro de marca que contenham expressões de propaganda (slogans). O novo entendimento beneficiará pedidos de registro que ainda estejam sob análise, mesmo que depositados anteriormente à atualização do Manual2

Contexto histórico

A lei 5.772/71 - anterior à LPI - Lei da Propriedade Industrial 9.279/96 -, dispunha, de forma clara, que o registro de elementos de propaganda era possível em praticamente todos os cenários, desde que o depositante exercesse atividade lícita3. As vedações ao registro eram pontuais, com as hipóteses de indeferimento dispostas no art. 76 da lei4

Com a substituição do código pela LPI, ficou estabelecido, pelo inciso VII do art. 124, que não seria registrável como marca "sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda"

Apesar da mudança legislativa não ter proibido o registro de marca contendo slogan, essa possibilidade foi restringida e passou a ter caráter discricionário, de forma que ficou a cargo da entidade competente a conceder o registro - O INPI - interpretar a norma e determinar se o sinal era, ou não, empregado apenas como meio de propaganda e, portanto, passível de registro. 

Entendimento do INPI anterior a outubro de 2024

Em conformidade com a flexibilidade prevista no art. 15 do Acordo TRIPs - Agreement on Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights5, que permite aos países signatários estabelecerem critérios próprios para a concessão ou recusa do registro de marcas, o INPI firmou entendimento no sentido de que, em regra, não era possível registrar slogans. A partir de então, o INPI arquivou todos os pedidos de registro que estavam em análise e impossibilitou a renovação dos registros vigentes, seguindo o regramento do art. 233 da LPI6.

Na época, muito se discutiu que o posicionamento do INPI se teria dado em razão da falta de uma estrutura adequada para processar todos os pedidos de registro de slogans. O processo de avaliação desses elementos mais subjetivos e criativos era complexo e exigia uma infraestrutura robusta, o que o INPI não possuía.

Em pesquisa conduzida pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 20067, 73 países e três organizações intergovernamentais foram questionados sobre a possibilidade de slogans serem registrados de acordo com suas normas, dos quais, apenas o Brasil, o Japão, a China e a Coreia do Sul responderam que não permitiam o registro. No entanto, conforme destacou Schmuell Cantanhêde durante encontro promovido pelo INPI, com as mudanças implementadas na China e no Japão, em 2023 restavam apenas Brasil e Coreia do Sul nessa posição.

É relevante frisar que, apesar do entendimento firmado nesse sentido, como exceção, o registro de expressões de propaganda poderia ser concedido a título de marca. Isso acontecia quando a expressão era utilizada por um considerável tempo e se associava à marca de tal forma que o consumidor passava a identificar o produto ou serviço pela mera menção a seu slogan. Conforme ensina Schmidt8, quando esse grau de compreensão e associação era atingido, a expressão de propaganda havia se transformado em marca, sem deixar de ser um slogan, de forma que o sinal estaria apto a registro.

Há alguns, poucos, registros de slogans deferidos pelo INPI até novembro de 2024 (antes da atualização do Manual de Marcas), por conta desse entendimento, como: 

  • ARCOR MOMENTOS MÁGICOS, processo 830360840, registrado na classe NCL (9) 30;
  • I CAN'T BELIEVE IT'S NOT BUTTER, processo 903859165, registrado na classe NCL (9) 29; e
  • JUST DO IT, processo 814621988, registrado na classe NCL (8) 25

Diante de todo esse cenário, que tornava quase impossível o registro no INPI, os empresários buscavam alternativas para proteger seus slogans. Uma das vias utilizadas era o registro junto à Biblioteca Nacional. No entanto, pela exegese do inciso VII, art. 8° da lei de direito autoral (lei 9.610/98)9, o órgão não possui competência para registrar slogans e, portanto, não poderia oferecer a proteção desejada. Em razão disso, a Biblioteca Nacional passou a proibir expressamente o registro de slogans10, o que inviabilizou essa alternativa.

Outro meio utilizado, mais apropriado, foi o registro junto à ABP - Associação Brasileira de Propaganda. Embora essa opção garantisse a proteção do slogan, os depósitos eram mantidos pela ABP por apenas por seis meses, com possibilidade de renovação única por igual período. Esse prazo curto tornava a proteção insuficiente para slogans associados a campanhas publicitárias de longo prazo.

Diante do cenário apresentado, a proteção das expressões de propaganda, de forma geral, ficou restrita a ações contra concorrência desleal, pelo art. 195, inciso IV, da LPI11. Apesar de esse mecanismo ajudar na proteção desses sinais, não havia nenhuma regulamentação rígida sobre o assunto, o que gerava um cenário de grande insegurança jurídica no país. 

Mudança no entendimento do INPI

Em 2024, em consonância com a prática já adotada pela maioria dos países e visando a alinhar o Brasil às disposições da CUP - Convenção de Paris12, o INPI avança e resolve retirar o Brasil do reduzido grupo de nações que ainda não permitem o registro de slogans.

A mudança se deu por meio de uma nova interpretação dada ao inciso VII do art. 124 da LPI, que dispõe que não é registrável como marca "sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda". A nova interpretação do INPI, conforme a atualização do Manual de Marcas, estabelece que o indeferimento com base nesse inciso ocorrerá apenas quando o sinal, de forma cumulativa, (i) exercer função de propaganda e (ii) for incapaz de exercer função distintiva.

O sinal será considerado incapaz de exercer função distintiva quando se tratar de uma expressão publicitária que se tornou de uso comum no segmento de mercado, quando é exclusivamente descritiva, comparativa, promocional ou elogiosa ou, ainda, quando é desprovida de originalidade. Nesses casos, o sinal não cumpre sua função de diferenciar produtos ou serviços, tornando-se ineficaz para estabelecer uma identidade única no mercado. Alguns exemplos de slogans não registráveis, trazidos pela própria proposta de atualização do Manual de Marcas, são: "diversão garantida" ou "o melhor sapato do brasil" ou, ainda, "Leve 3 e pague 2".

Dessa forma, a nova postura do INPI promove um avanço significativo ao harmonizar o sistema de proteção marcária brasileiro com padrões internacionais, aumentando a competitividade e fomentando maior segurança jurídica para empresas que utilizam slogans como parte de sua estratégia de branding.

Aspectos relevantes a serem considerados

Embora a medida ofereça maior segurança jurídica ao garantir exclusividade sobre slogans e protegê-los de imitações ou disputas legais, ela também pode impactar a dinâmica criativa do mercado publicitário. A mudança introduz maior complexidade ao processo criativo, uma vez que as empresas precisarão realizar pesquisas prévias no banco de dados do INPI para evitar alguma violação de marca. Essa nova etapa burocrática pode atrasar a execução de campanhas e aumentar os custos operacionais, limitando um campo historicamente marcado pela liberdade e experimentação.

Outra consideração relevante a ser feita, ainda em relação ao campo publicitário, diz respeito a maior efemeridade que os slogans possuem em comparação às marcas. Enquanto estas últimas raramente são alteradas, os slogans evoluem ao longo do tempo, uma vez que representam uma tentativa de comunicação entre a empresa e o público-alvo de um produto ou serviço. Nesse contexto, surge a reflexão sobre a adequação de um prazo de proteção mais curto para os slogans, inferior aos 10 anos tradicionalmente concedidos às marcas13, de modo a refletir melhor as peculiaridades desse tipo de sinal.

Embora a alteração no prazo de proteção não seja viável exclusivamente por meio do INPI, uma vez que demandaria uma mudança legislativa, o objetivo do presente artigo é fomentar a reflexão sobre as possíveis consequências da manutenção desse período. Entre as implicações relevantes, destaca-se o engessamento do setor publicitário, decorrente de slogans obsoletos permanecerem sob proteção. Embora o mecanismo de caducidade exista, ele pode acarretar atrasos na criação de campanhas, além de representar um obstáculo financeiro significativo, especialmente para empresas de médio e pequeno porte, em razão dos custos envolvidos.

Ademais, a partir da análise do Manual de Marcas atualizado, é possível observar um relevante elemento de subjetividade no processo de concessão de registros para as expressões de propaganda, o que também pode acarretar consequências importantes. Excetuados os casos em que o nome ou o logo da marca está integrado ao slogan, avaliar a capacidade de um slogan em exercer função distintiva apresenta um alto grau de discricionariedade.

O Manual de Marcas traz o slogan "O FUTURO É AGORA" como um exemplo de slogan registrável, por supostamente combinar propaganda e marca de forma ampla, com originalidade suficiente para identificar serviços de desenvolvimento de software. Em contrapartida, o slogan "CUIDANDO DE VOCÊ" foi apontado como irregistrável, por ser uma expressão publicitária meramente promocional, sem o grau mínimo de originalidade necessário para distinguir serviços de seguros de saúde. 

Fica evidente que a definição de quais slogans são passíveis de registro e quais não são dependerá de uma análise interpretativa. Essa característica tende a gerar um volume maior de questionamentos às decisões do INPI, o que pode resultar em uma sobrecarga tanto para o instituto quanto para o Poder Judiciário.

Conclusão

A mudança na interpretação do art. 124, inciso VII, da LPI, promovida pelo INPI, representa um avanço significativo ao oferecer maior segurança jurídica para aqueles que utilizam slogans como parte de suas estratégias de marca. Essa medida posiciona o Brasil em alinhamento com práticas internacionais e reforça a proteção de elementos publicitários distintivos, incentivando investimentos e a valorização da propriedade intelectual.

No entanto, a inovação traz, também, desafios importantes que precisarão ser enfrentados, como, a subjetividade na análise de distintividade, a potencial sobrecarga do INPI e do Judiciário bem como o impacto no setor criativo do mercado. Esses aspectos demandarão ajustes, monitoramento contínuo e, possivelmente, novos debates para equilibrar a proteção jurídica com a liberdade criativa e a eficiência administrativa.

________

1 Instituto Nacional Da Propriedade Industrial INPI. Atualizações do Manual de Marcas. 27 nov. 2024. Disponível em: https://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/Atualiza%C3%A7%C3%B5es. Acesso em: 12 dez. 2024

2 Instituto Nacional Da Propriedade Industrial INPI. Encontro sobre registro de slogans como marca. Youtube, 30 out. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/live/FMksBPIkF78. Acesso em 28 nov. 2024.

3 Art. 73. (...) 1º Pode requerer o registro de expressão ou sinal de propaganda todo aquele que exercer qualquer atividade lícita.

4 Art. 76. Não são registráveis como expressões ou sinais de propaganda:

1) palavras ou combinações de palavras ou frases, exclusivamente descritivas das qualidades dos artigos ou atividade;

2) cartazes, tabuletas, anúncios ou reclames que não apresentem cunho da originalidade ou que sejam conhecidos e usados publicamente em relação a outros artigos ou serviços por terceiro;

3) anúncios, reclames, frases ou palavras contrárias a moral ou que contenham ofensas ou alusões individuais, ou atentem contra ideias, religiões ou sentimentos veneráveis;

4) todo cartaz, anúncio ou reclame que inclua marca, título de estabelecimento, insígnia, nome de empresa ou recompensa, dos quais legitimamente não possa usar o registrante;

5 palavras, frases, cartazes, anúncios, reclame ou dísticos que já tenham sido registrados por terceiros ou sejam capazes de originar erro ou confusão com tais anterioridades; o que estiver compreendido em quaisquer das proibições concernentes ao registro de marca.

6 Article 15: "1. Any sign, or any combination of signs, capable of distinguishing the goods or services of one undertaking from those of other undertakings, shall be capable of constituting a trademark. Such signs, in particular words including personal names, letters, numerals, figurative elements and combinations of colors as well as any combination of such signs, shall be eligible for registration as trademarks. Where signs are not inherently capable of distinguishing the relevant goods or services, Members may make registrability depend on distinctiveness acquired through use. Members may require, as a condition of registration, that signs be visually perceptible."

2. Paragraph 1 shall not be understood to prevent a Member from denying registration of a trademark on other grounds, provided that they do not derogate from the provisions of the Paris Convention (1967)."

7 Art. 233. Os pedidos de registro de expressão e sinal de propaganda e de declaração de notoriedade serão definitivamente arquivados e os registros e declaração permanecerão em vigor pelo prazo de vigência restante, não podendo ser prorrogados.

8 WIPO. Survey on the protection of marks consisting of non-visible signs and other marks. Genebra: World Intellectual Property Organization, 2006. Disponível em: https://www.wipo.int/export/sites/www/sct/en/meetings/pdf/wipo_strad_inf_1_rev_1.pdf. Acesso em: 22 nov. 2024.

9 SCHMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 389. ISBN 978-85-519-1302-4.

10 Art. 8. Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: (...) VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.

11 BIBLIOTECA NACIONAL. É possível registrar nomes de banda, slogans, legendas ou expressões de propaganda no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional? Disponível em https://antigo.bn.gov.br/pergunta-resposta/possivel-registrar-nomes-banda-slogans-legendas-ou#:~:text=N%C3%A3o%2C%20o%20EDA%2FFBN%20%C3%A9,n%C3%A3o%20configuram%20obra%20intelectual%20protegida. Acesso em 29 nov. 2024

12 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (...) IV - Usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

13 Artigo 6 quinquies, B: Só poderá ser recusado ou invalidado o registro das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo nos casos seguintes: 1º. [...] 2º. Quando forem desprovidas de qualquer caráter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a proteção é requerida.

14 Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

Carlos E. Strasburg Jr.

Carlos E. Strasburg Jr.

Associado de Pinheiro Neto Advogados

Márcio Junqueira Leite

Márcio Junqueira Leite

Integrante de Pinheiro Neto Advogados desde 2000 e trabalha no escritório de São Paulo. Atua nas áreas de Propriedade Intelectual, Tecnologia e Entretenimento.

Pollyanna Gal Riley

Pollyanna Gal Riley

Estagiária - Pinheiro Neto Advogados.

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