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Termo de compromisso na lei das bets: Autoridades envolvidas e fases da negociação

Autoridades e etapas do Termo de Compromisso na Lei das Bets são o foco do terceiro artigo da série sobre o regime sancionador.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado às 07:43

Neste terceiro artigo da série sobre os termos de compromisso na lei das bets, trataremos (1) das autoridades envolvidas e (2) das fases da negociação. Em artigos anteriores, já apresentamos as condutas sancionáveis, os sujeitos passíveis de persecução, as penas prescritas e a dosimetria incidente nas penalidades previstas na Lei 14.790/23 ("lei de bets")1. Ademais, já tratamos dos requisitos, impedimentos, benefícios administrativos previstos em lei a serem concedidos àqueles interessados em encerrar os processos administrativos movidos pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda ("SPA/MF") contra si, bem como da inexistência de benefícios cíveis, criminais e em demais esferas administrativas automáticos a partir da celebração de termos de compromisso na lei de bets2.

(1)  Autoridades envolvidas nos termo de compromisso na lei das bets

Sob a divisão de responsabilidades delineada pela lei das bets e o decreto 11.907/24, três autoridades deverão ter papel fundamental na condução de processos administrativos sancionadores e na negociação e assinatura de termos de compromisso relacionados a infrações previstas na lei: (1.1.) a Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização, a (1.2.) Subsecretaria de ação sancionadora, e, por fim, a (1.3.) a SPA/MF, órgão hierarquicamente superior aos demais3.

A (1.1.) Subsecretaria de monitoramento e fiscalização detém poderes para supervisionar e desenvolver ações de fiscalização relativas à exploração de apostas de quota fixa e demais modalidades lotéricas. Cabe a ela monitorar o cumprimento dos normativos relacionados à corrupção, lavagem de dinheiro e outros delitos, no âmbito das apostas esportivas, bem como propor medidas corretivas, ajustes e aprimoramentos nos normativos da SPA/MF, tomando por base os resultados das suas atividades de fiscalização. Por fim, quando detectadas irregularidades, a Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização deve instaurar, instruir e analisar o processo administrativo sancionador contra o operador, propondo à Subsecretaria de ação sancionadora a aplicação de sanções administrativas ou o arquivamento do processo4.

A (1.2.) Subsecretaria de ação sancionadora tem atuação complementar à da Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização. Ela detém a incumbência de (i) julgar os processos administrativos sancionadores em primeira instância, bem como os pedidos de reconsideração e de revisão formulados contra suas decisões; (ii) decidir sobre a aplicação de sanções ou o arquivamento dos processos; (iii) realizar o juízo de admissibilidade de recursos administrativos; e (iv) propor a celebração de termo de compromisso, em qualquer fase do processo administrativo até a tomada da decisão de primeira instância.

A Subsecretaria de ação sancionadora terá a atuação mais significativa em relação às tratativas para assinatura do termo de compromisso. A iniciativa de propor o termo de compromisso poderá partir tanto do interessado como também da própria subsecretaria de ação sancionadora5. É possível que a proposta seja tratada como documento sigiloso, após requerimento do interessado ou de ofício, exigindo-se na segunda hipótese decisão fundamentada da Secretaria de Prêmios e Apostas6.

Por sua vez, a (1.3.) SPA/MF detém competência para (i) instaurar o processo administrativo sancionador e aplicar sanções administrativas por infrações à lei das bets e aos regulamentos aplicáveis ao setor; (ii) regular, fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas nos artigos 10 e 11, da Lei de Lavagem de Dinheiro (lei 9.613/1998); (iii) disciplinar as penalidades e o processo administrativo sancionador para a apuração de infrações administrativas sob a lei das bets; e (iv) e (iv) celebrar termo de compromisso até a tomada da decisão de primeira instância no processo administrativo sancionador7.

(2)  Fases da negociação do termo de compromisso na lei das bets

A partir da análise da legislação, é possível identificarmos a existência de 6 fases na negociação de um termo de compromisso com base na lei das bets, conforme imagem abaixo:

Fonte: elaboração própria.

Fase 1. Apresentação da proposta. A iniciativa de propor a celebração de termo de compromisso pode partir tanto da pessoa física ou jurídica interessada, como da Subsecretaria de ação sancionadora, que detém competência para conduzir as tratativas. Caso a proposta seja formulada pelo interessado, ela pode ser endereçada (i) à Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização, caso o processo administrativo sancionador ainda esteja em fase de instrução, hipótese em que o tema será remetido imediatamente à análise da Subsecretaria de ação sancionadora8; ou (ii) à Subsecretaria de ação sancionadora, caso já tenha sido finalizada a instrução.

Conforme mencionado em nosso artigo anterior9, uma das exigências para a assinatura de um termo de compromisso é que ele seja firmado antes da prolação de decisão pela primeira instância administrativa, ou seja, antes de decisão pela Subsecretaria de ação sancionadora10.

Fase 2. Análise inicial proposta pela subsecretaria de ação sancionadora. A partir do recebimento da proposta, a subsecretaria de ação sancionadora terá prazo de 60 dias para (i) indeferir liminarmente a proposta, caso ela não cumpra os requisitos legais; (ii) intimar o interessado a promover o aditamento da proposta ou fornecer informações ou documentos adicionais; ou (iii) negociar os termos e as cláusulas da proposta11.

Fase 3. Negociação da proposta pela subsecretaria de ação sancionadora. Caso, a partir da análise inicial da proposta, a subsecretaria decida negociar os termos e as cláusulas da proposta, as negociações devem ser definitivamente finalizadas dentro do prazo de 60 dias. A Subsecretaria de ação sancionadora deterá poderes para adotar medidas que evitem prorrogações protelatórias do prazo e, caso identifique intuito protelatório por parte do interessado, deverá emitir decisão devidamente fundamentada sobre a conveniência e oportunidade da continuidade das tratativas12. Transcorridos os 60 dias de tratativas - ou mais, em caso de prorrogações -, a Subsecretaria de ação sancionadora emitirá decisão sobre o prosseguimento e viabilidade da proposta de termo de compromisso.

Fase 4. Decisão intermediária sobre a proposta pela subsecretaria de ação sancionadora. A Subsecretaria de ação sancionadora emitirá decisão sobre o prosseguimento e viabilidade da proposta de termo de compromisso. Em caso de indeferimento da proposta, quando a Subsecretaria não chegar a acordo com o interessado em relação aos termos do acordo e suas obrigações13, o processo administrativo sancionador será retomado do estado em que se encontrava, não sendo permitido ao interessado iniciar novas tratativas, pois somente se permite a apresentação de proposta de termo de compromisso uma única vez em relação ao mesmo fato14. Com base em uma interpretação sistemática da portaria 1.233/2415, entendemos que a decisão de indeferimento da proposta deverá ser impugnável por meio de recurso administrativo endereçado à própria Subsecretaria de ação sancionadora que, se não reconsiderá-la no prazo de trinta dias, deveria então encaminhar o tema para análise da autoridade hierarquicamente superior, a SPA/MF16, garantindo-se o duplo grau de jurisdição administrativa no exame do tema, em linha com o que dispõem a lei 9.784/199917 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos18. De outro lado, na hipótese de decisão positiva sobre o prosseguimento e viabilidade da proposta de termo de compromisso, a proposta será remetida à análise da SPA/MF, para decisão final quanto à celebração do termo de compromisso19.

Fase 5. Decisão final sobre a proposta pela SPA/MF. A decisão da SPA/MF, a partir da decisão da Subsecretaria de ação sancionadora quanto à viabilidade do termo de compromisso, será pautada em juízo de conveniência e oportunidade, aferindo-se ainda a compatibilidade da proposta ao interesse público e o atendimento dos requisitos legais e regulamentares. Também aqui parece-nos que a decisão seria impugnável por meio de recurso administrativo, neste caso endereçado à SPA/MF e, em caso de manutenção da decisão, submetido à análise do Ministro da Fazenda.

Fase 6 - Assinatura do termo de compromisso pela SPA/MF. A assinatura do termo de compromisso é de competência da SPA/MF20, o processo administrativo sancionador, por sua vez, será suspenso até que seja exaurido o prazo definido no termo de compromisso e se verifique o cumprimento de todas as obrigações compromissadas, quando só então será arquivado definitivamente21.

Fase 7 - Publicização obrigatória do termo de compromisso. Após a assinatura do termo de compromisso,sua versão pública será disponibilizada pela SPA/MF no site do Ministério da Fazenda em até 5 dias úteis22.

Fase 8 - Declaração de cumprimento (ou não) do termo de compromisso pela SPA/MF. O termo de compromisso deve necessariamente conter cláusulas fixando penalidades em caso de inadimplemento total ou parcial das obrigações, bem como mora do signatário23. Se constatado o descumprimento da avença, a Subsecretaria de ação sancionadora determinará a instauração ou prosseguimento do processo administrativo sancionador, devendo também adotar as medidas administrativas, extrajudiciais e judiciais, para garantir a execução das obrigações assumidas24. Quanto ao ponto, vale ressaltar que o termo de compromisso se constitui em título executivo extrajudicial, conferindo à União maior facilidade caso tenha de buscar a satisfação das obrigações pecuniárias pela via judicial25.

Conforme já antecipado em artigo anterior, a assinatura do termo de compromisso não gera benefícios na esfera criminal26. Justamente por isso, ainda que seja firmado o acordo, a SPA/MF permanece obrigada a comunicar eventuais ilicitudes de que tiver conhecimento ao Ministério Público e demais órgãos competentes, para adoção das medidas cabíveis na seara criminal27.

(3)  Primeiras conclusões sobre o termo de compromisso na lei das bets

Ao longo desta série, buscamos apresentar em detalhes o funcionamento do regime sancionador pensado para o mercado de apostas por quotas fixas (bets), explicando as razões pelas quais o termo de compromisso pode se tornar uma solução negociada interessante para os players do mercado que tenham apurações e processos administrativos instaurados contra si.

Ao final desse estudo, fica nítido que o legislador criou incentivos significativos para fomentar esse tipo de acordo com a SPA/MF, notadamente a possibilidade de afastamento das sanções mais gravosas previstas na lei 14.790/23, de mitigação das penalidades pecuniárias, e de assinatura do termo de compromisso sem confissão sobre matéria de fato ou reconhecimento de ilicitude. Devemos agora acompanhar de perto como a SPA/MF se utilizará desses instrumentos, recomendando-se especial atenção à interlocução mantida entre o órgão e o Ministério Público em situações em que possa haver a configuração de ilícitos penais, além dos esforços para manter em constante atualização as normas aplicáveis ao regime sancionador da SPA/MF, tema que já figura na agenda regulatória do órgão para o biênio 2025/202628.

_________

1 Disponível aqui. Acesso em 28.4.2025.

2 Disponível aqui. Acesso em 28.4.2025..

3 Organograma disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/conheca-a-spa, acesso em 1.2.2025.

4 Artigo 57, do Decreto nº 11.907/2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D11907.htm, acesso em 1.2.2025.

5 Artigo 41, caput, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

6 Artigo 41, §2º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

7 Artigo 55, incisos IV a VII, do Decreto nº 11.907/2024.

8 Artigo 42, §1º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

9 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/428836/termo-de-compromisso-na-lei-das-bets-requisitos-legais-e-beneficios, acesso em 28.4.2025.

10 Artigo 43, caput, da Lei nº 14.790/2023, combinado com artigo 19, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024. Disponíveis respectivamente em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm e https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-1.233-de-31-de-julho-de-2024-575659805, acesso em 1.2.2025.

11 Artigo 42, incisos I a III, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

12 Artigo 42, §4º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

13 Artigo 42, §2º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

14 Artigo 43, §1º, da Lei nº 14.790/2023, e artigo 41, §1º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

15 Artigo 21, caput e §§2º e 3º, da Portaria SPA/MF nº 1.233.2024.

16 Artigo 21, caput e §§2º e 3º, da Portaria SPA/MF nº 1.233.2024.

17 Artigos 56 e 57, da Lei nº 9.784/1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm, acesso em 14.4.2025.

18 Artigo 8.2, alínea h, da Convenção. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm, acesso em 14.4.2025.

19 Artigo 42, §3º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

20 Artigo 55, VI, do Decreto nº 11.907/2024.

21 Artigo 42, §§ 6º e 9º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

22 Artigo 42, §4º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

23 Artigo 44, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

24 Artigo 44, parágrafo único, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

25 Artigo 43, §7º, da Lei nº 14.790/2023.

26 Artigo 46, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

27 Artigo 45, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.

28 Artigo 2º e Anexo da Portaria SPA/MF nº 817/2025. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-817-de-15-de-abril-de-2025-624258870, acesso em 28.4.2025. Mais informações em: https://www.pinheironeto.com.br/conhecimento-juridico/alerta/secretaria-de-premios-e-apostas-spamf-lanca-nova-agenda-regulatoria-para-o-bienio-2025-2026#msdynttrid=Fksx6-ZhRfTZdsPZYSJ1rYZldqsI6scErarT9DdDk98.

Amanda Athayde

Amanda Athayde

Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

André Santa Ritta

André Santa Ritta

Advogado. Atua nas áreas de Direito Empresarial e Regulatório de Jogos e Apostas. Sócio no Pinheiro Neto Advogados e responsável pela área interdisciplinar do escritório dedicada ao setor de jogos e apostas. Master of Laws (LL.M) pela University of Chicago. Participou ativamente do processo de regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil. As opiniões dos autores são pessoais e não necessariamente representam a percepção das instituições às quais estejam vinculados

Lucas Santos de Sousa

Lucas Santos de Sousa

Advogado. Atua nas áreas de Contencioso Cível, Compliance e Anticorrupção. Associado em Pinheiro Neto Advogados. Master of Laws (LL.M) pela University of Pennsylvania (UPenn). Pós-Graduação em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). As opiniões dos autores são pessoais e não necessariamente representam a percepção das instituições às quais estejam vinculados.

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