A gestão temerária, o Banco Master e o BC
O caso Banco Master destaca o dilema entre gestão temerária e omissão regulatória do BC, debatendo limites da responsabilidade penal em ambiente regulado.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Atualizado às 15:00
O caso do Banco Master suscita diversos questionamentos. Um deles diz respeito ao Banco Central. Teria sido omisso o órgão regulador? A pergunta faz lembrar as décadas de 1970 e 1980. Criado em 1965, o BC buscava então estabelecer sua credibilidade e autonomia regulatória. No entanto, várias instituições financeiras entraram em colapso - como o banco Halles e a corretora Tieppo -, o que gerou várias críticas sobre a fragilidade do sistema de supervisão e a falta de instrumentos eficazes de intervenção preventiva.
Nesse cenário, uma das questões em debate é a relação entre a responsabilidade dos gestores do Banco Master e o órgão regulador. Eventual omissão do BC poderia isentá-los de responsabilidade?
Em primeiro lugar, deve-se distinguir as esferas civil, administrativa e penal. Pelo que se tem notícia até aqui, é possível que os administradores do Banco Master tenham desviado do padrão de conduta esperado de um gestor de recursos de terceiros. Tal padrão advém da administração financeira e bancária. Seus critérios de racionalidade econômica e técnica auxiliam os gestores para que a atividade, envolvendo necessariamente decisões de risco, seja diligente e sustentável.
Segundo a teoria da decisão negocial (business judgment rule), é adequada a decisão racional, de boa fé e com vistas ao melhor interesse da empresa. A racionalidade pode ser avaliada por critérios formais - p. ex., consultas aos setores técnicos - ou critérios materiais - p. ex., a lógica econômica e técnica. Se o gestor agir fora dessas balizas, sujeita-se à responsabilização nas esferas civil e administrativa.
E a esfera penal? Pode haver uma responsabilização penal por crime de gestão temerária de instituição financeira? Para essa resposta, é necessário compreender o tipo penal envolvido, bem como o papel do órgão regulador - no caso, do BC - na definição do conteúdo proibido.
Previsto no art. 4º, § único da lei 7.492/86, o crime de gestão temerária configura-se por atos de gestão que violem gravemente as normas de gerenciamento de riscos, gerando perigo ao patrimônio dos clientes ou da própria instituição. Trata-se de crime de mera conduta - não precisa haver um resultado de dano para sua imputação -, mas, segundo a jurisprudência consolidada, é necessário um perigo concreto decorrente da violação grave das normas de gerenciamento de risco.
Adverte-se. O crime de gestão temerária não se resume a assumir riscos financeiros, tampouco a produzir prejuízo a terceiros. Se assim fosse, não haveria mercado financeiro, no qual o risco - e, consequentemente, eventual prejuízo - é parte da dinâmica. O delito consiste na violação grave das normas legais e administrativas referentes à administração do patrimônio, com a produção de um perigo concreto a esse patrimônio. E aqui está a relevância do BC, responsável por estabelecer as normas de gerenciamento de riscos, que demarcam o standard, para fins penais, da boa administração financeira. No caso do Banco Master, um dos problemas identificados teria sido a permissão de carregar em seu balanço uma quantidade excessiva de ativos de baixa liquidez.
Se a regulação financeira do BC permitiu a conduta dos administradores do Banco Master, esta conduta, por mais que possa ser censurável sob os critérios econômico e técnico e se submeta à responsabilização nas esferas civil e administrativa, não poderá, a princípio, ser responsabilizada no âmbito penal. A razão é simples. Por não ter descumprido nenhuma regra do BC, ela não constitui uma violação grave de norma de gerenciamento de risco.
Um esclarecimento. Nos crimes clássicos, como o homicídio ou o roubo, os limites da moldura proibitiva estão integralmente definidos pela lei. Já nos crimes econômicos, seu conteúdo depende, muitas vezes, de uma complementar regulamentação administrativa. A lei não diz tudo. São os órgãos reguladores - no caso, o BC - que definem os contornos específicos da proibição.
Vislumbra-se aqui esta característica tão própria dos setores regulados. Neles, os agentes econômicos só podem atuar dentro das linhas estabelecidas pelos órgãos reguladores. A priori, há menos liberdade. Ao mesmo tempo, se os agentes cumprem essas normas, não cabe, a princípio, falar em conduta criminosa, uma vez que se encontram dentro dos contornos autorizados pelo próprio Estado.
Não se afirma que o BC foi omisso ou negligente no caso do Banco Master. Seu corpo técnico é reconhecidamente competente e independente. Destaca-se somente a interdependência, para a análise da responsabilidade penal, entre a conduta dos administradores da instituição financeira e o ambiente regulatório do setor. Como ensina a ciência penal, crime é aumento do risco proibido. Quando administradores agem dentro das diretrizes regulatórias, mesmo que possa haver responsabilização civil e administrativa, não cabe, a princípio, falar em delito. Entre as condições para a imputação de crime, é preciso haver, por força da própria coerência do sistema jurídico, a atuação além dos limites do permitido.
Rodrigo Falk Fragoso
Doutor em Direito Penal pela USP. Professor na Pós-Graduação da PUC-Rio. Sócio do escritório Fragoso Advogados.



