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Novas hipóteses de compensações "não declaradas" e os riscos à ampla defesa

A tentativa de enquadrar como "não declaradas" compensações regularmente informadas compromete a segurança jurídica e distorce os fundamentos do processo administrativo tributário.

terça-feira, 8 de julho de 2025

Atualizado às 14:14

Em 11 de junho de 2025, foi publicada a medida provisória 1.303/25, que trouxe importante e perigosa alteração no regime das compensações tributárias de tributos administrados pela RFB - Receita Federal do Brasil, ao modificar o art. 74, da lei 9.430/1996.

Por meio de seu art. 64, a MP acrescentou as alíneas "g" e "h" ao inciso II do § 12 do mencionado art. 74, ampliando o rol de hipóteses de compensações consideradas como "não declaradas" - aquelas realizadas pelo contribuinte, mas não reconhecidas formalmente pela RFB, seja por ausência de DCOMP ou por imposição legal expressa, mesmo que a DCOMP tenha sido transmitida.

E o maior perigo nessa alteração reside em uma consequência conexa à compensação tida como não declarada, qual seja, a forma limitada de defesa já prevista na legislação em tais situações, com um contencioso limitado e que não suspende a exigibilidade do crédito.

Nesse contexto, a nova alínea "g" dispôs que não será admitida compensação quando o documento de arrecadação for inexistente. Percebe-se que a norma busca restringir compensações baseadas em créditos sem vínculo direto com um documento arrecadatório específico, que comprove o pagamento indevido ou a maior previamente realizado.

Essa previsão, no entanto, levanta preocupação, pois uma interpretação mais restritiva poderia considerar que somente créditos oriundos de pagamentos em espécie, por meio de documento de arrecadação - como DARF ou GPS - se mostrariam passíveis de serem compensados. Isso excluiria outras formas de extinção do crédito tributário, que tenham ocorrido com direitos creditórios legítimos e que, por alguma razão, acarretaram pagamentos a maior ou indevidos, gerando um crédito passível de nova compensação.

Além disso, a segunda hipótese trazida pela alínea "h" da MP passa a enquadrar como "não declarada" as compensações de PIS e COFINS apurados no regime não cumulativo, que não guardem qualquer relação com a atividade econômica do sujeito passivo. Segundo a exposição de motivos que acompanhou a edição da Medida Provisória, o intuito do Poder Executivo está no combate às fraudes tributárias e no uso de créditos indevidos, aqueles alheios à atividade operacional do contribuinte.

A esse respeito, como se sabe à exaustão, a jurisprudência do STJ firmada no Tema 779 (REsp 1.221.170/PR) estabeleceu os critérios de essencialidade e relevância como balizadores para caracterização de insumos. Contudo, a aplicação desses critérios é casuística, havendo inúmeras controvérsias entre Fisco e contribuintes sobre o enquadramento de determinados gastos - o que torna questionável a adoção de uma regra que, ao negar a relação com a atividade econômica, requalifique automaticamente a compensação como "não declarada".

É fundamental diferenciar duas situações distintas: a compensação "não homologada", regularmente declarada por meio da DCOMP, mas posteriormente rejeitada pela Receita por questões de mérito ou de ordem formal, admite manifestação de inconformidade e, se necessário, recurso voluntário ao CARF, com um contencioso paritário e que suspende a exigibilidade do crédito tributário até decisão definitiva das Autoridades Fiscais.

Já a compensação "não declarada", por outro lado, admite defesa mais restrita, um chamado recurso inominado, que não suspende a exigibilidade do tributo, o que expõe o contribuinte à cobrança imediata do débito, acrescido das penalidades cabíveis. E o que nos parece mais temerário, cujo rito de julgamento não chega ao CARF.

Assim, a nosso ver, a tentativa de enquadrar como "não declaradas" compensações regularmente informadas, mas questionadas quanto ao mérito do crédito ou decorrentes de outras formas de extinção do crédito tributário que não um pagamento via documento arrecadatório, afeta diretamente a segurança jurídica e desvirtua o que se aguarda do processo administrativo tributário, que seria um julgamento em último grau pelo CARF e com exigibilidade do débito suspensa.

Em última análise, essa interpretação pode retirar da DRJ - Delegacia de Julgamento e do CARF o controle de legalidade da compensação, o que a nosso ver abre espaço para contestação judicial, diante da violação aos princípios da legalidade, segurança jurídica, contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Não se trata de questionar a possibilidade legal de serem criadas novas hipóteses de compensação não declaradas, submetidas a um rito mais limitado de defesa. Mas sim, jogar luz no debate de que as hipóteses ora criadas se distanciam, e muito, daquelas anteriormente previstas, afastando-se de situações notoriamente vedadas e que o contribuinte deveria já conhecer respeitar, para discussões que se enviesam pela interpretação de critérios legítimos para apuração de créditos, bem como sobre créditos legítimos nascidos de outras formas de quitação que não via documento arrecadatório pago.

Nesse contexto, existe uma possibilidade de judicialização das novas regras trazidas, em prol da proteção da legalidade tributária e da segurança jurídica, aliadas aos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal.

Ana Luisa Siqueira

Ana Luisa Siqueira

Sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, no Rio de Janeiro.

Leonardo Gusmão

Leonardo Gusmão

Graduado em Direito pela UERJ. Pós-graduado Lato Sensu em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ. Professor nos cursos de Direito Tributário da ESA. Sócio do Gaia Silva Gaede Advogados.

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