Quando a má-fé vira crime: A necessária resposta penal à litigância abusiva no contencioso de massa
Quando a litigância abusiva ultrapassa o limite da lei, é fundamental agir com rigor técnico e compromisso ético. Um alerta à advocacia para defender a Justiça e a integridade profissional.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 11:47
A judicialização em massa das relações de consumo no Brasil gerou um fenômeno paradoxal: se, por um lado, democratizou o acesso à Justiça, por outro, abriu espaço para distorções severas, muitas delas intencionalmente arquitetadas. No contexto do contencioso bancário, essa dinâmica tornou-se especialmente sensível. A repetição mecanizada de demandas, a apresentação de documentos suspeitos e a atuação por procurações viciadas tornaram-se práticas observadas com frequência. Mais do que simples infrações processuais ou desvios éticos, muitas dessas condutas revelam contornos criminais que não podem ser ignorados.
O Direito Penal, nesse contexto, emerge como ferramenta indispensável para a proteção da ordem jurídica e para a repressão a práticas que degradam o sistema de Justiça. A litigância abusiva, quando ultrapassa os limites da má-fé processual e passa a se sustentar em fraudes documentais, falsidade ideológica ou mesmo na fabricação deliberada de litígios, deixa de ser apenas um problema de ética ou de estratégia processual. Passa a configurar crime.
Assim, a judicialização em larga escala pode, por vezes, permitir que práticas abusivas se ocultem no volume excessivo de demandas. Nesse cenário, o papel técnico de quem atua no contencioso massivo torna-se crucial: é responsabilidade desses profissionais detectar padrões processuais anômalos, apurar inconsistências e identificar indícios de condutas que, além de violarem princípios processuais, possam configurar infrações penais, tudo isso com o devido rigor analítico, responsabilidade ética e precisão jurídica.
Nesse ponto, destaca-se a importância dos instrumentos jurídicos utilizados para o enfrentamento técnico dessas práticas, com especial ênfase na manifestação como peça estratégica. Longe de um modelo padronizado, trata-se de uma construção jurídica robusta, orientada por critérios objetivos e por uma leitura minuciosa dos autos, voltada à identificação de elementos concretos que indiquem fraudes processuais. Quando a gravidade dos fatos assim exige, a manifestação é acompanhada de pedidos de expedição de ofícios aos órgãos competentes, como o Ministério Público, a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil e núcleos de monitoramento de demandas repetitivas como o Numopede.
Tais ofícios cumprem uma função essencialmente técnica e institucional. Não se trata de promover uma perseguição ou estabelecer uma guerra contra a advocacia, posição que inclusive, se rechaça veementemente. Ao contrário: é justamente por respeito à advocacia, à sua função constitucional e ao seu papel essencial à Justiça que o enfrentamento às práticas criminosas travestidas de exercício profissional precisa ser feito com responsabilidade, conhecimento jurídico e, sobretudo, distinção clara entre o litígio legítimo e a conduta dolosa.
O combate à litigância abusiva, portanto, não pode se limitar à esfera cível ou à responsabilidade ética. Quando as condutas assumem feição criminosa, a omissão compromete a própria integridade do sistema de Justiça. O Direito Penal deve ser acionado com cautela, sim, mas também com firmeza, especialmente por aqueles que, dentro do próprio contencioso massivo, atuam para preservar a higidez do processo e a credibilidade das instituições.
Mais do que um dever técnico, identificar e reagir a práticas criminosas é uma escolha por uma advocacia comprometida com sua função social. Combater a litigância abusiva sob o viés penal é, em essência, um ato de defesa da própria advocacia. É reafirmar que a atuação profissional legítima não pode ser confundida com práticas ardilosas que enfraquecem o Judiciário e comprometem a confiança social na Justiça. E é exatamente por acreditar na força transformadora de uma advocacia ética que esse enfrentamento se torna não apenas legítimo, mas necessário.
Alice Vilanova
Analista jurídica no Parada Advogados com enfoque em Excelência e Experiência do Cliente, pós-graduanda em Política Criminal, Segurança Pública e Direito Penal.
Viviane Ferreira
Sócia - Diretora jurídica de Excelência e experiência do cliente do Parada Advogados. Mestranda no IDP-Brasília.



