MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Fundos de pensão: TCU responsabiliza gestor terceirizado de fundo de investimento

Fundos de pensão: TCU responsabiliza gestor terceirizado de fundo de investimento

TCU responsabiliza gestor de fundo de EFPC por má gestão de recursos, aplicando multa milionária e reforçando dever fiduciário rigoroso.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Atualizado em 13 de agosto de 2025 11:04

Temos acompanhado os posicionamentos do TCU - Tribunal de Contas da União com relação à gestão de recursos das EFPC - Entidades Fechadas de Previdência Complementar com patrocinadores estatais federais.

Em decisão recente, o TCU trouxe duas alterações importantes: (i) a penalização do gestor externo de fundo de investimento de recursos de EFPC1;  e (ii) a aplicação da Teoria da Carteira Ótima para a quantificação de danos causados por má gestão de ativos de recursos garantidores de planos benefícios2.

O acórdão3 evidencia as implicações diretas sobre a responsabilidade dos gestores externos de fundos de investimento que operam recursos de EFPC. Nesta fase marcada por uma maior tendência à intensificação do TCU em relação a investimentos realizados pelas EFPC, o precedente é um indicativo importante.

No caso, a Corte de Contas federal não apenas reconheceu a possibilidade de responsabilização de agente privado - o gestor terceirizado de um fundo de investimento - como também lhe imputou débito solidário ao lado de ex-dirigentes de entidade de previdência por prejuízos decorrentes de investimentos malsucedidos, calculados pelo TCU em R$ 452 milhões. O Tribunal ainda aplicou a multa de R$ 90 milhões ao gestor externo.

Pode-se antever que as pessoas físicas apenadas não terão patrimônio para saldar o expressivo valor das perdas, por conseguinte o gestor está com uma pesada carga de responsabilidade financeira pelas perdas e por conta da multa. Os valores devem ser pagos em 15 dias da notificação da decisão, sob pena da "cobrança judicial das dívidas".

A decisão representa um alerta ao mercado: não basta a alegação de que os investimentos seguiram parâmetros gerais de política de investimento ou que o cotista do fundo exclusivo pode determinar as decisões de investimento desse veículo de investimentos. Nesse sentido, o voto do ministro Bruno Dantas foi que "a condição de fundo exclusivo não confere ao administrador ou ao gestor licença para se omitir. O dever fiduciário, imposto pelo art. 65-A da Instrução-CVM 409/04, é para com o fundo, uma entidade autônoma com um propósito definido em seu regulamento - no caso, buscar uma 'boa relação risco/retorno'".

É necessário comprovar que as escolhas foram fundamentadas em critérios técnicos, prudenciais e compatíveis com o regulamento do fundo. O TCU asseverou que a penalização não se deu em razão do insucesso dos investimentos, tão somente, mas pela inobservância desses parâmetros.

Mais do que isso. O Tribunal rejeitou expressamente a tese de que seria incompetente para julgar o caso. O argumento do gestor do fundo de investimento se baseava na súmula 187 da própria Corte, que dispensaria a Tomada de Contas Especial contra pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração Pública4.

O argumento foi afastado com base no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal, que indica que qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que administre recursos públicos ou pelos quais a União responda, pode ser chamada a prestar contas. Nesse contexto, a condição de gestor de recursos de entidade de previdência com patrocinador federal foi suficiente para atrair a jurisdição do TCU. Essa Corte tem entendido que os recursos administrados pelas EFPC patrocinadas por estatal federal teriam caráter público.

Merece também destaque a forma de cálculo do prejuízo apurado. Utilizou-se a "Teoria da Carteira Ótima", metodologia que consiste em construir um cenário contrafactual com base em uma carteira ótima, que teria sido viável e mais rentável segundo os parâmetros de risco/retorno disponíveis à época. Apesar de ter sido criticada pela defesa, prevaleceu o entendimento de que se trata de ferramenta amplamente respaldada na literatura especializada e compatível com o objetivo de estimar de forma razoável o prejuízo ao erário.

Esse acórdão acende um sinal de alerta, especialmente para gestores de fundos de investimento que atuam para EFPC de estatais federais. A estrutura de "fundo sobre fundo", muitas vezes opaca e complexa, não exime o dever de diligência, tanto dos gestores dos fundos investidos, como dos dirigentes e técnicos responsáveis das EFPC. A adoção de critérios formais, a documentação sobre as decisões e a governança eficiente tornam-se elementos indispensáveis de mitigação de riscos de responsabilização.

É evidente, à luz do julgamento, que a tradicional invocação de risco de mercado não imuniza os gestores, notadamente em situações de insucesso do investimento. Com este acórdão, o TCU sinaliza que prejuízos, quando oriundos de falhas procedimentais ou desvios em relação à política de investimento, podem ensejar responsabilização concreta, inclusive com condenação pecuniária direta a entes privados.

Este acórdão representa um ponto de inflexão importante. Os profissionais do mercado precisarão de atenção redobrada. A fronteira entre o que era considerado risco negocial e o que passa a ser visto como má gestão está sendo redesenhada no âmbito do TCU.

________

1 Não se trata de penalização exatamente inédita, uma vez que no âmbito do Acórdão 1301/2021-Plenário, o TCU também condenou solidariamente o gestor de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e ex-dirigentes de um fundo de pensão após analisar supostos prejuízos suportados pela EFPC.

2 A aplicação dessa metodologia pelo TCU já foi mencionada pelo Tribunal em pelo menos mais dois processos relacionados a apuração de prejuízos ao Postalis. Trata-se dos acórdãos 630/2017 (que determinou a instauração de Tomada de Contas Especial (TCE) 010.332/2017-0, objeto de análise neste artigo) e 2402/2020.

3 O Acórdão 1.705/2025-Plenário foi exarado no bojo da Tomada de Constas Especial 010.332/2017-0, instaurada pela Secex Previdência em razão da determinação contida no item 9.1.1 do Acórdão 630/2017-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rêgo. A decisão foi tomada na sessão plenária realizada em 30.07.2025.

4 A súmula dispõe o seguinte: "Sem prejuízo da adoção, pelas autoridades ou pelos órgãos competentes, nas instâncias, próprias e distintas, das medidas administrativas, civis e penais cabíveis, dispensa-se, a juízo do Tribunal de Contas, a tomada de contas especial, quando houver dano ou prejuízo financeiro ou patrimonial, causado por pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração Direta ou Indireta e de Fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, e, ainda, de qualquer outra entidade que gerencie recursos públicos, independentemente de sua natureza jurídica ou do nível quantitativo de participação no capital social".

Flávio Rodrigues

Flávio Rodrigues

Sócio sênior de Bocater Advogados. Pós-graduado (MBA) em Fundos de Pensão pela UFRJ e em Reformas de Sistemas Previdenciários (Executive Retreat on Pension Reform) pela Harvard University; mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes - RJ.

Thiago Cardoso Araújo

Thiago Cardoso Araújo

Professor da EPGE/FGV, procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Bocater Advogados. Mestre e doutor em Direito pela UERJ.

Ana Luiza Moerbeck

Ana Luiza Moerbeck

Mestra em Direito da Regulação na Fundação Getúlio Vargas. Professora. Advogada no Bocater Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca