Concurso público: Os direitos do candidato aprovado na ampla concorrência
O concurso público garante estabilidade, mas a eliminação por ausência à heteroidentificação de cotas ameaça direitos e gera judicialização.
quinta-feira, 21 de agosto de 2025
Atualizado em 20 de agosto de 2025 16:21
O concurso público é, para milhares de brasileiros, o caminho mais seguro para alcançar estabilidade e reconhecimento profissional. A cada edital lançado, renova-se a esperança de quem investe tempo, energia e recursos na preparação. Nos últimos anos, a política de cotas raciais trouxe um novo horizonte para candidatos historicamente marginalizados, permitindo a entrada no serviço público de forma mais equitativa. Porém, a aplicação prática dessa política ainda gera controvérsias capazes de afetar profundamente a vida de muitos concorrentes.
Um exemplo que se repete é o do candidato que concorre tanto pela ampla concorrência quanto pelas cotas raciais. Após meses de estudo e dedicação, ele obtém nota suficiente para ser aprovado nas duas listas. Entretanto, não comparece à etapa de heteroidentificação exigida para confirmar sua condição de cotista. A consequência aplicada por diversas bancas tem sido a eliminação total do certame, desconsiderando inclusive a classificação alcançada na ampla concorrência.
Esse tipo de interpretação, no entanto, é equivocado e afronta os princípios que regem os concursos públicos. A heteroidentificação não é uma etapa voltada à avaliação de mérito, mas apenas um procedimento destinado a verificar se o candidato faz jus ao benefício adicional da reserva de vagas. O direito à ampla concorrência decorre exclusivamente do desempenho obtido nas provas, independentemente da condição racial.
Eliminar completamente o candidato equivale a punir de forma desproporcional, negando-lhe um direito já conquistado por esforço próprio. A Constituição assegura que os atos da Administração devem observar a razoabilidade, a proporcionalidade e a legalidade. Nada disso se vê quando a banca, em vez de apenas retirar o candidato da lista de cotas, decide excluí-lo por completo.
Na prática, o que ocorre é o aumento da judicialização dos concursos. Candidatos que se encontram nessa situação recorrem ao Judiciário, que, em reiteradas decisões, vem reconhecendo a ilegalidade da eliminação total e garantindo a permanência na lista geral. Trata-se de um movimento importante para reafirmar que a política de cotas deve ampliar direitos, e não suprimi-los.
Vale lembrar que, para o candidato, a eliminação injusta representa mais do que uma frustração. Trata-se de prejuízo emocional, financeiro e, muitas vezes, familiar. Afinal, o concurso público não é apenas uma prova: é um projeto de vida. Quando o mérito alcançado é desconsiderado por formalidade desproporcional, compromete-se a confiança de toda a sociedade no sistema de seleção.
As bancas examinadoras precisam adotar uma postura mais cuidadosa. O papel do edital é disciplinar o certame, mas ele não pode criar regras que desvirtuem a própria finalidade das políticas afirmativas ou que eliminem direitos já consolidados. O equilíbrio entre a proteção da lisura do sistema de cotas e a preservação do mérito na ampla concorrência é o que garante a legitimidade do concurso público.
O correto é reconhecer que a ausência à heteroidentificação acarreta apenas a exclusão da lista de cotas raciais, sem qualquer reflexo na lista geral. Essa solução respeita a finalidade da ação afirmativa, preserva o mérito individual e assegura a confiança de todos os participantes no processo seletivo.
O concurso público precisa ser compreendido como espaço de inclusão, de reconhecimento do esforço individual e de respeito à igualdade de condições. Não pode se tornar um campo em que a interpretação equivocada de formalidades desvirtue a trajetória de candidatos aprovados legitimamente.
Aos que enfrentam essa situação, é fundamental saber que existem mecanismos de proteção jurídica. A eliminação total não encontra respaldo e pode ser revista pelo Judiciário, que já consolidou entendimento em defesa da preservação da aprovação na ampla concorrência. O candidato que lutou, estudou e alcançou nota suficiente para se classificar não pode ter sua conquista anulada por uma exigência que não guarda relação direta com seu mérito.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



