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Concurso público e eliminação por ausência à heteroidentificação: Excesso da banca?

O sistema de cotas garante inclusão, mas a ausência à heteroidentificação não pode excluir quem também foi aprovado na ampla concorrência.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Atualizado em 22 de agosto de 2025 11:36

O sistema de cotas raciais nos concursos públicos se consolidou como um instrumento de promoção da igualdade, garantindo maior inclusão e diversidade no acesso ao serviço público. Contudo, situações práticas vêm gerando debates intensos e, muitas vezes, litígios desnecessários.

Um caso recorrente é o do candidato que se inscreve tanto pela ampla concorrência quanto pelas cotas raciais, alcança nota suficiente em ambas as listas, mas não comparece à sessão de heteroidentificação. Diversas bancas têm aplicado a eliminação integral, excluindo o candidato do certame. A questão que se coloca é: esse procedimento está de acordo com o espírito da lei e a interpretação dos tribunais?

O sentido da concomitância

Quando se instituiu o regime de reserva de vagas, definiu-se que o candidato cotista também participaria da lista da ampla concorrência. Trata-se de uma garantia, não de um risco. Em outras palavras: a inscrição pela cota racial não elimina a possibilidade de o candidato disputar, ao mesmo tempo, em igualdade de condições, as vagas gerais.

A heteroidentificação surgiu como mecanismo legítimo para coibir fraudes. No entanto, sua ausência não pode ser utilizada para invalidar toda a aprovação do candidato, sobretudo quando ele demonstrou desempenho suficiente para estar entre os classificados pela ampla concorrência.

O papel das bancas examinadoras

Alguns editais estabelecem que o não comparecimento ao procedimento de heteroidentificação leva à exclusão do concurso. Essa cláusula, porém, não pode se sobrepor ao princípio da legalidade e ao entendimento já consolidado nos tribunais.

As bancas não podem transformar uma etapa destinada exclusivamente à verificação do direito à vaga reservada em motivo de eliminação total. O que deveria ocorrer, em casos assim, é apenas a exclusão da lista de cotas, preservando-se o resultado obtido na classificação geral.

Entendimento dos tribunais superiores

Os tribunais superiores têm firmado posição clara: o candidato que também foi aprovado na ampla concorrência não pode ser eliminado do concurso público por ausência ao procedimento de heteroidentificação. A consequência natural deve ser apenas a retirada de seu nome da lista de cotistas, sem prejuízo da permanência na lista geral.

Esse entendimento se fundamenta em princípios constitucionais como a razoabilidade e a proporcionalidade, além da própria lógica do sistema de cotas, que jamais poderia se converter em barreira.

Reflexos para os candidatos

Na prática, muitos candidatos têm recorrido ao Judiciário para assegurar esse direito. O mais comum é o ajuizamento de mandado de segurança, em que os tribunais reconhecem o erro da banca e garantem a continuidade do candidato na lista da ampla concorrência.

Para além da discussão processual, esse cenário revela um problema administrativo: a má interpretação dos editais e a adoção de medidas desproporcionais acabam gerando instabilidade jurídica e um número crescente de ações judiciais, que poderiam ser evitadas.

Conclusão

O concurso público deve ser instrumento de justiça e igualdade. Excluir um candidato aprovado na ampla concorrência apenas porque não compareceu à heteroidentificação é medida excessiva e contrária à própria finalidade das cotas raciais.

A interpretação correta é simples: a ausência ao procedimento implica apenas a retirada do candidato da lista de cotas, mantendo sua classificação na lista geral. É essa a solução que respeita a lei, preserva o mérito e assegura a confiança da sociedade nos certames públicos.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

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