Concurso público e saúde mental: Quando a depressão impede a posse
A depressão pode impedir candidatos de tomarem posse em concursos. Tribunais reconhecem o direito à reabertura do prazo quando comprovada a incapacidade.
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Atualizado em 29 de agosto de 2025 09:19
O concurso público é, para muitos brasileiros, um verdadeiro projeto de vida. São meses, às vezes anos de estudo intenso, renúncia a momentos de lazer e dedicação quase exclusiva à preparação. A aprovação, quando finalmente chega, representa a realização de um sonho. Contudo, esse percurso nem sempre termina com a assinatura do termo de posse. Há situações em que a própria saúde do candidato, especialmente no campo mental, impede a concretização desse momento tão esperado.
Entre essas situações, destaca-se a depressão, doença que atinge milhares de pessoas no Brasil e no mundo. A Organização Mundial da Saúde já a classifica como uma das principais causas de afastamento do trabalho. Não é diferente no contexto dos concursos públicos. Muitos candidatos, após anos de esforço, veem-se diante da impossibilidade de comparecer à posse justamente porque atravessam um quadro grave de depressão, marcado por crises de ansiedade, falta de energia vital e incapacidade temporária de assumir novas responsabilidades.
A postura comum da Administração, nesses casos, é considerar que a ausência equivale a desistência. O edital costuma prever que o candidato convocado que não comparece no prazo perde automaticamente o direito à nomeação. Do ponto de vista burocrático, a justificativa é a necessidade de continuidade do serviço público. Mas do ponto de vista jurídico e humano, essa interpretação não pode prevalecer sem ressalvas.
Afinal, o candidato que não comparece porque está doente não o faz por escolha, mas por impossibilidade real. O princípio da dignidade da pessoa humana, aliado ao direito à saúde, exige que a Administração adote postura mais equilibrada, distinguindo o candidato que desiste voluntariamente daquele que se vê impedido por motivo de força maior. A depressão, devidamente comprovada por laudos médicos, deve ser reconhecida como justificativa legítima.
Os tribunais brasileiros têm reforçado essa compreensão. Decisões recentes apontam que, quando há comprovação de que a ausência ao ato de posse decorreu de doença incapacitante, a exclusão automática do candidato é ilegal. Nessas situações, determina-se que a Administração reabra o prazo para a posse ou assegure a nomeação em momento posterior, quando o candidato estiver apto. Essa interpretação harmoniza eficiência administrativa e proteção aos direitos fundamentais.
Do ponto de vista prático, o candidato que se encontra nessa situação deve agir rapidamente. O primeiro passo é reunir documentação médica robusta, contendo laudos, relatórios e atestados que comprovem o diagnóstico, o tratamento e a incapacidade temporária. Esses documentos são essenciais para demonstrar que não houve má-fé ou desinteresse, mas um impedimento real e involuntário.
Com base nessa documentação, o candidato pode protocolar requerimento administrativo, solicitando a reabertura do prazo de posse ou o agendamento de nova data. Embora, na maioria das vezes, a Administração indefira tais pedidos, essa etapa é importante para demonstrar que o interessado buscou resolver a situação pela via administrativa.
Na sequência, se o pedido for negado, a alternativa é buscar o Judiciário. O caminho mais comum é o mandado de segurança, que pode ser utilizado para proteger o direito líquido e certo do candidato contra ato ilegal da Administração. Nessa esfera, a atuação de advogado especialista em concursos públicos é decisiva para estruturar os fundamentos jurídicos, reunir os precedentes adequados e assegurar a concessão da medida liminar, garantindo o direito de posse futura.
A relevância desse tema vai além do caso individual. Reconhecer a depressão como motivo legítimo para reabrir o prazo de posse é um passo importante para que os concursos públicos incorporem uma visão mais humana. O Estado não pode exigir produtividade e eficiência às custas da saúde mental de seus servidores. O respeito ao mérito deve andar de mãos dadas com a proteção ao candidato enquanto pessoa.
O concurso público existe para selecionar os mais preparados. Se o candidato demonstrou conhecimento e alcançou a aprovação, não é justo que uma crise de saúde temporária anule todo o esforço. Ao contrário, deve-se encontrar solução equilibrada, que permita ao candidato assumir o cargo após a recuperação, sem comprometer a regularidade do certame.
Em conclusão, o candidato aprovado que não pôde tomar posse por estar em tratamento contra a depressão tem, sim, direitos a serem protegidos. A ausência justificada por motivo de saúde não equivale a desistência. A via judicial pode garantir a reabertura do prazo ou a possibilidade de assumir o cargo quando houver alta médica. Em casos assim, é essencial buscar orientação jurídica especializada, para que a conquista obtida com tanto esforço não seja perdida diante de uma leitura meramente burocrática.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



