STF e concurso público: Os limites do controle judicial sobre questões de prova
A decisão consolidada limita a revisão judicial de concursos a irregularidades claras, equilibrando autonomia das bancas e proteção dos candidatos.
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Atualizado em 19 de setembro de 2025 15:22
O concurso público é, sem dúvida, o principal mecanismo de acesso a cargos e empregos na Administração Pública brasileira, verdadeiro instrumento de efetivação dos princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade. Com fundamento no art. 37, II, da Constituição Federal, milhões de brasileiros disputam, ano após ano, oportunidades na esfera estatal. Esse processo, no entanto, não está imune a controvérsias, sobretudo quando as provas objetivas se tornam alvo de questionamentos judiciais.
O STF consolidou orientação de repercussão geral segundo a qual não compete ao Judiciário substituir a banca examinadora na análise de respostas e na atribuição de notas. A intervenção judicial é admitida apenas em situações excepcionais, como nos casos de flagrante ilegalidade, erro material manifesto ou afronta às regras do edital.
A decisão buscou equilibrar valores constitucionais relevantes. De um lado, a separação dos Poderes, que garante à Administração autonomia para organizar os certames. De outro, o direito fundamental de acesso aos cargos públicos, que deve ocorrer em condições isonômicas. Preservou-se, assim, a liberdade das bancas na elaboração e correção das provas, mas sem excluir por completo o controle jurisdicional.
Esse parâmetro é de grande importância prática. Ao mesmo tempo em que impede a judicialização indiscriminada de concursos, garante proteção aos candidatos quando o exame se afasta do conteúdo previsto ou afronta princípios básicos do ordenamento. O simples inconformismo com o critério de correção não basta para justificar uma ação judicial: é preciso comprovar a ilegalidade de forma objetiva.
A uniformização desse entendimento trouxe maior segurança jurídica. Tribunais de todo o país passaram a adotar a mesma diretriz, conferindo previsibilidade aos certames. A Administração pode organizar concursos com maior tranquilidade, e os candidatos sabem de antemão quais situações permitem a revisão judicial.
Naturalmente, essa posição do Supremo não está isenta de críticas. Parte da doutrina aponta que a restrição à intervenção judicial pode limitar a proteção de candidatos em hipóteses mais complexas, nas quais a ilegalidade não se apresenta de modo evidente. Ainda assim, prevaleceu a necessidade de resguardar a estabilidade dos certames e evitar que o Judiciário se transforme em instância recursal paralela.
Para a advocacia, trata-se de referência obrigatória. Qualquer discussão sobre nulidade de questões de concurso público deve levar em conta essa orientação, seja para demonstrar a presença de uma das exceções admitidas, seja para reconhecer que não cabe reabrir o mérito da avaliação. Também os candidatos precisam ter consciência de que apenas provas consistentes de ilegalidade podem sustentar uma ação com chances de êxito.
Em síntese, a posição do Supremo consolidou-se como marco regulatório da atuação judicial em concursos públicos. Ao mesmo tempo em que protege a Administração contra a judicialização excessiva, preserva a tutela de direitos individuais em casos de evidente violação ao ordenamento. O resultado é um modelo que combina segurança jurídica, eficiência administrativa e respeito ao princípio republicano do acesso igualitário aos cargos públicos.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



