Concurso público e controle judicial: Quando o judiciário pode anular questões de prova?
Análise sobre o controle judicial em concursos, mostrando que o Judiciário só anula questões diante de ilegalidades claras, preservando a autonomia das bancas e garantindo Justiça.
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Atualizado em 22 de setembro de 2025 13:30
O concurso público, em sua essência, representa o instrumento republicano por excelência de seleção de servidores, erigindo-se como garantia de isonomia e mérito. A sua legitimidade repousa na estrita observância da legalidade e na confiança depositada pelos candidatos de que as regras do certame serão fielmente cumpridas. Entretanto, nem sempre a prática se coaduna com o ideal normativo, razão pela qual emerge a indagação inevitável: até que ponto pode o Poder Judiciário intervir para anular questões de prova?
O STF firmou entendimento de repercussão geral no sentido de que não compete ao Judiciário substituir a banca examinadora no exame das respostas ou na atribuição de notas. A autonomia administrativa, corolário do princípio da separação dos Poderes, impõe que a formulação e correção de questões pertençam às bancas técnicas. Todavia, tal diretriz não conduz à abdicação completa do controle jurisdicional. Com efeito, admite-se a atuação judicial quando houver flagrante violação ao ordenamento jurídico, a fim de resguardar a essência do concurso público como instrumento de justiça e igualdade.
Destarte, a jurisprudência consolidou três hipóteses principais que legitimam a anulação de questões. Em primeiro lugar, o erro material manifesto, quando a alternativa considerada correta pelo gabarito destoa do próprio enunciado ou da doutrina pacífica. Em segundo, a cobrança de conteúdo alheio ao edital, em afronta direta ao princípio da vinculação da Administração às regras previamente estabelecidas. E, por fim, as situações de violação a princípios constitucionais, como legalidade, isonomia e razoabilidade, verificadas em questões ambíguas ou redigidas de forma a induzir o candidato a erro.
Outrossim, importa sublinhar que a mera inconformidade do candidato com a interpretação da banca não autoriza a intervenção judicial. É indispensável a demonstração objetiva e inequívoca de ilegalidade, sob pena de banalização da tutela jurisdicional e comprometimento da estabilidade dos certames. A via judicial, portanto, é estreita, reservada a hipóteses excepcionais que traduzam verdadeira afronta à ordem jurídica.
Em última análise, o equilíbrio encontrado pelo Supremo traduz-se na preservação da autonomia técnica das bancas, sem que se inviabilize a correção de injustiças gritantes. O Judiciário não atua como "segunda banca", mas como guardião dos limites constitucionais e legais que devem pautar a Administração Pública.
Para os candidatos, esse entendimento traz a consciência de que nem toda divergência comporta revisão judicial. Para a advocacia, exige fundamentação sólida, ancorada em princípios constitucionais e na vinculação ao edital. Em ambos os casos, há o reforço de que o concurso público não é apenas um procedimento seletivo, mas um espaço de afirmação de valores republicanos.
Assim, pode-se afirmar que o controle judicial sobre questões de prova objetiva não desaparece, mas se afirma de modo restrito, como instrumento de exceção. Ao delimitar os contornos dessa intervenção, o Supremo não apenas protege a Administração contra a judicialização excessiva, mas também reafirma o compromisso do Estado com a legalidade, a razoabilidade e a igualdade no acesso a cargos públicos.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



