Separação dos Poderes e concurso público: A autonomia das bancas examinadoras
A atuação das bancas em concursos assegura imparcialidade, enquanto o Judiciário age apenas para evitar ilegalidades e garantir igualdade entre candidatos.
quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Atualizado em 23 de setembro de 2025 11:08
O concurso público, por sua natureza, não é apenas um procedimento de seleção, mas expressão de um princípio maior: o de que o ingresso nos quadros da Administração deve ocorrer em condições de igualdade e mediante critérios objetivos. Essa lógica republicana, todavia, deve conviver com outro valor essencial da ordem constitucional: a separação dos Poderes. É nesse encontro que surge a discussão sobre a autonomia das bancas examinadoras e os limites do controle judicial.
Com efeito, a autonomia das bancas decorre da necessidade de preservar a imparcialidade técnica do certame. São elas que, amparadas pelo edital, elaboram as questões, fixam critérios de correção e atribuem as notas. A substituição dessa atividade pelo Poder Judiciário violaria a harmonia entre os Poderes, transformando o magistrado em avaliador de conhecimentos específicos, papel que lhe é estranho.
Destarte, a jurisprudência consolidada aponta que o Judiciário não pode atuar como segunda banca examinadora. A sua função não é reavaliar respostas, tampouco discutir a pertinência do conteúdo exigido, mas apenas assegurar que o concurso se mantenha nos trilhos da legalidade. Assim, a intervenção judicial é restrita a hipóteses em que a banca descumpre o edital, comete erro material flagrante ou afronta princípios constitucionais como legalidade, razoabilidade e isonomia.
Outrossim, não se trata de imunidade absoluta. A autonomia das bancas não lhes confere carta branca para agir de maneira arbitrária ou descompromissada com os parâmetros fixados previamente. O controle jurisdicional, embora limitado, atua como salvaguarda contra abusos, evitando que o concurso público se desvirtue em prejuízo do candidato. A autonomia, portanto, é ampla, mas não ilimitada.
Em última análise, pode-se afirmar que a separação dos Poderes impõe ao Judiciário uma postura de deferência técnica em relação às bancas, ao mesmo tempo em que lhe atribui o dever de agir quando a legalidade é transgredida. O equilíbrio reside justamente em permitir que a Administração conduza o certame com liberdade, mas sempre dentro das balizas constitucionais e legais.
Esse modelo assegura a preservação de dois valores fundamentais. De um lado, garante-se à Administração a tranquilidade de organizar os concursos sem temer uma judicialização excessiva. De outro, assegura-se aos candidatos a proteção contra ilegalidades evidentes, fortalecendo a confiança no concurso público como instrumento de justiça e igualdade.
Assim, a autonomia das bancas examinadoras não é um privilégio corporativo, mas expressão do próprio princípio da separação dos Poderes. Ao delimitar o papel do Judiciário, a Constituição reafirma que o concurso público deve ser espaço de mérito, igualdade e previsibilidade, valores que não se coadunam com a arbitrariedade, mas que tampouco permitem a substituição da técnica administrativa pela caneta judicial.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



