Fase recursal e litigância abusiva: A importância do olhar do juiz e dos riscos de distorção no segundo grau
Na fase recursal, recursos infundados e repetitivos ameaçam a coerência das decisões e colocam em risco a efetividade da Justiça.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
Atualizado em 10 de outubro de 2025 13:57
A fase recursal representa um dos momentos mais delicados do processo judicial. É nela que se busca revisar decisões, corrigir eventuais equívocos e assegurar a aplicação uniforme do direito. No entanto, quando associada ao fenômeno da litigância abusiva, essa etapa passa a demandar atenção redobrada de instituições financeiras e do próprio sistema de Justiça, sob pena de comprometer a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional.
A litigância abusiva, quando transposta para o âmbito recursal, costuma assumir contornos mais sutis, mas não menos nocivos. Um dos comportamentos mais recorrentes é a interposição de recursos meramente protelatórios, repetitivos ou desconectados da realidade fática e jurídica já consolidada na sentença, com o único objetivo de prolongar artificialmente o processo. Em outros casos, verifica-se a reiteração de teses já rechaçadas ou a tentativa de rediscutir matérias pacificadas, prática que consome tempo e recursos do Judiciário, das partes e dos advogados envolvidos.
Nesse contexto, é fundamental reconhecer que o "olhar do juiz" na fase de conhecimento desempenha papel decisivo para a correta interpretação do caso. O magistrado de primeiro grau, por estar mais próximo da realidade probatória e do contexto local, tem condições mais precisas de identificar desvios de conduta, práticas abusivas e repetições indevidas. Esse olhar atento fruto da experiência direta com a instrução, a produção de provas e a conduta das partes muitas vezes se perde no segundo grau, onde a análise tende a ser mais técnica, distanciada e limitada ao que está formalmente nos autos.
Essa diferença é especialmente perceptível nos juízos do interior, onde o volume processual menor e a maior proximidade com as partes permitem ao magistrado identificar padrões de litigância abusiva com mais clareza. No tribunal, a mesma causa passa a ser apenas mais um número em meio a milhares de recursos, o que pode dificultar a percepção de estratégias reiteradas e intencionais de distorção do processo.
Por isso, ao analisar recursos em demandas bancárias sobretudo naquelas em que há indícios de abuso é essencial que se considere o contexto delineado na sentença e o olhar do juiz que conduziu a fase de conhecimento. A decisão de primeiro grau não deve ser vista como um simples ponto de partida, mas como um elemento substancial de compreensão do caso, capaz de revelar nuances e condutas que não transparecem na frieza do processo recursal.
Portanto, o enfrentamento da litigância abusiva na fase recursal requer não apenas sensibilidade institucional, mas também o fortalecimento de mecanismos normativos, tecnológicos e procedimentais que desestimulem o uso estratégico do processo. O diálogo entre os juízos de primeiro e segundo grau, aliado à utilização de ferramentas tecnológicas que permitam o acesso dos tribunais às informações detalhadas dos juízos de origem, contribui para uma análise mais contextualizada e justa dos recursos. A aplicação rigorosa das sanções previstas no CPC e a observância da boa-fé objetiva permanecem essenciais para assegurar a efetividade e a legitimidade da prestação jurisdicional.
Viviane Ferreira
Sócia - Diretora jurídica de Excelência e experiência do cliente do Parada Advogados. Mestranda no IDP-Brasília.
Taina Pereira dos Santos
Analista jurídico - Parada Advogados



