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Interpretação sem devaneios: O novo art. 392, §7º da CLT

Ficou decidido que possibilitar a alteração do marco inicial do período de licença garantiria a ratificação de todo objetivo constitucional, isto é, a proteção à maternidade, à infância e ao convivo familiar.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Atualizado em 13 de outubro de 2025 12:13

Recentemente foi aprovada a lei 15.222, de 29 de setembro de 2025, a qual, por absoluta justiça social, resolve o imbróglio que há muito assolava o cenário trabalhista-previdenciário1. Justiça social, porque todos sabem o zigue-zague2 histórico3 deste benefício4, seja porque o principal responsável por sua adimplência foi alterado com o tempo, seja porque também se sabe que retardou o legislador, em reconhecer até mesmo que mães adotantes também pudessem recebê-lo, ou mesmo pela alteração no período de gozo deste.

A discussão é oriunda da ADI 6.3275, a qual enfrentou a problemática perante a omissão do legislador nos casos em que o recém-nascido necessitasse de internação prolongada. A decisão levou em consideração diversos dispositivos constitucionais e primou pela interpretação harmônica destes, frente a ideia de máxima efetividade da Carta. Com isso, ficou decidido que possibilitar a alteração do marco inicial do período de licença, garantiria a ratificação de todo objetivo constitucional, isto é, a proteção à maternidade, à infância e ao convivo familiar.

O fato é que, na última quinzena de setembro, o caso foi resolvido e o legislador adicionou redação que possibilita não apenas novo marco na efetiva prestação de direito fundamental social previdenciário, mas catapultou dúvidas que, por longo período, foram objeto de irresignações por parte daquelas recém-mães, que observavam o período de licença esvaírem-se, ainda dentro das redomas de certo hospital. Todavia, a lei não foi promulgada sem traumas.

Isto, porque, o equívoco no exercício hermenêutico da nova redação tem feito com que alguns juristas somem 240 dias de licença maternidade, ou mesmo destinem-lhe críticas, mais uma vez, por cristalina não compreensão adequada daquilo que pretendia o legislador: possibilitar que a mãe conviva com seu filho, nos primeiros dias de vida e fora do hospital. A nova redação aduz que, "Em caso de internação hospitalar que supere o prazo de 2 (duas) semanas previsto no § 2º deste artigo, desde que comprovado o nexo com o parto, a licença-maternidade poderá se estender em até 120 (cento e vinte) dias após a alta da mãe e do recém-nascido, descontado o tempo de repouso anterior ao parto.".

Entendem estes autores, que o embaraço é, notoriamente, em razão da palavra "até", causando a falsa impressão de que, afora os 120 dias já reconhecidos, a segurada ainda estaria albergada pela previdência social, por mais 120 dias após o primeiro ciclo, espaço em que mora o problema de interpretar a intrincada redação. Na verdade, o destaque deve ser destinado a palavra "poderá", pois salientando o verbo, ainda enquanto possibilidade, afasta-se dúvidas acerca deste intermédio, traduzindo que a exegese, em verdade, é calcada numa possiblidade.

Trocando em miúdos, a interpretação que deve ser feita ao novel artigo, com todas as vênias, é de que, acaso seja internado o recém-nascido, os 120 dias ainda não serão contabilizados, evidentemente porque, não excluindo estes, não há qualquer efetividade naquilo que pretendia o legislador quando da criação do referido benefício previdenciário: a conexão mãe e filho. Passado o período de internação, e somente apenas no caso deste, após a alta, começar-se-á a contagem do período de licença. Por isso que o verbo "poderá" no futuro do presente do indicativo, retrata a possibilidade de acontecer, não multiplicando ou somando períodos estranhos e em desconformidade com o objeto deste.

_______

1 BRASIL. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para prorrogar a licença-maternidade em até 120 (cento e vinte) dias após a alta hospitalar do recém-nascido e de sua mãe; e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para ampliar o prazo de recebimento do salário-maternidade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/Lei/L15222.htm. Acesso em: 09 outubro. 2025.

2 Constitucionalmente, com primeira aparição na Carta de 1934, apontando que: "Art. 121. [...] h) assistencia medica e sanitaria ao trabalhador e á gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuizo do salario e do emprego, e instituição de previdencia, mediante contribuição egual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de accidentes do trabalho ou de morte;" (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 09 out. 2025.).  

3 Em termos celetistas, o artigo 392, em sua primeira versão, preocupava-se em tirar a gestante do local de trabalho, 6 semanas antes, e depois 4 semanas antes. Além de, originariamente, tais salários serem suportados pelo empregador, e não pela previdência social, consoante a redação primeira do artigo 393. (BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 09 out. 2025.

4 Apenas tornando-se benefício previdenciário por previsão legislativa da Lei. 6.136, de 7 de novembro de 1974. (BRASIL. Lei. 6.136, de 7 de novembro de 1974. Inclui o salário-maternidade entre as prestações da Previdência Social. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6136.htm. Acesso em: 09 out. 2025.

5 BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6327. Origem:  DF - Distrito Federal. Relator(a): MIN. Edson Fachin. Relator(a) do último incidente: MIN. Edson Fachin(ADI-MC-Ref-ED). Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5870161. Acesso em: 09 out. 2025.

Maurício de Carvalho Góes

Maurício de Carvalho Góes

Advogado Trabalhista. Sócio do escritório TozziniFreire Advogados. Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Professor do Mestrado profissional UNISINOS. Professor PUCRS.

Andressa Munaro Alves

Andressa Munaro Alves

Doutoranda e Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Professora na UniRitter. Advogada.

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