Concurso público: Validade do certame e o direito subjetivo à nomeação
Processo seletivo garante acesso por mérito, mas só quem é aprovado dentro das vagas tem garantia de convocação.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Atualizado em 14 de outubro de 2025 11:49
O concurso público é o instrumento mais democrático de ingresso no serviço público. Ele assegura que o acesso aos cargos e empregos públicos se dê com base no mérito e na igualdade de oportunidades. Entretanto, muitos candidatos ainda enfrentam situações em que, mesmo aprovados dentro do número de vagas, não são nomeados. Outras vezes, a convocação é feita após o término da validade do certame, gerando dúvidas quanto ao alcance do direito.
É nesse cenário que se destaca a diferença entre a mera expectativa de direito e o direito subjetivo à nomeação - distinção consolidada pela jurisprudência, mas ainda frequentemente mal compreendida pela Administração e pelos próprios candidatos.
A expectativa de direito e a nomeação discricionária
Durante o prazo de validade do concurso, o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital possui apenas expectativa de direito à nomeação. Isso significa que o Estado não está obrigado a nomeá-lo, podendo fazê-lo conforme sua conveniência e oportunidade.
Todavia, mesmo essa expectativa não é absoluta. A Administração não pode agir de forma arbitrária, ignorando a ordem classificatória ou realizando contratações temporárias para exercer funções idênticas às do cargo disputado. Em tais hipóteses, a discricionariedade se converte em ilegalidade.
O STJ, ao apreciar casos dessa natureza, já destacou que a expectativa se transforma em direito subjetivo sempre que o poder público descumpre o edital, pretere candidatos aprovados ou realiza contratações precárias para funções equivalentes.
O direito subjetivo à nomeação
O STF consolidou entendimento segundo o qual o candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação, salvo em situações excepcionais devidamente justificadas. Essa garantia decorre do respeito ao princípio da vinculação ao edital, que é a "lei do concurso", e da proteção da confiança legítima.
A nomeação, nesses casos, deixa de ser ato discricionário e passa a ser ato vinculado, cuja omissão configura violação à legalidade. O edital gera obrigação jurídica: se o Estado abre vagas e o candidato é aprovado dentro delas, a nomeação torna-se um dever administrativo, não uma opção política.
A validade do concurso e seus efeitos
O prazo de validade do concurso tem função dupla: preservar o interesse público, evitando eternização de certames, e proteger os candidatos aprovados, assegurando-lhes previsibilidade. Quando o concurso expira, extinguem-se tanto o dever de nomear quanto a expectativa de direito - mas não quando a convocação ocorre de forma irregular ou após o prazo, sem justa causa.
A jurisprudência tem reconhecido a nulidade de convocações extemporâneas, entendendo que atos praticados após o vencimento da validade não produzem efeitos jurídicos válidos. Por outro lado, quando o candidato demonstra que a Administração se manteve inerte, protelando indevidamente a nomeação, admite-se o reconhecimento judicial do direito, mesmo após o encerramento formal do prazo.
O papel do edital e a vinculação administrativa
O edital é o alicerce jurídico do concurso público. Ele vincula tanto o candidato quanto a Administração. Nenhuma regra pode ser alterada sem previsão expressa, e nenhuma vaga pode ser suprimida sem justificativa legítima.
A observância do edital é expressão do princípio da legalidade e da isonomia. Quando o poder público deixa de seguir suas próprias regras, viola a boa-fé administrativa e compromete a credibilidade do certame. O controle judicial, nesses casos, não é interferência na gestão, mas restauração da legalidade.
Outras hipóteses de direito à nomeação
Além da aprovação dentro do número de vagas, há outras situações que ensejam direito subjetivo:
- Quando o candidato é preterido por contratação temporária para a mesma função;
- Quando a Administração cria novas vagas durante a validade do concurso e deixa de convocar os aprovados;
- Quando há desistência de candidatos melhor classificados e o órgão público ignora os remanescentes;
- Quando se comprova desvio de finalidade ou abuso de poder no ato de não nomear.
Esses são apenas exemplos mais recorrentes - não se trata de rol taxativo. Diversas outras circunstâncias podem configurar ilegalidade, exigindo análise individualizada de cada caso à luz dos princípios constitucionais.
Conclusão
O direito à nomeação é mais do que um reconhecimento de mérito: é uma garantia de justiça administrativa. Quando o Estado abre vagas, realiza provas, aprova candidatos e, ao final, deixa de nomeá-los, viola não apenas o edital, mas também a confiança legítima depositada pelos cidadãos no próprio sistema de concursos.
Em casos assim, o apoio de profissional especializado em concursos públicos é essencial para identificar o momento exato em que a expectativa se converte em direito, bem como para adotar as medidas administrativas e judiciais cabíveis.
O concurso público deve ser símbolo de igualdade e segurança jurídica - não de incerteza e frustração. Garantir a nomeação de quem foi aprovado dentro das regras é preservar a credibilidade do próprio Estado.
Nem todo silêncio administrativo é omissão inofensiva. Às vezes, é nele que se esconde a violação de um direito conquistado com esforço e merecimento.
Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.



